AYN RAND E OS DEVANEIOS DO COLETIVISMO

   Ayn Rand tem uma história de vida repleta de controvérsias. Para alguns, uma grande filósofa e escritora, para outros apenas uma boa escritora que teve a sorte de escrever dois romances num país, os Estados Unidos, que se encontrava, na época, em pleno combate ao comunismo e tudo o que ele representava, na verdade um verdadeiro empreendimento contra o coletivismo. Com efeito, a vida de Ayn Rand se confunde com as dos personagens principais dos seus romances, A Nascente e A Revolta de Atlas. Do mesmo modo, ela era o exemplo vivo da sua própria filosofia, o objetivismo. Porém uma coisa é certa, ela foi uma das mais ferrenhas defensoras do individualismo e do livre mercado. Uma mente poderosa que se opôs, com toda a sua capacidade intelectual, ao coletivismo. Muitos já escreveram sobre a Ayn Rand, mas quanto mais a estudam mais conclui-se que ela foi, neste sentido, uma visionária. Como ela mesma afirmara, a sua filosofia estava à frente da sua época. Com uma personalidade tão forte e atitudes polêmicas que foi Ayn Rand? O que é o objetivismo? Em seu livro Ayn Rand e os Devaneios do Coletivismo, o professor e político Dennys Garcia Xavier, reúne nesta obra as respostas às perguntas aqui feitas.

   O autor reuniu no livro as pesquisas e opiniões de vários estudiosos da vida e obra de Ayn Rand. O livro traz a história da vida de Ayn Rand desde o início da sua infância vivendo sob o regime stalinista já se mostrava escritora. Muda-se para os Estados Unidos onde tenta uma carreira em Hollywood como roteirista, tem suas dificuldades iniciais para fazer alavancar as suas obras, até que finalmente ela alcança fama e dinheiro com o lançamento dos seus dois mais importantes romances, A Nascente e A Revolta de Atlas que contém a essência da sua filosofia, o objetivismo. Além  disso, os autores contam alguns detalhes do seu casamento com Nathaniel Branden, seu marido por toda a vida, bem como o triângulo amoroso entre eles dois e um jovem rapaz admirador e aluno de Ayn Rand. Mas, o mais importante é a visão da filosofia de Ayn Rand que os autores descrevem no livro. Para quem se interessa pela vida e obra de Ayn Rand com um aprofundamento na sua filosofia, Ayn Rand e os Devaneios do Coletivismo é uma excelente início de estudos.

   Em suas duas mais importantes obras os heróis e heroínas randianos representam o ideal da moral objetivista. São personagens determinados, focados em seus objetivos que não se perdem em ideias e atividades coletivistas. A primeira vista são egoístas, mas uma análise mais aprofundada no perfil dos personagem e no desdobramento das suas história podemos constatar que o egoísmo a que se refere Ayn Rand não é exatamente a ausência de reconhecimento de que o outro importa, mas a certeza que um grande empreendimento humano planta frutos que todos vão poder colher e, portanto, não de se falar em egoísmo em si mesmo. Do mesmo modo os personagens parecem ser movidos por um profundo individualismo de tal maneira que não se vê o mínimo de humanidade de Dagny Taggart (vice-presidente de operações da Taggart Transcontinental  ou em Hank Rearden, o criador do metal rearden, pois eles demonstram não se importar com mais nada além de si e seus propósitos, ou seja, o mesmo individualismo encontrado na filosofia de Ayn Rand. O objetivismo de randiano ensina que os homens e mulheres randianos não se prestam a sentimentalismo baratos e que estes são movido por uma consciência superior a tal ponto de não se compadecerem de pequenos sofrimentos alheios, até porque essas pessoas que encarnam o espírito randiano são uma fortaleza moral a tal ponto de não compreenderem porque os outros se mostram tão fracos diante do sofrimento causado pela fortes determinação em alcançar os seus objetivos que, pois esperam que a dor seja só uma alavanca que impulsiona na direção desses objetivos. Por isso, para o objetivismo não existe sofrimento, não existe dor, só determinação e uma mente focada em objetivos. Como ensina a sua filosofia, o objetivismo, que inclusive é fornecido algumas fontes de estudo no próprio livro da autora, a exemplo do As virtudes do Egoísmo, a Ayn Rand tinha verdadeiro horror pelo Estado interventor.  Isso fica muito claro em A Nascente e A Revolta de Atlas. Os seus heróis passam a maior parte das suas vidas lutando contra a tirania dos governos, burocratas e tecnocratas que tentam se apoderar da propriedade intelectual dos seus heróis. 

   Ao final o que temos dentro do pensamento randiano é que há duas realidades: a objetiva abraçada pela filosofia de Ayn Rand e a subjetiva, aquela que dominada pela dissonância cognitiva distorce a realidade de acordo com as suas próprias visões do que eles acreditam que sejam a realidade naquele momento. Tudo aquilo que é fruto da criação da imaginação é Realidade Subjetiva que tem origem nas experiências humanas quando ao vivenciar o ambiente em que se encontram, extrai reflexões preconceituosas, não no sentido de discriminação em si, mas uma ideia pré concebida sob a qual cria-se uma realidade. Por outro lado, tomando como exemplo, uma pedra à nossa frente é uma Realidade Subjetiva. Independente da cultura, crenças e valores do indivíduo, pedra é pedra, pois mesmo quando é atribuída a ela, por questões culturais ou religiosas algum significado mítico, não passa de um aglomerado de material mineral, ou seja, é de total natureza orgânica. Essa é a sua natureza objetiva. Não se pode confundir as duas noções.  Duas pessoas não podem ter ideias diferentes sobre a existência de uma pedra. Se um realista objetivista diz que uma pedra é uma pedra e um realista subjetivista diz que não é uma pedra e sim uma esponja, não há o que fazer a não ser convidar este último para desferir um belo chute com toda força na “esponja”. Em solidariedade ao seu Estado final após o chute, podemos consolá-lo com “ora, não foi nada, afinal não é dor o que você está sentindo, mas vibrações cósmicas orgásmicas”. Quando trazida para o entendimento mais concreto, podemos refletir sobre a extirpação de clitóris nas mulheres em algumas tribos africanas. Neste caso específico o resultado é curioso. É fato que tanto para os praticantes de tal costume quanto para aqueles que observam com horror não se pode negar que a realidade objetiva é que causa dor, sofrimento e mutila física e psicologicamente. Esses atributos são físicos e não subjetivos. Portanto, a dor e a mutilação são elementos de uma realidade objetiva que levam ao sofrimento físico e psicológico. Entretanto, quando visto pelo ponto de vista de uma realidade subjetiva, a dor e a deformação são superadas por crenças e valores culturais. Mas isso muda algo? Depende. Ainda assim, continuamos no universos de pontos de vista diferentes. 

   Evidente que são visões diferentes da realidade. Mas diante das reflexões até aqui feitas, podemos argumentar que há  uma realidade imutável, aquela regida pela natureza, que pode ser comprovada pelos sentidos e experiências.  Há, de outro modo, uma realidade flexível, mutável, criada pela imaginação diante dos valores culturais e religiosos de um povo. Sendo assim, a questão que nasce nesse sentido pode ser assim colocada: é possível convergir ambas para uma só realidade? Não parece que seja possível juntá-las em uma só realidade. Isto porque ambas vivem em universos diferentes e inconciliáveis embora elas se realizem na prática conjuntamente. Tudo isso está bem determinado nos fundamentos do objetivismo de Ayn Rand.

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ITINERÁRIO DA MENTE PARA DEUS

   Itinerário da Mente para Deus, ou quais passos devemos dar para que possamos unir fé e razão em Deus, seguindo os seus caminhos. São Boaventura, cuja sabedoria é pura inspiração pelos anjos de Deus, compilou um opúsculo intitulado Itinerário da Mente para Deus, o caminho que o coração e a razão devem seguir, em Cristo, Jesus Crucificado, para que se alcance o Reino de Deus Pai. São Boaventura divide esse itinerário em 7 etapas, necessárias para a salvação da alma. Assim como os sete caminhos para o interior proposta pela doutora da Igreja Santa Teresa D’Avila, o doutor da Igreja São Boaventura de Bagnoregio nos ensina através da proposição do itinerário que aquele que deu sua ávida por nós, o Jesus Crucificado, nos aguarda ansiosamente porque ele sabe que o filho pródigo sempre retorna a sua casa, mas não antes de provar que é digno da morada de frequentar a casa de Deus Pai Celestial. 

     São Boaventura nasceu na Itália e logo que entrou para a Ordem Franciscana demonstrou o seu talento dado por Deus para a contemplação e para as letras. Viveu a mesma época que o bem-aventurado São Francisco de Assis do qual extraiu a apreciação da pobreza e humildade máximas. Entretanto, a Igreja o escolheu para ser um Santo doutor e cabia a São Boaventura, cujo nome de batismo era Giovanni di Fidanza, tornando-se assim um importantíssimo teólogo e filósofo escolástico medieval do século XIII. 

   No seu pequeno livro, de grande dimensão espiritual, contém tão profundos ensinamentos para quem deseja ter a mente e o coração voltados para Deus é propõe o itinerário para se chegar até a Sagrada Jerusalém, ou seja, o paraíso. Como doutor da Igreja São Boaventura era um homem voltado para a arte de contemplar sobre as coisas temporais e celestiais e buscava uma compreensão, a partir da sua sabedoria lhe dada por Deus, entre aquilo que levava a Deus através da percepção do mundo temporal permitidos pelos sentidos.  

   Na primeira etapa do itinerário, composto por sete etapas, “A elevação a Deus por meio do universo” São Boaventura mostra que o itinerário da mente em Deus não nega o intelecto humano desenvolvido através da observação da natureza, pelo contrário intenta compreender as coisas de Deus através dos sentidos é uma condição necessária para abrir o coração sábio para Deus. “O universo é a escada pela qual acendemos ao Criador”, afirma é ensina o sábio homem de Deus São Boaventura. Então, se o universo é a escada para se chegar a Deus, não devemos conhecer a escada que nos conduz ao Deus Pai Celestial? São Boaventura nos diz que sim. Primeiro devemos ver Deus com humildade e aceitá-lo de todo o nosso coração, mas sendo Deus todo sabedoria e ciência, pois ele é o criador desta, não quereria seus filhos na nuvem da ignorância. Antes, elevar o coração a Deus, depois a mente domada e servil pela fé ao criador. “Para chegarmos à consideração do primeiro Princípio essencialmente espiritual, eterno e acima de nós, é necessário passarmos pelo vestígio, que é material, temporal e exterior. Isto significa pôrmo-nos na via de Deus. É necessário que entremos em nossa mente, que é a imagem eviterna de Deus, e é espiritual e está em nosso interior. E isto significa “caminhar na verdade de Deus”. É necessário, enfim, que nos elevemos até o ser eterno, espiritualíssimo e transcendente, fixando o olhar no primeiro Princípio. Isto significa regozijarmo-nos no conhecimento de Deus e no respeito à sua majestade”

“Portanto, aquele que deseja elevar-se a Deus deve evitar o pecado que desfigura a natureza e deve aplicar as faculdades naturais, acima mencionadas, para adquirir pela oração a graça que reforma, por uma vida santa a justiça que purifica, pela meditação a ciência que ilumina, pela contemplação a sabedoria que aperfeiçoa”

“Quando a inteligência considera o mundo com os olhos da fé, descobre-lhe então a origem, o curso e o termo. Com efeito, a fé nos revela que o mundo teve uma origem pelo Verbo da vida. Revela-nos também que no curso do mundo três leis se sucederam: a lei da natureza, a lei escrita e a lei da graça. Nos diz, enfim, que este mundo terá término com o juízo universal. A inteligência reconhece, destarte, na origem do mundo o poder, no seu curso a providência e no término a justiça do primeiro”

“Cego é, por conseguinte, quem não é iluminado por tantos e tão vivos resplendores espalhados na criação, E surdo quem não acorda por tão fortes vozes. E mudo quem em presença de tantas maravilhas não louva o Senhor. E insensato, enfim, quem com tantos e tão luminosos sinais não reconhece o primeiro Princípio”

   No degrau II, A contemplação de Deus nos seus vestígios impressos no mundo sensível, São Boaventura nos ensina que devemos contemplar a criação, o mundo sensível, o mundo das coisas, que nada mais é que contemplar a natureza e suas leis naturais. Se ignoramos aquilo que Deus criou para a nossa sobrevivência estamos de certa forma ignorando o próprio Deus, pois qual filho e filha não ficam felizes com a casa que o pai lhe dar e ver nesse ato o amor do pai para com os filhos? Com efeito, as coisa de Deus não são deste mundo, mas as coisas a que Nosso Senhor Jesus Cristo se refere são as do Espírito, porém ninguém irá ao Pai se não for por Cristo, Jesus, ou seja, disse  Cristo ninguém conhecerá o Reino de Deus se não nascer novamente, nascer em matéria e nela emancipar o espírito. 

“No espelho do mundo sensível podemos considerar a Deus de dois modos: ou elevando-nos a Ele por meio dos seres que compõem o universo e que são como que vestígios do Criador, ou contemplando-o existente nos mesmos seres pela sua essência, pela sua potência e pela sua presença. Esta segunda contemplação é superior à primeira. Ela ocupa, pois, o segundo lugar e forma o segundo degrau de ascensão que nos conduz à visão de Deus em cada criatura que entra em nossa alma pelos sentidos corporais.”

“O homem, que é um “pequeno mundo”, tem cinco sentidos que são como as portas, por meio das quais o conhecimento das realidades sensíveis entra em sua alma.”

“Ora, as criaturas do mundo visível são os sinais “das perfeições invisíveis de Deus” [Rm 1,20], seja porque Deus é a causa, seu exemplar e seu fim (pois todo efeito é sinal de sua causa, toda cópia é sinal de seu exemplar e todo meio é sinal do fim ao qual conduz), seja por meio de sua própria representação, seja como figura profética, seja pelo ministério dos anjos, seja por uma instituição divina.”

   O terceiro degrau é o que nos leva A contemplação de Deus por meio de sua imagem impressa nas potências da alma. Aqui São Boaventura nos fala da consagração à Santíssima Trindade através de três atividades que fortalecem a alma para se chegar a Deus. A primeira é a atividade da memória que segundo São Boaventura consiste em reter e representar não só as coisas presentes, corpóreas e temporais, mas também as contingentes, simples e sempiternas. A segunda, a atividade da inteligência, que consiste, nas palavras de São Boaventura, em compreender os termos, as proposições e as proposições. Com efeito, na atividade do intelecto que compreendemos aquilo que sentimos no coração.  Deus está nos corações humildes, porém sentir a Vossa sabedoria não é compreendê-la. Para isso é necessário que a mente compreenda a sabedoria que jorra de Deus e que nos envolve com o sagrado. Por isso é preciso cultivar uma mente que medita e contempla com clareza os ensinamentos das Sagradas Escrituras. Por fim, a terceira atividade é  a vontade, que segundo São Boaventura, funda-se na deliberação, juízo e no desejo. Está aí o processo de julgamento pelo qual retiramos o juízo de valor sobre nossos atos. Julgamos as nossas ações em função aos ensinamentos Sagrados do qual buscamos a salvação da nossa alma. 

“Vê, pois, como a alma está próxima de Deus. Vê como a memória nos conduz à eternidade, a inteligência à verdade, a vontade à sua bondade soberana, de acordo com as suas respectivas operações.”

“Nesta contemplação da Santíssima Trindade a alma, mediante as suas três faculdades que a tornam imagem de Deus, é ajudada pelas luzes das ciências, que a aperfeiçoam, a informam e representam a Santíssima Trindade de três maneiras.”

    No quarto degrau, São Boaventura, vai nos falar sobre A alma renovada pelos dons da Graça. Este itinerário conduz-nos à Sagrada Escritura. Nela seguimos na direção das Santas Palavras para o alcance da paz eterna. Seus pontos chaves são as virtudes do amor ou seja Fé, caridade e esperança. Fé que nos fortalece diante do criador e que nos vacina contra o mal deste mundo; caridade que é a essência pura da Sagrada Escritura e a esperança que nos coloca firme de um único propósito, que é servir a Deus. Nisso, ensina São Boaventura, consiste os dons da Graça. Uma entrega total à Santíssima Trindade que através da Sagrada Escritura nos coloca diante do portal da Jerusalém Celeste como prevê as palavras de São Boaventura. O caminho, destarte, não é fácil. Porque estando Deus tão perto conforme lições aprendidas nos degraus anteriores nos mantemos tão distante de Deus. São Boaventura responde que a razão, porém, é fácil de se compreender. A alma humana, distraída pelas preocupações da vida, não entra em si mesma pela memória. Obscurecida pelos fantasmas da imaginação, não se recolhe em si mesma por meio da inteligência. Seduzida pelas paixões, não volta mais a si mesma pelo desejo da doçura interior e da alegria espiritual. Assim, toda imersa nas coisas sensíveis, torna-se impotente para encontrar em si mesma a imagem de Deus

“Uma vez que encheu nossa alma com todas essas luzes intelectuais, a sabedoria divina habita-a como a casa de Deus. Ela se torna filha de Deus, esposa e amiga; torna-se membro, irmã e co-herdeira de Cristo, sua cabeça. Torna-se, enfim, templo do Espírito Santo — templo fundado pela fé, levantado pela esperança e consagrado a Deus pela santidade da alma e do corpo.”

   No degrau V São Boaventura vai falar da contemplação da unidade divina no seu nome principal: o ser. Deus É. Uma afirmação imperativa “Eu sou”. Deus é aquele que não tem princípio nem fim, é o tudo e o nada, e o Alfa é Ômega. Deus é o eterno. Com essa concepção da eternidade e que Deus é a própria nós somos a humilde parte da sua criação. Deus o Incriado, existiu sempre e assim como tudo Nele é infinito, também o é a sua Bondade, infinita, que na Sua infinito amor e misericórdia perdoa os nossos pecados, errantes filhos ingratos que somos. Mas tão infinita é  a sua bondade que mandou o seu Filho Unigênito para sofrer por nós e nos salvar do pecado. 

“Quem, pois, deseja contemplar as perfeições invisíveis de Deus referentes à unidade de sua essência, fixe primeiro sua atenção sobre o Ser mesmo. Verá que o Ser mesmo comporta em si tal absoluta certeza, que é impossível concebê-lo como não existente.”

“Com efeito, se Deus é o ser por excelência, é absolutamente primeiro. Por ser absolutamente primeiro, não foi feito por outro nem muito menos por si mesmo. E, pois, eterno. Se é primeiro e eterno, por isso mesmo exclui toda composição. Portanto, é simplicíssimo. Por ser primeiro, eterno e simplicíssimo, por isso mesmo não há nele mistura alguma de ato e de potência. E, por conseguinte, atualíssimo. Por ser primeiro, eterno, simplicíssimo e atualíssimo, é, por isso, perfeitíssimo: nada lhe falta e nada lhe pode ser acrescentado. Por ser primeiro, eterno, simplicíssimo, atualíssimo e perfeitíssimo, é soberanamente uno.”

   No sexto degraus, São Boaventura ensina a contemplar o bem pela Santíssima Trindade, através do qual devemos elevar o olhar da nossa inteligência à beatíssima Trindade. Deus, nas palavras de São Boaventura, o Sumo Bem, que está sobre nós repleto do seu infinito amor e bem-querer. Bebamos desse Bem que é o nosso Pai eterno e misericordioso. Em sua infinita bondade nos alimentou com a carne do seu Filho Bem-aventurado para matar a nossa fome pela justiça dívida, que nos deu o cálice do seu sangue para saciarmos a sede de amor pelo Pai.

“A perfeita comunicabilidade do Sumo Bem far-nos-á compreender que é necessário existir a Trindade do Pai, Filho e Espírito Santo. Podes ver que, nestas pessoas, a suma bondade exige uma suma comunicabilidade; e a suma comunicabilidade, a suma consubstancialidade; e a suma consubstancialidade, a suma semelhança; e delas todas surge a suma coigualdade, e devido a ela a coeternidade.”

   Por fim, chega se ao último degrau, onde São Boaventura nos mostra como alcançar o êxtase mental e místico no qual a inteligência encontra o repouso e o afeto, pelo êxtase, o passa totalmente a Deus. Feliz aquele que fez o itinerário para Deus. Cultivou a mente perfeita para contemplar a Luz divina, o coração firme na fé e avançou como o bravo que venceu o mal e que agora tem Deus como o seu poderoso escudo e a espada do Nosso Senhor Jesus Cristo à sua frente. Deus seja louvado, Amém. 

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ANATOMIA DO ESTADO

   O que é o Estado? O que ele não é? Estas são perguntas que Murray H. Rothbard acredita que exista apenas uma resposta: O Estado é uma organização que não serve para nada, a não ser tirar a liberdade do indivíduo. É esta a resposta que encontraremos em seu livro Anatomia do Estado. O autor explica que o Estado é “aquela organização social que tenta manter o monopólio do uso da força e violência em determinada área; mas especificamente é a única organização da sociedade que não arrecada por meio de contribuição ou pagamento voluntário e, sim por meio de coerção”. De acordo a esta asserção o Estado utiliza-se da força coercitiva contra o povo, monopolizando-o e extorquindo-o.

   Deste modo, o autor esclarece que o Estado, legalmente protegido pela lei que ele próprio cria para a sua autoproteção, atribui a si o direito de espoliar o indivíduo e a sua propriedade. Isto não é um fato novo. Em 1546 o jovem filósofo francês Étienne La Boécie (1530-1563) fez uma crítica à espoliação legal em sua grandiosa obra Discurso da Servidão Voluntária. Traduzindo ambas ideias para os nossos dias, significa dizer que o Estado monopoliza o uso da lei para obrigar o indivíduo entregar, na forma de impostos, parte do que ele produz e, desta maneira, torna-se dono da propriedade alheia. O livro “Anatomia do Estado”, neste sentido, é uma manifestação fiel dos males do Estado interventor e, assim, caracteriza-se como uma forte crítica ao gigantismo estatal. Com efeito, o autor vai mais longe e afirma que o Estado não é necessário para uma sociedade livre e feliz.

   Adentrando nesta obra, fica evidente que o sistema de “produção e troca” (em que a troca é sustentada por um sistema de moeda) no curso do livre mercado, é único meio que o indivíduo tem para produzir riquezas. Para Rothbard, este é uma forma natural de se produzir riqueza sem coerção conhecida como “meios econômicos” e que se contrapõe aos “meios políticos” de se obter riqueza, este último utilizado pelo Estado espoliador (aqui ele se refere ao sistema de pensamento de Franz Oppenheimer). Rothbard argumenta que: “O Estado é o canal legal, ordeiro e sistemático para a predação da propriedade privada; ele transforma a tábua de salvação da casta parasitária da sociedade em algo certo, seguro e pacifico”. Para o autor o Estado nunca foi criado por um “contrato social; ele sempre nasceu da conquista e da exploração”.

   Sobre o mal que o Estado traz à sociedade, Rothbard explica que o Estado para manter o seu domínio precisa contar com o apoio do povo e estratagemas para manter o poder e os privilégios. Um desses estratagemas é o aumento do Estado através de um funcionalismo agigantado e um sistema burocrático que sustente este funcionalismo. Porém isso não é o suficiente, alerta Rothbard. É preciso dominar a mente das massas, faze-las pensar de acordo os interesses do Estado. É aí que entram as ideologias. Somente através dela é que o Estado manterá o controle dos indivíduos. 

   Neste sentido, Rothbard explica que é necessário a figura do intelectual. Este, a serviço do Estado, tem a missão de incutir na cabeça das massas a ideologia do governo e em troca de erários e prestígio prestam o serviço (ou desserviço) de criar ideias que sejam favoráveis aos interesses do Estado, facilmente absorvidas pelas massas. São eles, os intelectuais, que vão ajudar o governo a criar novas necessidades para o povo, novas dificuldades, gerar conflitos programados. É neste cenário que o Estado aparece como o benfeitor. Rothbard esclarece que “promover uma ideologia entre o povo é função fundamental dos intelectuais, porque as massas não geram as suas próprias ideias e nem refletem sobre tais ideias independentemente; elas seguem passivamente as ideias adotadas e disseminadas pelo corpo de intelectuais” e, portanto, conclui o autor, “os intelectuais são os formadores de opiniões da sociedade”. Em outras palavras, o Estado cria a doença para depois entrar com a cura.

   Entretanto, o autor adverte que a maior ameaça ao Estado é a crítica intelectual independente. Como o Estado tem todas as prerrogativas a seu favor ele tenta desconstruir qualquer tentativa de intelectuais independentes de se colocarem contra os seus sistemas ideológicos. Qualquer ideia contrária a ela será tratada como teoria da conspiração, meios que o Estado encontrou para desacreditar qualquer um que a ele se oponha. Segundo Rothbard, há uma dupla imbatível a favor da propaganda ideológica estatal. Ele diz que “na era atual, mais secular, o direito divino do Estado foi substituído pela invocação de um novo deus: a ciência. O domínio estatal agora é considerado ultracientífico por ser planejado por especialista”. E a tecnocracia em voga.

   Entretanto, os estratagemas do Estado de coerção do indivíduo através da espoliação da sua propriedade e da privação da sua verdadeira liberdade, coloca o Estado contra a sua única fonte de sustento e existência, a saber, o capital privado. Com isto ele exauri o único meio que lhe permite levar adiante os seus planos, pois a fonte tende a secar. Sendo assim, por que o Estado submete os indivíduos a servidão, agindo como um explorador implacável daqueles que lhe são a única forma da sua subsistência? Rothbard esclarece que “Estado vive do confisco compulsório do capital privado e como a expansão dele, necessariamente envolve violações cada vez piores ao indivíduo e a iniciativa privada, podemos dizer que o Estado é profundamente e inerentemente anticapitalista”. Ou seja, podemos concluir desta expressão que quanto maior o Estado mais ele será uma força contrária ao capitalismo, ainda que desse se beneficie.

   Em suma, um povo servil e dependente entrega-se a um Estado grande e acolhedor, um grande provedor capaz de suprir até a incapacidade de lidar com os próprios problemas pessoais. Um Estado grande anda de braços abertos com a corrupção. Eis a fórmula para a queda de uma nação. Das reflexões extraídas desta obra, compreende-se a necessidade de criar o Estado mínimo. Rothbard prega a extinção total do Estado. A priori, não me parece uma ideia factível, dados a uma série de considerações inerentes a própria natureza humana e as necessidades para se viver em grupos grandes como em sociedades. Talvez, este mundo libertário, idealizado por Rothbard, seja possível se for aplicado a um grupo pequeno de indivíduos, mas muito improvável quando se trata de milhões de indivíduos vivendo e se relacionando em meios a conflitos de interesses. Neste mundo utópico, a auto regulação social não duraria muito e conduziria a nação ao caos anárquico. 

   Um Estado mínimo e pouquíssimo interventor no meu entendimento, a opção mais viável, conduzirá o indivíduo a felicidade, pois pressupõe-se que a sociedade se sustentará sobre a delicado equilíbrio entre liberdades e direitos sob os olhos de um Estado justo, para conduzir seus súditos dentro de um sistema de ordenamento justo.

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DIREITA E ESQUERDA

   O antagonismo político entre à direita e à esquerda nasceu no seio do antigo regime francês do século XVIII, quando a França estava para iniciar a revolução que iria transformar o mundo. Depois da Revolução Francesa a política e sua relação com o poder passou por profundas mudanças que até hoje ainda há reflexos dos seus dias. A Revolução Francesa dividiu o Ocidente em direita e esquerda e foi o palco para que décadas mais tarde o mundo conhecesse a Era dos Extremos, conforme observou Eric Hobsbawm. De lá para cá a política no Ocidente oscila entre essas mais confusas e ambíguas dicotomias. Atualmente há quem diga que isto é só história e que hoje a discussão entre direita e esquerda já está superada depois da queda do muro de Berlin e o fim da União Soviética. Segundo alguns estudiosos da atualidade, o pensamento marxista que fundamenta os dogmas esquerdistas é coisa do passado e de professores marxistas frustrados. Ledo engano. Não precisa ser doutor em ciências políticas para perceber que o célebre antagonismo entre direita e esquerda não só está presente como ganhou várias vertentes. O célebre debate entre Thomas Paine e Edmund Burke na época da Revolução Francesa ecoa até hoje com a força de um trovão. O renomado político, filósofo e historiador Norberto Bobbio compreendeu muito bem isso e em 1994 escreveu Direita e Esquerda – razão e significado de uma distinção política

   Esta distinção vai além da política e sempre fez parte da história da humanidade laica e religiosa. Na criação a direita pode ser representada por Abel e a esquerda por Caim dado a natureza dos dois. Alguns estarão à direita de Deus e outros à esquerda, assim ensina os livros bíblicos. Porém, pelo menos na maior parte da história da humanidade, religião e política nunca foram partes indissociáveis. Na Anatomia humana, há os destros e os canhotos. Ensina a sabedoria oriental que tudo que existe no mundo se divide em duas partes antagônicas, mas que se completam. O fato é que a antípoda direita e esquerda se encontra em todas as áreas da sociedade, das ciências e dos sistemas de governo. Neste sentido o mundo e a história terão sempre dois lados antagônicos. Entretanto, não há dúvidas que a batalha direita e esquerda inicia-se ou pelo menos ganha um forte sentido político no ocidente, a partir da revolução francesa. Daí em diante muitos pensadores ocidentais passaram a discutir os dois lados das moedas com correntes de ideias em defesa de um lado e de outro culminando em grandes debates ideológicos. 

   Estas correntes de pensamento diluem-se entre o povo confundindo-os, sem que se cheguei a um consenso e sem mesmo forma um senso comum sobre o que é ser de direita e ser de esquerda. No Brasil a coisa ganha ares de estranheza que beira ao misticismo. Aqui, muito pior que no resto do mundo, a dicotomia esquerda direita é confusa, a começar pelo grande número de partidos que só complica o espectro político. É um tal de direita, extrema direita, centro direita, extrema esquerda, esquerda e centro esquerda e como já não fosse suficiente a confusão, agora falamos de um tal de centrão, estabelecendo várias vertentes para tentar situar o complicado sistema de partidos do Brasil. Porém, a noção dicotômica perdeu nos últimos 30 anos para a ideia que no Brasil não existe mais o debate entre direita e esquerda. A turma do “paz e amor” insistia em afirmar que a política todos tinham um pensamento  único. 

   No âmbito político qual é significado desta distinção? Quais as razões que levam a sua bipolarização e antagonismo. Num mundo politicamente tal como o que hoje vivenciamos, mister se faz que exploremos a díade esquerda direita não como uma defesa ideológica, mas pela busca da compressão deste significados e razões. Bobbio busca um critério para estabelecer uma distinção entre essas duas noções. Bobbio argumenta que apesar das transformações pelas quais o mundo passou a distinção esquerda e direita ainda está presente no debate político atual e tem certamente a sua práxis, mas que agora ganha novas direções. Assim ele escreve que “agora, não se trata mais de comprovar sua legitimidade, mas de examinar os critérios propostos para a sua legitimação”.  Veja, Bobbio, ainda busca um entendimento para a legitimação deste embate. Para isso, ele analisa os vários critérios que criam as distinções sobre estas díades políticas. Bobbio examina o pensamento de Laponce para concluir que no sistema proposto por este, o sistema horizontal e vertical, sendo o segundo aquele que se refere a díade direita-esquerda, representa por assim dizer uma discussão que ainda não revela o caráter da distinção. Por exemplo, Bobbio analisa o sistema eleitoral e conclui que este não representa esta díade como um instrumento da democracia. Mas assevera que embora este processo ao final representa uma escolha entre dois lados, é discutível, e assim ainda não há um critério que estabeleça a distinção e a sua permanência nos dias atuais. 

   Entretanto, Bobbio afirma que esquerda e direita ainda estão vivas nas suas vertentes ideológicas. Isto é naturalmente visto na sua forma da direita formada pelo fascismo e o tradicionalismo, entendida por ele como romântica, e o conservadorismo. No hemisfério de esquerda encontra-se a ideologia romântica e as suas vertentes: o anarcocapitalismo, o socialismo científico e o liberalismo se situa nos dois hemisférios conforme contexto, explica Bobbio.

   A maior de todas as distinções que existem entre a direita e a esquerda política-ideológica é o entendimento que ambas tem da noção de igualdade. Para os esquerdista a direita é movida pela falta de sensibilidade frente às dificuldades dos menos esclarecidos e afortunados, portanto para ela se aplica a máxima “a cada um segundo as suas posses”. Por outro lado, a direita acusa a esquerda de criar a verdadeira desigualdade quando aplica a máxima marxista “a cada um conforme as suas necessidades”. A direita acha que é impossível uma sociedade totalmente igualitária, enquanto a esquerda acredita que somente criando as condições para a equidade é que se fará justiça. Bobbio esclarece que sendo o conceito de igualdade algo relativo, não absoluto, é preciso dizer igualdade para quem, em relação à que é com base em que critérios.  Bobbio sustenta que é preciso separar a doutrina igualitária do igualitarismo. A primeira prega que todos têm direitos de acordo com as suas necessidades de uma vida justa, a segunda que a igualdade é para todos em tudo. Para Bobbio decorre que “quando se atribui à esquerda uma maior sensibilidade para diminuir as desigualdades não se deseja dizer que ela pretende eliminar todas as desigualdades ou que a direita pretende conservá-las todas, mas no máximo que a primeira é mais igualitária e a segunda é mais inigualitaria”. Um direitista acredita que há situações que não podem ser melhoradas e que algumas pessoas são desafortunadas e estão entregues à própria sorte. No máximo o que se pode fazer é aliviar-lhe o sofrimento. Já os esquerdista acreditam que é  responsabilidade do Estado prover as condições necessárias para que o desafortunado deixe de sê-lo. A distinção aí é clara e Bobbio argumenta: “O igualitário parte da convicção de que a maior parte das desigualdades que o indignam, e que gostaria de fazer desaparecer, são sociais e, enquanto tal, elimináveis; o inigualitário, ao contrário, parte da convicção oposta, de que as desigualdades são naturais e, enquanto tal, inelimináveis” continuando, Bobbio escreve “manifesta-se neste novo contraste o chamado “artificialismo”, que é considerado uma das características da esquerda. A direita está mais disposta a aceitar aquilo que é natural e aquilo que é a segunda natureza, ou seja, o habitual, a tradição, a força do passado”. A concepção esquerdista diverge da direitista porque foi Rousseau que plantou esta ideia no seu “Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens” pois neste tratado considera Rousseau que o homem nasce igual e bom mas é  a sociedade que o torna desigual e desta maneira ele é  uma vítima da sociedade. O direitista considera que o indivíduo é o juízo responsável pelo seu infortúnio, exceto quando a má sorte é causada pela natureza.

   Uma outra distinção que recai pesadamente sobre a dicotomia direita e esquerda é  aquela que fala do direito à liberdade. Para um direitista a liberdade é o bem mais importante da vida do indivíduo mas há freios para ela. Neste sentido a liberdade de uma pessoa está diretamente limitada à liberdade do outro, isto porque para o espírito de direita a ordem e a disciplina são fatores fundamentais para que se aplique a liberdade de forma justa. Porém, embora os esquerdistas também aceitem a ideia de limites, para eles o limite é muito flexível. Tudo vai depender das circunstâncias. Um exemplo clássico é a questão do aborto. Para a direita o aborto é um assassinato porque mata uma vida ainda em gestação. Para a esquerda a mulher tem o direito de fazer o que quiser com o corpo dela e portanto pode eliminar o feto indesejável sem culpas. Destarte, ensina Bobbio que além do mais, somente a resposta a todas estas questões permite que se compreenda por que existem situações em que a liberdade (mas qual liberdade?) e a igualdade (mas qual igualdade?) são compatíveis e complementares na projeção da boa sociedade, e outras situações em que são incompatíveis e se excluem reciprocamente, e outras ainda em que é possível e recomendável uma equilibrada combinação de uma com a outra. Bobbio ver uma linha tênue que separa as duas noções e explicamas a experiência histórica e a experiência cotidiana nos ensinam que “ordem” e “liberdade” são dois bens em contraste entre si, tanto que uma boa convivência somente pode ser fundada sobre um compromisso entre um e outro, de modo a evitar o limite extremo ou do Estado totalitário ou da anarquia“.

   Para finalizar esta breve resenha de maneira dar ao estudo uma cobertura ampla sobre as duas posições políticas vamos discorrer um pouco sobre um outro valor de igual importância na dicotomia direita e esquerda. Não é por acaso que tratamos basicamente das distinções que tiveram origem na Revolução Francesa de 1789, ou seja, revolvemos a igualdade e a liberdade da tríade liberté, egalité e fraternité. Se há um problema que existe na vida dos esquerdista em graus variados é a questão da autoridade. Para o direitista autoridade é fundamental para se estabelecer a ordem e a disciplina. Suas mentes são voltadas para a hierarquia e acreditam que o comando é sempre de cima para baixo. Em contrapartida, para o esquerdista a hierarquia é um elemento altamente dispensável na boa relação de comando. Aliás, eles defendem que neste quesito o comando é horizontal, ou seja todos estão no mesmo nível. Fica claro o imenso abismo que há entre as visões de mundo entre as pessoas que se posicionam no lado direito e as visões de mundo dos que se posicionam do lado esquerdo do espectro político-social. A impressão que se tem é que existem dois mundos coexistindo o mesmo espaço físico mas que percebido de maneira diferente por cada lado.

   Enfim, este é um debate inesgotável e assim como perdura desde o início do mundo e está em toda matéria conhecida e em toda natureza humana, a distinção deve continuar enquanto houver pessoas com autoconsciência e capacidade de interpretar a realidade de acordo com as suas convicções. Note que o conflito só existe na esfera humana, nas forças naturais como na elétrica, por exemplo os critérios são claros e matemáticos, portanto as forças antagônicas se completam. De fato, nada aprendemos com a natureza.

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LIBERALISMO

   Uma das grandes obras de Ludwig Von Mises, o livro “Liberalismo”, inscrito em 1927, é um complemento à sua obra anterior sobre o socialismo intitulada “O cálculo econômico sob o socialismo” que segundo alguns, ao mostrar como o liberalismo funciona, é uma resposta de Mises às teorias do socialismo que, na prática, nenhum teórico foi capaz de dizer como o socialismo realmente funciona. De fato, esta é uma questão que deve ser repensada pois, até mesmo nos dias de hoje, nenhum defensor do socialismo descreve de fato como seria uma sociedade estruturada em sua totalidade pelo socialismo, com os seus vários aspectos sociais a considerar, com toda a sua complexidade e com o dever de atender, sobretudo, os anseios da das pessoas e suas necessidades, que são no fundo individualista por natureza e egoísta por princípio, envolta por um turbilhão de conflitos, cujo o único objetivo é primeiro a realização pessoal. No preâmbulo, tão bem escrito por Louis M. Sadaro para esta edição lista algumas críticas feitas por aqueles que acreditam que, observou Mises, “os inimigos do liberalismo o rotularam como a ideologia que defende os interesses especiais dos capitalistas“. Vejamos algumas para contextualizar: 

“O Liberalismo sofre de uma fixação do desejo de aumento da produção e bem-estar material e, persistentemente, despreza as necessidades espirituais do homem.” 

“Não há como negar que o capitalismo é, em essência, um sistema estruturado para favorecer gente rica e de posses, à custa das outras classes.” 

“Por sua própria natureza, a economia de mercado competitivo, na melhor das hipóteses, não conspirará contra a paz internacional, e, na pior das hipóteses, não promoverá, de fato, as guerras?” 

“Que defesa poderá haver de um sistema socioeconômico que produz tão grandes desigualdades de renda e consumo?” 

   Estas são algumas entre várias críticas feitas pelos opositores do liberalismo. Entretanto, todas elas não resistem ao escrutínio. É evidente que além das análises das ideias do liberalismo econômico, Mises discorre também no campo da filosofia e da história para mostrar que o liberalismo é mais que teorias econômicas, e procura nesta obra cobrir uma lacuna que o pensamento liberal moderno deixava na doutrina: a de quê diferente do socialismo e dos seus defensores que nunca foram capazes de explicar o socialismo na prática, o liberalismo é uma doutrina cujos objetivos e prática estão evidentes em si mesmo. Mises propõe também nesta obra, não só teorizar mas demonstrar que o liberalismo, em todas as suas dimensões, econômicas, sociais e políticas é mais que um conjunto de teorias econômicas. Desta forma Mises demonstra que o liberalismo contribui para a paz mundial e a felicidade do indivíduo. Neste contexto, a obra Liberalismo ganha um relevo importante na literatura teórica e prática das idéias liberais e faz desta a precursora de novas correntes sobre o pensamento liberal. 

   A política econômica liberal é por definição de Mises um sistema que pretende produzir e organizar a riqueza através da propriedade privada dos meios de produção através da auto-regulação cujo maior objetivo é progresso material do indivíduo. Segundo Mises dos cinco sistemas de organização da economia para a cooperação entre indivíduos, o capitalismo é o mais eficiente e o único que tende a acertar. Dos quatro restantes, a saber, o sistema sindicalista, o socialista ou comunista, o sistema intervencionista, apenas este último é um Frankenstein formado por parte do sistema liberal ou capitalista e parte socialista, para Mises uma alternativa tão fracassada quanto a opção socialista não há. O sistema de propriedade privada dos meios de produção, que segundo Mises, em seu estágio mais avançado é o capitalismo, é o fundamento de qualquer civilização. A despeito do que sustentam os progressistas de que a propriedade privada é a causa de os ricos serem mais ricos e os pobres mais pobres, Mises sustenta que “Todo trabalhador precisa exercitar-se ao máximo, uma vez que seus salários são determinados pelo produto de seu trabalho, e todo empresário precisa esforçar-se para produzir a custos menores, isto é, com dispêndio de capital e trabalho menor do que o de seus concorrentes”. Ora, nesta expressão que sintetiza a relação de igualdade entre patrão e empregado no tocante aos objetivos a serem atingidos, está definida toda a engrenagem que movimenta a economia e gera riqueza.

   Entretanto esta relação não existe na sociedade capitalista. Para Mises ” Numa sociedade socialista, todo indivíduo pensa que depende menos da eficiência de seu próprio trabalho, uma vez que lhe é atribuída, de qualquer modo, uma quantidade fixa do produto total, e essa quantidade não pode ser diminuída, de maneira considerável, pela perda resultante da indolência de qualquer dos homens. Se, como é de se esperar, esta convicção se tornar generalizada, a produtividade do trabalho cairia, consideravelmente, numa sociedade socialista”. Isto porque, Mises explica, o cálculo de produção por trabalhador não é possível numa sociedade socialista e desta forma conclui que “o que torna impraticável o socialismo é, precisamente, o fato de que é impossível o cálculo desse tipo, numa sociedade socialista”. Até aqui o sistema econômico socialista fracassa se comparado ao capitalismo. 

 Seria então o intervencionismo a solução opositora ao capitalismo? Mises explica que não. Sendo o intervencionismo, conforme definição de Mises, uma terceira saída para o fracassado sistema socialista, “uma forma de sociedade que ficasse a meio caminho entre a sociedade privada dos meio a de produção de um lado, e a propriedade comunal dos meios de produção, de outro”, a existência da propriedade privada só se dará através de instrumentos regulatórios, dirigidos e controlados por decreto. Deste modo passa-se a impressão de um mercado regulado que segundo Mises “de um capitalismo circunscrito por regras autoritárias de propriedade privada, podadas de suas características acessórias, alegadamente danosa, pela intervenção das autoridades” que torna – se uma política sem sentido, auto anuladora e absurda. Mises sustenta que “toda a política e todo o programa do liberalismo destina – se aos serviços de manutenção do estado de cooperação mútua entre os membros da raça humana, estendendo-a mesmo além”, bem como afirma que o liberalismo tem como ideal a perfeita cooperação de toda a humanidade, pois, para ele, o fim último é a paz, sendo esta uma condição para a paz mundial. 

   Na defesa do livre comércio, Mises defende que total liberdade comercial entre as nações. Aqui ele discorre sobre a importância da mobilidade do capital e trabalho entre as nações. Nesta época o conceito de globalização não tinha a largura a profundidade de hoje, mas já deixava claro se houvesse restrições ao livre comércio entre os países o resultado seria a regressão ao nacionalismo, a reserva de mercado e ao protecionismo. Mises certamente ficaria maravilhado se hoje vivo ao observar que o consumidor no Brasil liga para um call center na Índia para saber sobre informações da sua encomenda empacotada nos EUA e fabricada na Alemanha. Este cenário real, representa bem o que Mises previa em suas teorias econômicas. Um mercado global pungente onde houvesse descentralização do trabalho através das barreiras culturais de linguagem e até mesmo ideológicas. Desta forma pode – se afirmar que a propriedade privada dos meios de produção ganha status globais. Veja o que diz Mises a esse respeito: “O ponto de partida de toda a filosofia política liberal é a convicção de que a divisão do trabalho é internacional e não, simplesmente, nacional”. 

   Na introdução desta obra, Mises examina vários aspectos do liberalismo que conduzirá o leitor às premissas para a compreensão da obra, dos quais destaco três. O primeiro deste aspecto diz respeito ao “Bem-estar material”. Mises sustenta que o liberalismo como uma doutrina voltada para conduta dos homens, trata apenas das coisas materiais da vida, ignorando as necessidades do homem no plano metafísico e espiritual. Mises reconhece nisto um erro da doutrina e afirma que ” o mais sério erro do liberalismo é que nada tem a oferecer às aspirações mais profundas e mais nobres do homem”. Mises acredita que o homem satisfeito com os aspectos materiais, tende a criar caminhos para a elevação interior: “O liberalismo não visa criar qualquer outra coisa, a não ser as precondições externas para o desenvolvimento da vida interior”. No segundo aspecto, aquele que trata do “Objetivo do liberalismo”, Mises explica que o liberalismo sempre trabalhou pelo bem geral e sustenta que o liberalismo foi o primeiro movimento político a almejar o bem-estar de todos. Ele assegura que: “O liberalismo se distingue do socialismo, que, de modo semelhante, declara lutar pelo bem de todos, não em razão do objetivo a que visa, mas pelos meios que escolheu para a consecução desse objetivo”. No terceiro e último aspecto, Mises discorre sobre “As raízes psicológicas do antiliberalismo”, cuja origem encontra-se no “complexo de Fourier”. Para Mises, este comportamento típico dos anticapitalistas, é uma “patologia mental” resultante do ressentimento criado pela incapacidade dos antiliberais de superar suas deficiências. Desta forma, diante do sucesso dos liberais capitalistas, eles não reconhecem a que são incompetentes em compreender a doutrina liberal, embora faça uso dela no seu cotidiano e por isso descarrega toda as suas frustrações através de verborragias socialistas culpando a tudo e a todos e  se fazendo de vítimas. Deste modo, Mises explica que a vida do anticapitalista seria insuportável sem o consolo do socialismo: “Ela [a doutrina socialista] lhe diz que não é ele [o anticapitalista], mas o mundo, que falhou por ter-lhe causado o fracasso. Esta convicção o resgata da decaída autoconfiança e o libera do tormentoso sentimento de inferioridade”. Assim, segundo Mises, o pensamento marxista está impregnado de fourierismo: “O marxismo é incapaz de construir um quadro de uma sociedade socialista, sem apresentar dois pressupostos anteriormente apresentados por Fourier que contradizem toda experiência e toda razão”. 

   No capítulo “Os fundamentos da política econômica liberal” Mises discute o que é liberalismo, suas características e qual a sua relação com o Estado, com a sociedade e com o indivíduo. Mostra os princípios sobre os quais foram construídas as doutrinas do liberalismo. Mises explica que “o liberalismo é uma doutrina voltada para o homem”, de maneira que se aplica a vida ao fundamentar a realização do homem e busca sua felicidade na liberdade e na propriedade. Ela é racional no sentido de prover o bem-estar, pois o verdadeiro objetivo do liberalismo é a paz e a felicidade do indivíduo, possível somente na ausência de um Estado interventor. Ora, o liberalismo não é a doutrina do fim do Estado, mas certamente é o caminho para a sua redução.  O Estado deve ter apenas o tamanho necessário e o suficiente para exercer as suas funções básicas que são defesa contra forças externas, manter a ordem interna e garantir os direitos e exigir os deveres do cidadão. O liberalismo não veio para extinguir o Estado, mais para reduzi-lo. 

   A Propriedade, a liberdade, a paz e a igualdade são, segundo Mises, os principais valores que fundamentam a política econômica liberal. Mises sustenta que toda civilização humana está alicerçada na divisão de trabalho e que graças a ela o homem se destacou na luta pela sobrevivência. A divisão de trabalho, baseada na cooperação humana, foi então a responsável pelo progresso da humanidade. Entretanto, a natureza dá ao homem a matéria bruta que necessita e este a transforma com a força do seu trabalho, agregando-lhe novos valores. A este processo os liberais chamam de “propriedade privada dos meios de produção”. Por isto, a propriedade privada representa o mais importante fator para o liberalismo econômico. A propriedade privada dos meios de produção não suporta excessivas regulamentações e intervenções e, como um pássaro que precisa voar para se sentir livre, é na liberdade que repousa o segundo fator importante do liberalismo. Curiosamente, Mises faz uma profunda reflexão sobre o papel da paz no liberalismo. A guerra não tem nenhum valor positivo para o pensamento liberal, mas a paz é um dos seus objetivos. Mises adverte que o homem tende a viver o máximo possível em cooperação social. Num cenário deste a guerra não pode ser uma doutrina do liberalismo pelo simples fato de que a paz traz vantagens, tanto para os fortes, quanto para os fracos. 

   Porém, quando se trata da igualdade, Mises faz rigorosas considerações sobre a crença que todos os membros da raça humana são iguais. Mises afirma: “Os homens são totalmente desiguais”. Esta é, sem dúvidas, uma afirmação que suscita muitos conflitos. Entretanto, Mises infere que esta desigualdade não se aplica a todos os aspectos da vida do indivíduo. “Todos os homens devem receber tratamento igual perante a Lei” é o que Mises acredita que este axioma leva a paz social. Cada indivíduo é dotado de certas habilidades que as distingue de outros indivíduos. Estas lhe dar um valor competitivo que lhe faz superar os demais em vários aspectos. Um indivíduo nesta condição deseja ter melhores reconhecimento pelo seu destaque em relação ao outro e espera como consequência rendimentos maiores. Neste aspecto não pode haver igualdade. 

   Em “Desigualdade de riqueza e de renda”, que é um tema tão debatido na sociedade tanto pela direita quanto pela esquerda, consiste na distribuição desigual de renda e riqueza, condenando os grupos de renda mais baixa a viver na pobreza, Mises ensina que “Os que defendem a igualdade de distribuição de renda desconsideram o ponto mais importante, a saber, que o total disponível para a distribuição, o produto anual do trabalho social, não é independente do modo pelo qual é dividido. O fato de que esse produto alcança seu nível atual não é um fenômeno natural ou tecnológico, independente de todas as condições sociais, mas é, em sua totalidade, o resultado de nossas instituições sociais” 

   Ainda neste tema, encontraremos uma sessão que é uma reflexão sobre o Estado e o governo. Nele o leitor encontrará uma das mais claras definições sobre o significado e papel do Estado. Mises assevera que “Chamamos de estado o aparelho social de compulsão e coerção que induz as pessoas a obedecerem às regras de vida em sociedade; chamamos de Lei as regras segundo as quais o estado age; e de governo, os órgãos encarregados da responsabilidade de administrar o aparelho coercitivo”. Continuando o tema Mises faz uma crítica ao pensamento que como uma falsa vertente do liberalismo dá origem aos libertários, apesar de que este último não concorda em muitos aspectos com o pensamento liberal clássico: os anarquistas. Segundo Mises, por compreender mal a natureza do homem, o anarquista acredita em certos “contos” que denotam a verdade sobre o homem e crê que o liberalismo é uma doutrina que tende a ser falsa em seus princípios. Na realidade há um grande equívoco por parte dos libertários, segundo Mises. Mises afirma que liberalismo não tem nenhuma relação de princípios com o anarquismo. O liberalismo acredita no Estado mínimo em que se prezam a propriedade, a paz e a liberdade, ao passo que o anarquismo defende a absoluta liberdade do indivíduo e coloca – se contra a qualquer sistema estabelecido que se coloque contra o interesse só indivíduo. Inclusive o anarquista defende a ideia de que o Estado é absolutamente desnecessário. 

   A questão do anarquismo tem uma relação direta com a democracia. A sociedade anarquista, não pode, por definição, ter a forma de governo democrático como um sistema aplicado na prática, dado que o anarquismo vai de encontro à liberdade, embora alegue que no seu objetivo seja tornar o indivíduo livre. Na realidade, Mises sustenta que o liberalismo não questiona a necessidade da existência do Estado e o seu tamanho e seu alcance, ao passo que o anarquista é totalmente contra a existência do Estado. Entretanto Mises estava ciente do imenso desafio que é governar sobre as asas da liberdade à luz da democracia. Mises sustentava que não é possível que todo o povo possa governar e legislar. Isto pela própria natureza do indivíduo ao buscar primeiro a sua satisfação pessoal, mas que o povo pode a partir de uma perspectiva democrática alcançar certo grau de governabilidade dentro dos princípios liberais. Quando esses interesses não são observados se cria a condição para diversos embates e resistências à ordem estabelecida podendo em muitos casos imperar a mais crua forma de anarquismo e com grandes possibilidades de levar um país a uma guerra civil. O uso dessa força é criticado por Mises no capítulo “A crítica da doutrina da força”. 

   Existe na filosofia da doutrina antidemocrática a expressão que diz, argumenta Mises, que somente os melhores podem governar e que o governo do povo, ou seja da maioria, não é viável. Entretanto, Mises alerta que a força é o único instrumento capaz de forçar uma legitimação do governo antidemocrático e que está força em algum provocará uma onda de resistência capaz de levar a uma guerra civil. Porém, Mises alerta: “Mas esse estado de coisas é incompatível com o estágio da divisão de trabalho por nós hoje alcançado. A sociedade moderna, baseada na divisão de trabalho, como de fato está, apenas se verá preservada sob uma paz duradoura” 

   Finalmente, Mises faz um interessante prognóstico sobre o liberalismo e nos chama à reflexão para os cuidados com os perigos do socialismo, mas também e principalmente, a transformação de uma doutrina de ciência para ideologias que apenas tendem a distorcer os verdadeiros objetivos do pensamento liberal. Nesta obra, ao final, o que se percebe, além do aguçado faro de Mises para dar musculatura a doutrina econômica liberal, há uma profunda preocupação com os caminhos que esta percorre e desta maneira Mises procura nos orientar a manter o correto curso na tentativa de evitar que o liberalismo se torne apenas mais uma ideologia que só funcione na teoria do mesmo jeito que ocorre com o socialismo. 

   Por tudo que aqui foi exposto, esta fantástica obra, tantas vezes reeditada, deixa um legado de pensamento políticos e econômicos que deve ser revisitado sempre para que fique entendido que o liberalismo não é apenas um conjunto de ideias que defende a propriedade privada, a liberdade individual e o livre comércio, mais uma filosofia de vida pautada na felicidade do indivíduo. Neste contexto, ela deixa de ser apenas uma questão econômica e passa a ser, de fato, um meio para a felicidade humana. Liberalismo é uma obra didática e ao mesmo tempo um livro de reflexões sobre os meios reais do indivíduo através da propriedade privada, alcançar a verdadeira felicidade. Todas estas teorias ao final demonstram que não é punhado de fórmulas matemáticas e algumas teorias que vão realizar o homem. Em toda a sua complexidade, o homem, compelido pela sua complexa natureza, sonha, imagina. Atitude deste tipo não pode ser atendida por uma economia coletivista, mas através da economia do indivíduo. 

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HISTÓRIA INTELECTUAL DO LIBERALISMO

   Segundo o Wikipédia, a história do liberalismo começa na Guerra Civil Inglesa (1642-1649). Sob a liderança do militar e político Oliver Cromwell (1599-1658), o Parlamento Britânico pôs fim no reinado de Carlos I, condenando-o à morte por traição. Neste mesmo período, o jovem inglês John Locke (1632-1704) construía as suas teses sobre a liberdade, a propriedade e os direitos naturais do homem. A sua filosofia política fundamentava-se no princípio de que o rei devia ter o consentimento do povo para governar e, ao fazê-lo, deveria proteger a liberdade e a propriedade do indivíduo. Portanto, germina em Locke os princípios do liberalismo, passando mais tarde a ser conhecido como o fundador desta doutrina. Esta foi uma breve introdução sobre a origem do pensamento liberal clássico. Um resumo do resumo, por assim dizer. Entretanto, a história do liberalismo, examinada nos seus mais ricos detalhes e profundidades, estaria longe de ser um retrato fiel aos seus valores se este exame não fosse um mergulho nas principais ideias, liberais ou não, daqueles que junto com Locke, aperfeiçoaram os princípios do liberalismo. A tradição do liberalismo dependeu não só das teorias políticas e filosóficas de Locke, mas também da contribuição de muitos outros pensadores. Assim nasce a história intelectual do liberalismo.

   Agora, convido o caro leitor a fazer imersão na história intelectual destes que consolidaram o liberalismo clássico. O livro “História Intelectual do Liberalismo”, de Pierre Manent, professor de filosofia política, é uma excelente opção. O livro pretende, em dez lições, introduzir o leitor na origem, na formação e na evolução do pensamento liberal a partir da investigação das obras dos autores clássicos. Na Europa do século XIII, envolvidas em sérios conflitos religiosos, em que a Igreja cristã, muitas vezes, tinha mais poder que o rei, havia uma grande questão que precisava ser resolvida. Manent chama esta questão de problema teológico-político. Depois da queda do Sacro Império Romano, quais formas políticas estavam à disposição dos homens? Indaga-se Manent. Se existisse a tal forma política, como ela resolveria o problema teológico-político? É através destas proposições que Manent conduzirá o leitor a história intelectual do liberalismo.

A improvável associação entre Maquiavel e a democracia

   A igreja é o grande problema. Segundo Manent, as primeiras manifestações contra os abusos da igreja nascem nas obras de florentinos como Dantes, Marcilio de Pádua e Boccacio. Ele explica que é desta Florença que surgirá aquele que será um dos mais ferrenhos opositores da Igreja, a saber, Nicolau Maquiavel (1469-1527). Manent argumenta que talvez o florentino Maquiavel fosse o único capaz de dar respostas para o problema teológico-político. Para Manent “este problema foi resolvido, não sei se resolvido, mas em todo o caso foi decidido, dois séculos mais tarde, também em Itália, por Maquiavel. […]Com, Maquiavel é a experiência moderna que descobre a expressão própria, ou antes, que encontra uma interpretação de si própria que vai decidir da orientação do espírito europeu e, portanto, da história da política europeia, até hoje”. Em princípio, a afirmação de Manent causa mal-estar, uma irritação moral. Entretanto, quando olhamos para a Europa medieval, carente de um pensamento político desvinculado da Igreja, faz todo sentido. Mas, ainda assim, por que começar com Maquiavel? Não seria um contrassenso associar “a fecundidade do mal”, termo que próprio autor utiliza para se referir a Maquiavel, às ideias liberais? Em princípio, não há nada de liberal em “O Príncipe”. Para Manent “simplesmente, segundo Maquiavel, o príncipe que souber apoiar-se no povo contra os grandes, sem confundir o seu interesse, ou o seu ponto de vista, com os do povo, terá a possibilidade de fundar uma ordem estável”

   Percebe-se nesta asserção algo da vontade popular sobre a vontade do soberano iniciado por Maquiavel. Manent observa que “desvalorizando radicalmente as pretensões dos grandes à virtude, e fazendo do povo o único suporte da honestidade que se pode encontrar na cidade, Maquiavel é o primeiro pensador democrático”. Com efeito, pode-se conjecturar que o Leviatã de Hobbes será construído sobre o príncipe de Maquiavel, ou seja, sobre sua filosofia política. “No encadeamento de ações e sentimentos, ou paixões, que Maquiavel descreve como um episódio dramático e instrutivo, Hobbes verá a própria lógica da ordem humana”.

Nasce o Leviatã

   Em “Hobbes e a nova arte política”, capítulo precedente, Manent mostra que Hobbes extrairá de Maquiavel o fundamento da sua política voltada para cidade e dará a esta a forma de Estado. Manent afirma que, desta forma, é o próprio povo e não a parte do corpo político que, na ausência do medo, parte inerente a doutrina de Maquiavel, tomará a iniciativa política. O povo, satisfeito e estúpido em Maquiavel, vai querer saber como se obtém esta satisfação em Hobbes, ou seja, o povo passará a ser inteligente. Para Manent a experiência da Guerra Civil Inglesa leva a entender que nem a natureza (indivíduos convivendo na ausência de uma ordem ou estado de natureza), nem a graça (que se encontram numa ordem, todavia ela é religiosa) podem reunir os indivíduos em torno de um estado de coisa que não seja mera opinião. Ele argumenta que somente a arte política manifesta-se como um real modelo nas associações e, esta arte política será dada por Hobbes.

   A guerra civil inglesa, o estado de natureza, o poder da igreja foram os elementos que forneceram subsídio a formação do Estado absolutista de Hobbes sendo que é no estado de natureza que Hobbes legaliza os seus argumentos e é sobre este estado de natureza que Manent sustenta que:

“O que acabo de tentar sugerir é a razão de ser do aparecimento do estado de natureza em Hobbes como noção-chave da reflexão política, que perdurará como tal durante mais de um século durante o período formador dos regimes liberais modernos: o estado de natureza é a condição dos homens antes de qualquer obediência à cidade ou a igreja, condição a partir da qual se pode reconstruir um corpo político invulnerável ao seu conflito. É certo que na doutrina de Hobbes essa noção não aparece como a hipótese a qual conduz o projeto de superar o conflito entre a política e a religião, mas como a realidade produzida pelo conflito real: A guerra de todos contra todos.”

Locke e os princípios do liberalismo

   A doutrina de Hobbes não é liberal, isto fica evidente ao examinarmos às suas ideias. Mas então, por que Manent o inclui entre os formadores do pensamento liberal, dado que toda a sua obra repousa sobre a formação do Estado e a organização política?  Manent esclarece que é pelo medo da morte em guerra o indivíduo aceita o Leviatã de Hobbes, enquanto é o medo da fome que fundamenta a doutrina de Locke. Em ambos o indivíduo, o hobbesiano e o lockeano, está presente o direito à conservação. No primeiro a busca pela segurança, no segundo pela proteção dos direitos 

   Para Locke, sustenta Manent, é a fome que ameaça a conservação do indivíduo e é sobre esta noção que Locke evoluirá os princípios do liberalismo, pois é a fome que o fará se apossar do que a natureza lhe oferece e é a fome que dará ao indivíduo a noção de posse e logo de propriedade. Através de uma analogia simples, Manent demonstra que o que o Locke acreditava é que a natureza oferece ao indivíduo o seu alimento e este torna-o sua propriedade, ou o seu primeiro bem, a sobra do alimento que não é consumida transforma-se em valor de troca entre os indivíduos e esta será a raiz da economia liberal. Então é o trabalho ou esforço em colher o fruto para sua alimentação que dará a noção entre trabalho e propriedade. Assim, segundo Manent explica, Locke estabelece duas proposições consideráveis: o direito de propriedade e a relação do indivíduo com a natureza, ou seja, o trabalho. Entretanto esclarece Manent, a posse do alimento como propriedade não é uma boa ideia e o próprio Locke transfere para a terra a noção de direito de propriedade, assim a terra e tudo que nela há estabelece as premissas para as teorias sobre o individualismo lockeano e, portanto, centrado no indivíduo nasce o conceito que hoje chamamos de liberalismo. Portanto, é o trabalho humano que dá as coisas o seu valor e não a natureza, sustenta Manent. “Desde que a propriedade, que entrou no mundo pelo trabalho, se tornou valor representado pela moeda, o direito do proprietário foi legitimamente destacado do direito do trabalhador”. Manent demonstra também como o Locke pensou numa solução para a resolver o problema Hobbesiano, a saber, a transferência de poder para o Estado. Manent explica que “A objeção de Locke é bem conhecida: transmitir todos os direitos a um soberano absoluto não é sair do estado de guerra, é agravá-lo”. O que fazer então? Indaga Manent. Ele explica que as leis que declaram particularmente o que é meu e o que é seu precisam que se imponha igualmente a todos e que ninguém dela esteja fora, nem mesmo o soberano, e mais, para que a lei não seja opressiva é necessário que cada um tenha contribuído para sua concepção e promulgação, por si ou através dos seus representantes, ou seja, conforme Manent “sair do estado de natureza ou entrar numa sociedade civil é essencialmente constituir uma assembleia legislativa”. O poder supremo deve exigir obediência e ele mesmo deve estar sob os escrutínios da lei para evitar abusos. Desta forma Manent diz que “só um corpo legislativo e soberano preenche essas duas condições”. Locke então cria a sua noção de poder executivo e legislativo, onde o segundo tem o poder representativo e deve monitorar o primeiro. Assim Locke foi o primeiro a formular a ideia de representação política. Manent conclui que “E uma vez que o liberalismo político repousa historicamente, e essencialmente, sobre ideias de representação, admitir-se-á que por certo que a tensão que evidenciei entre política e representação surgirá sempre necessariamente em qualquer tentativa de definição de uma política liberal”.

Conclusão 

   Desse estudo conclui-se que o liberalismo de ontem, o conhecido liberalismo clássico, continua sendo a base para as diversas direções que o liberalismo seguiu. Em todas elas a ideia germinal é a liberdade, pois é o valor mais almejado pelo homem sobre todos os outros valores. Neste sentido, Locke, que utilizou a propriedade como o valor mais importante para a suas ideias liberais, se valeu do que de fato é mais importante, ou seja a propriedade. Numa escala de valores dentro do liberalismo a propriedade pode se posicionar como a mais importante pois dela deriva todos outros valores pois, a propriedade pressupõe a vida, os bens a própria liberdade. Dessas acepções derivou-se às mil vertentes do liberalismo moderno. Por isso a leitura do livro A História Intelectual do Liberalismo é altamente recomendada.

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CAPITALISMO E LIBERDADE

   Capitalismo e Liberdade é um estudo sobre teorias econômicas que têm o capitalismo e a liberdade como a melhor forma de fazer o indivíduo prosperar. Escrito pelo economista norte-americano Milton Friedman, traz importantes reflexões sobre as causas e efeitos dos diversos arranjos econômicos numa sociedade capitalista e liberal. Além disso, a obra é uma vigorosa crítica à economia planificada dos governos socialistas. Assim, “Capitalismo e Liberdade” contém as principais ideias de Milton Friedman como possíveis propostas para solucionar os problemas econômicos da sua época. 

   Esta obra é fruto de uma série de palestras proferidas por Friedman em 1956 na conferência de Wabash College. Naquele evento, Friedman propunha reflexões sobre os caminhos da economia liberal e apontava os problemas causados pelo intervencionismo. Assim, esta obra tornou-se um dos marcos do pensamento econômico liberal contemporâneo. Entretanto, para a esquerda, Friedman estava apenas se colocando a serviço do imperialismo americano. 

   Destarte, ele dedicou esta obra a todos aqueles que “se sentiam profundamente preocupados com as ameaças à liberdade e à prosperidade impostas pelo crescimento do governo, pelo triunfo do estado de bem-estar social e pelas ideias keynesianas que constituíam pequena minoria sitiada, cujos representantes eram considerados excêntricos pela grande maioria de nossos colegas intelectuais”. Deste modo, ele chama à atenção sobre uma política econômica baseada no livre mercado e no fortalecimento do empreendimento privado. Este é o espírito que habita toda obra “Capitalismo e Liberdade”

   Para Friedman, o socialismo tem uma concepção errada sobre a liberdade econômica e a liberdade política. Ele sustenta que é um delírio achar que liberdade individual é um problema político e que o bem-estar material é problema apenas da economia. Pelo contrário, Friedman explica que “as organizações econômicas desempenham um duplo papel na promoção da sociedade livre. Primeiro, como componente da liberdade em sentido amplo, a liberdade econômica é um fim em si mesma. Segundo, a liberdade econômica também é meio indispensável para a consecução da liberdade política”. Naturalmente, numa sociedade pautada pelo liberalismo econômico os problemas de natureza política e econômica também existem. Porém, os remédios propostos pelas ideias liberais são os mais capazes de extingui-los, assegura Friedman. 

   Na ótica de Friedman, os problemas de um sistema econômico planificado são muitos e recorrentes.  Emissão de dinheiro na tentativa de frear o desemprego, congelamento de preço, monopólio do mercado, gigantismo das dívidas públicas, crescimento do passivo da previdência etc, são alguns dos males decorrentes da economia estatal. Todos estes problemas são mitigados pelas estratégias de uma economia capitalista e liberal. Com efeito, Friedman propõe mecanismos que podem solucionar os problemas e alavancar a economia com medidas que encorajam a liberdade econômica. De certa forma, as medidas sugeridas por Friedman refutam as teorias keynesianas. A exemplo da inflação e impressão de dinheiro, em que Friedman defende “há apenas dois mecanismos compatíveis com o mercado livre e com o comércio livre. Um é o padrão-ouro internacional totalmente automático. O outro é um sistema livre das taxas de câmbio, determinado pelo mercado, em transações privada, sem intervenção governamental”. 

   Há vários temas econômicos analisados por Friedman neste estudo. Entre eles destacam-se a política fiscal e a distribuição de renda. No primeiro caso, ele defende redução drástica do controle governamental e mais liberdade econômica para o indivíduo. No segundo caso, o da política de distribuição de rendas, Friedman explica que “o princípio ético que justificaria diretamente a distribuição de renda numa sociedade de mercado livre é: a cada um de acordo com o que produz, por suas qualificações e por seus instrumentos”. 

   Nações como o Brasil teimam em apostar no Estado como o único provedor das necessidades do indivíduo e negligenciam as doutrinas liberais na economia e na vida do indivíduo. Pelo contrário, os governos de economia planificada não acreditam no potencial do indivíduo livre e na força duma economia autossuficiente e aberta. Os socialistas acusam o capitalismo como o único causador da desigualdade social.  O problema nesta acusação, argumenta Friedman, é que o governo socialista não pensa e não age segundo esses julgamentos. Neste contexto, o capitalismo não corrobora para a pobreza. Longe disso, no capitalismo a desigualdade social é apenas aparente, pois a mobilidade social, algo impensável num sistema socialista, é possível graças à liberdade e a possibilidade que o indivíduo tem para a aquisição de bens. Desta forma, muitos migram para as camadas superiores e deixam a condição de pobreza.

   Em outras palavras, o que Milton Friedman propõe neste livro é a manutenção de um Estado menor, menos interventor, menos regulador e que dê mais liberdade para os empreendimentos privados. Estimule o livre mercado e permita que as pessoas, de forma honesta, possam construir riquezas para si através do trabalho. O Estado intervencionista é o maior culpado pelo atraso econômico e pelo subdesenvolvimento em qualquer parte do mundo. O modelo de economia do Estado interventor e provedor, sob as justificativas de igualdade e distribuição de renda, tende a igualar todos no mesmo nível de pobreza. Portanto, Milton Friedman deixa nesta obra um valioso legado a favor da liberdade econômica e do capitalismo, e nos ensina que estes sistemas são, provavelmente, os únicos que podem, quando corretamente orquestrados, proporcionar ao indivíduo a plena realização dos seus sonhos.

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A MENTALIDADE CAPITALISTA

  No livro “A Mentalidade Capitalista” escrito em 1956 por Ludwig Von Mises (1881-1973), são analisados os porquês do desprezo que os socialistas nutrem pelo capitalismo. O livro é uma desconstrução da mentalidade esquerdistas que costuma apresentar o capitalismo como um sistema desumano e individualista de enriquecimento material, além de criticar a hipocrisia existente entre os seus ferozes críticos por serem ideologicamente socialistas e na prática se beneficiarem do capitalismo. Destaca-se nesta obra a noção de que cada indivíduo é livre para modelar sua vida de acordo a sua vontade, pois segundo Mises, na economia moderna quem cria a riqueza da nação é o indivíduo que como consumidor ou produtor poderá surgir de qualquer estrato social. Ele argumenta que o poder de determinar quais produtos devem ou não ficar no mercado, qual fornecedor deve ou não produzir tal produto, está também ao alcance das classes sociais mais baixas, graças aos mecanismos naturais pautados nos princípios do livre mercado que cria oportunidades para todos. Estes são conceitos que derrubam as retóricas socialistas que defendem que os ricos são ricos porque tornam os pobres mais pobres.

   Hoje mais que naquela época, as condições de vida e as oportunidades de ascensão social são bem maiores. Por isso encontramos facilmente pessoas que se encontram no estrato mais inferior da sociedade usufruindo de bens como smartphone, TV 4k, micro-ondas, automóvel etc. Esta situação é impensável no sistema socialista, sobretudo na época em que Mises escreveu o livro. Mesmo hoje, com todas as condições favoráveis pelas relações econômicas entre as nações, potencializadas pela globalização, em que a social-democracia tenta construir um sistema híbrido entre o socialismo e o capitalismo (se é que de fato isto é possível – Mises diria que não), o que percebemos é que as pessoas prosperam pelas condições colocadas pelo capitalismo e não por uma consciência coletivista de cooperação. Mises acredita que todos nós somos movidos por impulsos que nos levam à melhoria econômica e que seria inútil tentar frear os nossos desejos por mais e mais bem. 

   Por isso ele afirma que diante dessa vontade de consumir só há uma forma de melhorar as condições materiais das pessoas: “acelerar o crescimento do capital acumulado em relação ao crescimento da população”. Mises, então se questiona porque os anticapitalistas nutrem tanto ódio e desprezo pelo capitalismo e ao mesmo tempo desfrutam do bem-estar que o capitalismo lhe proporciona?  Para Mises o que causa este comportamento é o que ele chama de “Ressentimento da ambição frustrada” encontrado em pessoas que não se conformam que o dinheiro que deveria ser delas está nas mãos dos capitalistas. Segundo Mises, este ressentimento é causado pela incapacidade destas pessoas de produzir riqueza e por isto, tudo fazem para distribuir o dinheiro de quem realmente produzem estas riquezas. Em outras palavras, os socialistas costumam fazer cortesia com o chapéu do outro.

   O ódio que os progressistas têm pelo capitalismo beira a uma patologia cancerígena. É incrível e notório a sua dificuldade em entender o sistema capitalista de cooperação social, que Mises sustenta como o real meio de realização da liberdade. Ele argumenta que “a liberdade sob o capitalismo significa: não depender mais do arbítrio das outras pessoas mais do que elas dependem do meu próprio arbítrio”

“A autoconfiança e o equilíbrio moral de todo mundo são questionados pelo espetáculo daqueles que deram provas de possuir maiores habilidades e capacidades. Todo mundo está ciente de sua própria derrota e insuficiência”

   Para Mises dois grupos se destacam dentro deste cenário: os intelectuais e os colarinhos brancos. No primeiro grupo encontraremos muitos artistas, professores, cientistas e políticos. Estes mantêm pelos capitalistas uma profunda inveja, que muitas vezes não vem do volume da riqueza que os capitalistas possuem, vez que que muitos deste grupo têm tanto dinheiro quanto os ricos dono do capital, mas da forma única que construiu a riqueza: com trabalho, inteligência e com uma profunda determinação para enriquecer. Já o segundo grupo, mas comum, é aquele que contém anticapitalistas que trabalham em escritórios (Mises aqui usa o escritório como exemplo, mas se estende à muitas outras áreas de trabalho longe do “chão de fábrica”) e que inveja o patrão e o colega que trabalha ao lado. Pessoas assim, acreditam que o problema está no sistema desumano do capitalismo que não reconhece o seu talento e a dedicação (quando tem) é que são a chave para o seu sucesso na vida. Esses indivíduos, assegura Mises, sempre culpam o capitalismo pelos seus fracassos.

   Este fato me lembra o romance “A Revolta de Atlas”, obra de Ayn Rand, que é uma espécie de protesto a favor daqueles que produzem riquezas e carregam o mundo nas costas feito o Atlas, gigante mitológico. Nesta obra há uma memorável cena protagonizada por Francisco D’Anconia, dono de um império industrial, que representa, com perfeição, “o espetáculo daqueles que deram provas de possuir maiores habilidades e capacidades”. Vale a pena reproduzi-la aqui:

“Então o senhor acha que o dinheiro é a origem de todo o mal? O senhor já se perguntou qual é a origem do dinheiro? Ele é um instrumento de troca, que só pode existir quando há bens produzidos e homens capazes de produzi-los. O dinheiro é a forma material do princípio de que os homens que querem negociar uns com os outros precisam trocar um valor por outro. O dinheiro não é o instrumento dos pidões, que recorrem às lágrimas para pedir produtos, nem dos saqueadores [governo], que os levam à força. O dinheiro só se torna possível por intermédio dos homens que produzem. É isso que o senhor considera mau?

 Quem aceita dinheiro como pagamento por seu esforço só o faz por saber que será trocado pelo produto do esforço de outrem. Não são os pidões nem os saqueadores que dão ao dinheiro o seu valor. Nem um oceano de lágrimas nem todas as armas do mundo podem transformar aqueles pedaços de papel no seu bolso no pão de que você precisa para sobreviver. Aqueles pedaços de papel, que deveriam ser ouro, ”são penhores de honra, e é por meio deles que você se apropria da energia dos homens que produzem. A sua carteira afirma a esperança de que em algum lugar no mundo ao seu redor existam homens que não traem aquele princípio moral que é a origem do dinheiro. É isso que o senhor considera mau?

   Quem são os saqueadores e pidões na obra de Ayn Rand? São os anticapitalistas? D`Anconia é o capitalista que representa homens e mulheres que sozinhos produzem, verdadeiramente, a riqueza material do mundo. Para transformar matéria em dinheiro é necessária muita inteligência, suor, dedicação e muito, muito trabalho duro. Esses são os Atlas que carregam o mundo nas costas. Eles não vivem de holofotes. São pessoas fortes, práticas e determinadas. Solitárias, pois são raros e raramente compreendidos.

   No capítulo III, “A literatura sob o capitalismo”, Mises faz diversas explanações para mostrar como são criadas as falácias contra o capitalismo com o intuito de difamá-lo, ao mesmo tempo que tentam tornar o socialismo como a única verdade evidente para a salvação do povo. Neste capítulo, ao descrever “o fanatismo dos literatos”, Mises observa que um olhar superficial para as ideologias atuais não revelaria o fanatismo que predomina o discurso dos formadores de opinião pública, cuja maquinações torna inaudíveis quaisquer vozes dissidentes, bem como adverte aos desatentos, para não deixar se iludir pelos constantes atritos entre os comunistas, socialistas e intervencionistas, pois, adverte  Mises, “porém, entre eles existe uma total concordância” e completa “a tremenda máquina de propaganda e doutrinação progressista tem sido vitoriosa em impor os seus tabus.” A doutrina progressista criticada por Mises é formada nas concepções marxianas a qual Mises denomina de “dogmatismo inotordoxo” que ele define como uma contradição, uma coleção deturpada de suposições e concepções erradas há muito tempo refutadas. Entretanto, qualquer um que se oponha a esta forma de pensamento será visto como inimigo das causas do povo, hoje, fascistas.

   Por outro lado, Mises explica que ao contrário do que pensam os progressistas, o capitalismo não é o responsável pelo desemprego das massas, e sim que o desemprego é o resultado do intervencionismo ao agir para “regular o capitalismo e para melhorar as condições dos homens comuns”, ou seja o remédio criado pela ideologia progressista é a causa da doença, mas a culpa é do médico que diagnostica a doença e se ver impedido de prescrever o remédio. Ocorre que os progressistas não se rendem às evidências e, articulados, buscam novas estratégias para sua sobrevivência. É o que nos diz Mises quando o comunismo e o socialismo, vivendo sob a mesma bandeira ideológica e visto pela sociedade como defensores de ideias extremistas, buscaram com apoio de uma parte dos intelectuais, uma alternativa que, se mantendo fiéis aos princípios marxistas, utilizou-se de novos mecanismos, mas que na realidade, continuou com os mesmos princípios que dão ao Estado todo o controle sobre a propriedade privada e sobre o indivíduo.

“o grande conflito ideológico da nossa época não é a batalha para a distribuição de renda nacional e sim a divergência em relação a escolha da forma mais adequada de organização econômica” 

   Mises pensava num sistema de produção que de fato pudesse melhorar o padrão de vida das pessoas. Assim, ele se questionava se o socialismo era um substituto à altura do capitalismo e se as condições socialistas se adequam a aquele que ele chamava de “conduta racional das atividades produtivas”. Ele acreditava que o fanatismo e o dogmatismo dos progressistas se manifestavam na recusa em examinar esses problemas. Segundo Mises, para os progressistas o capitalismo é o pior dos males e que qualquer tentativa de resolver os problemas econômico sob a ótica capitalista é um “crime capital”.

   Mises encerra o livro analisando “As objeções não econômicas ao capitalismo”. Contra aqueles que dizem que dinheiro não traz felicidade, Mises responde no argumento da felicidade porque o dinheiro pode criar as condições e que este não é a causa, mas o meio. Mises mostra que o argumento de que o capitalismo é endurecedor dos corações tornando – os materialistas, não se sustenta porque qualquer que seja o altruísmo aplicado perpassa pelo bem material como meio de satisfazer as necessidades, até mesmo a da alma, dado que o corpo e eu mente desnutrida salvo os indianos, não encontram força para nenhuma ação da alma lá.

   Assim, o capitalismo laissez-faire é o único capaz de unir o materialismo e o altruísmo pelo fato de que um fornece os bem materiais para a satisfação da carne, ao passo que o outro alimenta a alma, senão os mais pobres seriam então os mais felizes. Isto os anticapitalistas não conseguem compreender.

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O JULGAMENTO DAS NAÇÕES

   Em “Ordem e Progresso”, Christopher Dawson vê na tradição cristã, ou na cosmovisão cristã a verdadeira saída para a questão do enfraquecimento da cristandade face ao secularismo, ao liberalismo católico. Nesta via de fortalecimento da unidade cristã ele fala de um retorno à tradição cristã. Ele escreveu que “o retorno à esta tradição tornaria, uma vez mais, possível reconciliar a existência de independência nacional e de liberdade política, que são partes essenciais da vida europeia, com a unidade mais ampla de nossa civilização e como o processo mais elevado de integração espiritual, que é o verdadeiro objetivo do progresso humano”. O progresso, como sabemos, solapou o cristianismo, mas como veremos em O Julgamento das Nações, a divisão teve outros fatores em que o secularismo apenas encontrou as condições ideias para através do laicismo transformar a ordem santa em uma ordem estatal, estes fatores nasceram no seio da própria Igreja sob o peso daqueles que por motivos contra ou a favor do pensamento cristão, dividiu a Igreja. Aqui Dawson vê tanto no protestantismo quanto nos excessos cometidos pela a Igreja Católica, assim como o alastramento da corrupção e injustiças cometidas por ela.

   O Julgamento das Nações leva-nos a refletir que o retorno de Jesus Cristo se dá muitas vezes. A cada vinda ele não desce a espada sobre nossas cabeças, mas sofre por ver que seus filhos, aqueles por quem ele deu a vida, encontra-se na corrupção da alma tanto quanto no passado. A cada cataclismo humano, Jesus Cristo está entre nós não como o que veio julgar mas pedir a Deus por nossas almas. Isso porque na realidade nós é que preparamos o tribunal deste julgamento. É isto que Christopher Dawson tenta nos mostrar. Que o julgamento das nações é o nosso juízo final, talvez não aquele que Cristo virá para separar o joio do trigo, mas o julgamento do homem pelo homem. Nesta triste jornada, Cristo é nosso advogado, rogando ao Deus Pai pela nossa alma. Dawson conclama os cristãos a manter a unidade e constituir uma força nos quatro cantos do mundo, uma cruzada, para restaurar o espírito e a glória da Igreja e através desta trilhar o caminho que nos levará a Deus.

   Não obstante, a obra O Julgamento das Nações reflete a preocupação de Christopher Dawson com o destino da humanidade. Ele foi testemunha dos horrores da guerra e foi após 4 anos de observação e reflexão é que ele encontrou a inspiração para a presente obra. Frente ao horror da guerra, muitos homens manifestaram o seu repúdio ao novo domínio sobre os homens: O poder do Estado e a vontade de poder. Dawson foi uma das vozes que naqueles tempos de dor e sofrimento, em que muitos autores escreveram sobre o totalitarismo como o novo deus chamado Estado que assumirá o lugar da cristandade na mente e no corpo das pessoas na Europa Ocidental.

   Uma nota importante é que Christopher Dawson não defende nesta obra assim como em “Progresso e Religião” um retorno ao passado medieval, mas um retorno às tradições que foram responsáveis pelos valores que formaram o Ocidente e que de certa forma ajudou nas origens das correntes ideológicas que se puseram contra a Igreja, a começar pela Revolução Francesa, como se verá em todas as suas obras. Depois de 4 anos de um trabalho minuciosos de pesquisas e reflexões, Christopher Dawson conclui, talvez a mais importante das suas obras, O Julgamento das Nações.

   Em suas reflexões Christopher Dawson analisou os motivos das divisões que atingiram profundamente a fé e a história do povo cristão e fez ruir o castelo da cristandade. Christopher Dawson concluiu que naqueles tempos de guerra as nações estavam sendo julgadas pela falta da unidade cristã e da perda de suas tradições. O homem quebrara a aliança com Deus e se fizera um pacto com o totalitarismo e seus controles das massas. Foi graças aos avanços da ciência que o homem ousou questionar os desenhos de Deus, pois se tornará autossuficiente e tecnicista ao extremo a ponto de haver uma nítida distância entre a evolução espiritual e a evolução tecnológica nas sociedades modernas seculares. Os valores cristãos foram subvertido e apagaram-se do livro da história a conexão espiritual que nos mantinham ligados a Deus. Teríamos perdido a nossa identidade cristã? Não encontramos resposta a esta questão em O Julgamento das Nações, mas podemos suspeitar de que sem as tradições cristãs perdemos os valores cristãos e sem esses não conseguiremos manter a unidade que nos permite uma identidade, aquela formada pelas lições de Cristo enraizadas em nossa cultura ocidental.

  O Julgamento das Nações retrata está epopeia do homem em busca da sua extinção e escravidão através da ascensão do totalitarismo. Mas há também um clamor para que os cristãos não permitam erosão da construção da cristandade. É uma convocação para a batalha entre as forças do bem, representada na constituição da fé cristã, contra o secularismo e o totalitarismo, que pelo menos há trezentos anos esvazia o homem retirando Deus do seu interior e colocando o novo deus, o Estado. Para isso não é necessário mais uma cruzada contra o progresso, contra a perda do compromisso com a cristandade, contra a comunhão que existe entre nós cristãos. Contra a força do mal que fazem com que esqueçamos os ensinamentos de Cristo e nos encontremos por aqueles que se põe no lugar de Deus, somente o fortalecimento da cristandade através do resgate das suas tradições e que se formará o exército cujas espadas descerá sobre as cabeças das serpentes que governam o mundo, liberando o homem da escravidão em que se encontra a sua alma. Essa é uma batalha do indivíduo contra as forças satânicas que ganharam outras formas e se tornaram poderosas. Como o autor observa em seu livro, períodos de grandes conflitos indicam que estamos sendo julgados por Deus. Quando o livro foi publicado em 1942 o mundo estava subjugado às forças do mal. Não foi uma derrota de Deus mas do homem. Mas foi um julgamento de Deus.

   A ciência dá ao homem um poder quase ilimitado. O intelecto humano e a sua capacidade imaginativa ao manipular a ciência, venceu a natureza, dobrou suas forças, penetrou nos seus mistérios e revelou os seus segredos. Ao controlar as forças micro e macro do universo o homem perdeu o controle sobre si e tornou-se soberbo, prepotente, vaidoso e narcisista. Não satisfeito de ser a semelhança do criador, acredita ser o próprio criador. Entretanto todo este poder não consegue ser o consolo da sua alma. Há um vazio terrível e o abismo separa o homem da sua felicidade. Christopher Dawson acredita que a ciência não resolve todos os problemas. Aqueles que são os problemas da alma não há nada que a ciência pode fazer isto porque como afirma Dawson a ciência tornou-se serva do poder. “Os problemas não podem ser resolvidos somente pelo poder, nem poder ser resolvidos pela ciência, já que a ciência se tornou serva do poder” escreveu Christopher Dawson. Ele nos ensina que “Nosso poder é a nossa destruição, e o mundo está embriagado e envenenado pelo poder”. Este poder se manifesta sob a forma de uma força opressiva que suga a energia do indivíduo através da propagação das suas ideologias. Então como resolver os problemas da alma sem a corrupção do poder. Só tem uma forma, que através do fortalecimento da cristandade. Para Dawson sem os princípios religiosos que norteiam a ação humana, este mergulha na escuridão e se agarrar as mais promessas de uma vida material plena de tal forma que “quando a moralidade é privada dos fundamentos religiosos e metafísicas, inevitavelmente, subordina-se a fins mais inferiores; e quando os fins são negativos, como na revolução em na guerra, toda a escala de valores morais se reveste” escreveu Christopher Dawson. 

   Christopher Dawson nos avisa que “o traço mais tipo do sistema totalitário contra o qual lutamos é a pretensão de controlar a mente dos homens, bem como seus corpos, e, para reforçar tal reivindicação, mobiliza todos os recursos da nova magia negra do sugestionamento das massas e propaganda

   “E importante, portanto, distinguir dois rolamentos na reação moderna à democracia liberal. Há a reação que surgiu da própria democracia como resultado do progresso da organização humana e da mecanização da nossa cultura que destruiu as bases econômicas e social do individualismo liberal e, em segundo lugar, há a reação nacional daqueles países que não possuíam tradição democrática nativas e que aceitaram as ideias liberais como parte da cultura material da Europa Ocidental, que consideravam não ser só símbolo de progresso, mas também de exploração estrangeira.” 

   “A democracia ocidental não luta só uma batalha em duas frentes com o totalitarismo rivais de direita espiritual de esquerda. Esta, ao mesmo tempo, sendo minada por dentro, por um processo de desintegração que é esgota a vitalidade e enfraquece o nosso poder de resistência.” 

  “O grande problema que o estado democrático tem que resolver é como conciliar as necessidades das organizações de massa e impuser mecanizado, que rico trabalho a expressão extrema na guerra total, com os princípios da liberdade, justiça e humanidade das quais deriva sua força espiritual.”

  “A democracia não será destruída nem pela derrota militar e nem pela disciplina e organização que tem de se impor para obter a vitória, se puder manter o seu valor espiritual e preservar-se dos perigos da desmoralização e da desintegração.”

   No livro “Do Liberalismo à Apostasia”, Monsenhor Marcel Lefebrev mostrou como o liberalismo infiltrado no seio da Santa Igreja subverteu os princípios dogmáticos da fé católica, secularizado o pensamento católico a práxis progressistas. Em O julgamento das Nações, Christopher Dawson faz uma análise que mostra o quanto de fato o pensamento liberal trouxe prejuízo para a Igreja Católica. Primeiro Christopher Dawson estabelece distinções para o significado do liberalismo, são diferentes o liberalismo como tradição, pautado nas raízes da história inglesa e americana. Por outro lado, há o liberalismo compreendido como partidos políticos que sob a tradição liberal norteiam-se política e socialmente através do liberalismo como ideologia. Estas três vertentes vão aos poucos provocar profundas transformações na cristandade. Talvez o fracasso do liberalismo no seio da cristandade, que apesar de ter em seus fundamentos princípios cristãos, se deve a uma perda de significado diante dos interesses e conflitos. Christopher Dawson assevera que “o fracasso do liberalismo ao longo do último século se deveu, sobretudo, ao fracasso dos partidos liberais em dar uma expressão adequada a essa ideologia e tradição social ainda mais profunda que lhe subjaz 

   As forças totalitárias, inimigas de qualquer ideia de liberdade, pode se valer desta para influenciar e desviar pessoas das suas crenças e valores, oferecendo uma visão distorcida da ideia de liberdade e igualdade a tal ponto que os valores cristãos que deram base para o pensamento filosófico liberal, sofre mutações a serviço de déspotas, que não se preocupa com o destino do indivíduo e muito menos com a sua salvação.

   “Hoje, o inimigo não é o liberalismo humanitário, que é a espécie de versão secularizada do idealismo moral cristão. É um poder que espécies esmaga aos pés todo os direitos espécies esmaga ideais humanos.”

   É por isso que Dawson convida os cristãos à defesa dos valores tradicionais cristãs com uma certa urgência pois ele entende que a necessidade transcende a política e demanda nada menos que uma reorientação espiritual da sociedade ocidental e a recordação dos valores essenciais que devem ser preservados a todo custo, apesar das mudanças revolucionárias que destruíram os fundamentos do antigo individualismo liberal” e conclui o essencial é antigo juntar o nosso pensamento às novas condições; ver o que está vivo e o que está morto na tradição ocidental e perceber que a imensidão de novas capacidades que o homem adquiriu durante a última metade de século pode ser usada a serviço da liberdade de maneira tão fácil quanto foi usada para destrui-la

   A secularização foi o processo pelo qual o homem dominou as forças da natureza e se tornou dono do mundo. A cultura sem uma sustentação cristã, sem o apoio de Deus, não encontra meios para acompanhar o progresso fazendo da ciência um alicerce de fortalecimento da religião. Neste sentido, no capítulo 6, A Secularização da Cultura Ocidental, demonstra que a perda da unidade cristã teve um impacto direto na formação cultural do Ocidente. “A causa principal da secularização da cultura ocidental foi a perda da unidade cristã” sustenta Christopher Dawson, e que, portanto, sem esta unidade acarreta a dissolução da comunidade e a perda da cidadania espiritual, dessa forma surgiu uma nova cultura liberal humanitária que representa um estágio intermediário entre a unidade religiosa da cristandade e o mundo totalmente secularizado”. Neste sentido o liberalismo, sugere, Christopher Dawson, foi de certa forma o fundamento da cultura. Ele escreve “O fato de a cultura liberal ter sido fundamentada nos valores morais cristãos a tornou acessível às influências religiosas, mesmo numa época secular”

   A restauração de uma ordem cristã e a forma que Christopher Dawson propõe para a questão da secularização da cultura ocidental. Como isto deve ser feito é através de uma alternativa, o planejamento social. Mas isso precisa de cuidados. Christopher Dawson argumenta que “se aceitarmos o princípio do planejamento social se baixo para cima, sem menção aos valores espirituais, ficamos com a cultura de máquina”, dito de outra forma, qualquer que seja o planejamento que pretenda um ordenamento social deve ser baseado nos valores espirituais, para não corremos o risco ficarmos a serviço do progresso materialista. 

   É aqui que liberalismo é uma faca de dois gumes, pois mediante seu expediente, é na religião e cultura que ele causará a divisão. Christopher Dawson adverte que “o liberalismo abriu caminho para a completa secularização da sociedade ao realizar uma nítida divisão entre o mundo público da economia e da política e o mundo é o mundo privado da religião e da cultura intelectual”. pg171 Desta forma Christopher Dawson sustenta que “a única maneira de dessecularizar a cultura é dota-la de um propósito espiritual para todo o sistema de organização, de modo que a máquina de torne serva do espírito, e não a sua inimiga ou mestra”. pg175

   No capítulo Os Princípios Sociais Cristã, Christopher Dawson orienta que o mistério da salvação consiste na incorporação do homem na unidade orgânica do corpo divino. Jesus disse este é o meu sangue, este é o meu corpo e neste instante uma nova aliança era estabelecida entre o Filho de Deus e o seu rebanho. Nisto consiste a salvação de toda a carne, sem o pecado. Christopher Dawson supõe que está seja a essência da doutrina cristã sobre a natureza do homem e seu destino. Se assim o for, então Christopher Dawson que assim estará determinada a concepção cristã de história e de ordem social.

  O que vemos hoje, esclarece Christopher Dawson, não é o colapso da cultura tradicional do cristianismo, é a catástrofe da cultura secular que a substituiu. E porque recai sobre o secularismo a responsabilidade do afundamento da cultura? Christopher Dawson responde que isto ocorreu por esta doutrina não poder responder aos anseios mais profundos da humanidade. Ele acredita que “o liberalismo fomentou um vácuo espiritual, um coração de trevas e caos sob afundamentos ordem mecânica e eu inteligência cientificando mundo moderno”. 

   A lei da natureza oferece os meios para a cosmovisão cristã. Christopher Dawson mostra tudo está subordinado à ordem divina. Este é um princípio fundamental e basilar da doutrina cristã. Desta forma Christopher Dawson infere tudo está subordinado às duas vertentes. Primeiro “ao fato de acreditarmos na existência de uma ordem espiritual da qual o homem é naturalmente consciente pelo conhecimento do bem e do mal”, segundo, “que o mundo transporte às cegas, guiado por forças irracionais às quais o homem deve servir se quiser sobreviver”

   “Assim, a aparente apostasia da cristandade e as catástrofes políticas que se seguiram não destroem a possibilidade de restauração. Podem até mesmo preparar o caminho para derrubar as muralhas e as torres que o homem construiu como refúgio de seu egoísmo a fortaleza de seu orgulho.”

   “Deus não só rege a história, ele intervém como ator na história, e o mistério da redenção divina é a chave de Sua ação criativa.”

   “O verdadeiro sentido daquilo que chamamos de totalitarismo e Estado totalitário é o controle total de todas as atividades humanas e todas as energias humana, espirituais bem como físicas, pelo Estado, e o direcionamento para quaisquer fins é ditado por seus interesses, ou melhor, os interesses do partido dirigente ou camarilha.”

   “Portanto a Igreja deve, mais uma vez, assumir seu ofício profético e testemunhar a Palavra, mesmo se isso representar o julgamento das nações e uma guerra aberta contra os poderes deste mundo”

   “Igualmente, os cristãos fracassaram em perceber como os fundamentos morais do mundo foram abalados e como era necessário um esforço tremendo para salvar a humanidade da profundidade insondável do niilismo da desintegração espiritual.”

   “Se o homem comum está preparado para suportar tudo, como o fez, por esforçasse fé obscuramente sentida, mas real, o cristão está obrigado pela fé e honra a fazer nada menos do que isso no conflito espiritual que se esconde por trás da batalha das nações e a testemunhar testemunhará palavra de Deus a qualquer custo.”

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UMA TEORIA DO SOCIALISMO E DO CAPITALISMO

   Hans-Hermann Hoppe é autor de várias obras que criticam e desconstroem o socialismo, assim como expõe o mal que o representa, tanto quanto defende o capitalismo e seus verdadeiros benefícios para a sociedade.  Hoppe é um dos mais eminentes economistas da Escola Austríaca de Economia da atualidade. Sua maior influência vem de Murray Rothbard ao qual ele deve parte dos seus ideários de liberdade e propriedade à partir da proteção da propriedade privada contra a usurpação estatal. Hoppe acredita que o sistema econômico socialista que, do mesmo modo como acreditavam Mises e Rothbard, não pode funcionar como sistema social e economicamente viável  porque vai de encontro à liberdade individual, contra os meios privados de produção e interfere economicamente e socialmente em todos os aspectos da vida do indivíduo através de instrumentos legais de coerção. Este o objetivo do seu livro Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo, ou seja, mostrar através da comparação entre esses dois sistemas a falácia do primeiro e é a má compreensão do segundo por parte dos seus antagonistas. Neste estudo, Hoppe analisa os fundamentos teóricos elementares para a compreensão dos sistema econômico socialista e capitalista, bem como as suas dicotomias que apontam os pontos desastrosos de uma economia planificada socialista contra as vantagens de uma economia aberta e capitalista. Estes elementos a saber são propriedade, agressão, contrato, capitalismo e socialismo de onde ele extrai as premissas irrefutáveis da sua crítica  ao socialismo.

   Hoppe confronta o socialismo Russo, a social-democracia e socialismo do conservadorismo para demonstrar que o socialismo Russo, ou o socialismo raiz, após a sua derrocada com a queda do comunismo, a solução encontradas pelos ideólogos socialistas foi derivar dos princípios do comunismo o cerne de uma nova filosofia política que, mais branda que o comunismo em sua ações e estratégias, mas ideologicamente mais perversa pela sua capacidade de se transmutar em novas vertentes aproveitando e se adequando rapidamente aos fatos presentes. A social-democracia vem continuando do ponto onde o comunismo falhou. Hoppe prova que a social-democracia contém então as mesmas falhas como sistema político governamental do socialismo estilo Russo. O objetivo de Hoppe ao produzir esta obra, é em suas própria palavras: na verdade, um dos maiores objetivos deste estudo é desenvolver e explicar as ferramentas conceituais e argumentativas, morais e econômicas, necessárias para analisar e avaliar qualquer tipo de sistema político ou social empírico, compreender ou avaliar qualquer processo de mudança social, e explicar ou interpretar as semelhanças tanto quanto as diferenças na estrutura social de duas ou mais diferentes sociedades. De maneira que o livro se torna então um estudo abrangente para compreender e analisar os processos de mudanças sociais que ocorrem entre as sociedades.

   O socialismo é moralmente indefensável, comprova Hoppe em suas asserções. Para ele, um sistema que prima pela expropriação e a intervenção com instrumento legal de coerção e agressão à liberdade e a propriedade individual é, por definição, um sistema que não tem nenhum dos seus princípios escritos sob nenhuma base moral. Pelo contrário, não há moralidade alguma no sistema socialista uma vez que para se manter vivo está sempre mudando a sua filosofia. Em contrapartida, o capitalismo, justamente por se colocar antagonicamente às ideias socialistas, torna-se automaticamente moral e ético. De fato, a ética capitalista recai sobre o indivíduo,  a propriedade e a liberdade como seus elementos basilares sem os quais é impossível criar as condições necessárias para o desenvolvimento humano, de maneira que Hoppe dá  mostras da verdade contida no pensamento capitalista em detrimento das crenças socialistas.

   Hoppe analisa a relação entre o bem público e bem privado e levanta a questão em torno de ambos ao inquirir: pode o bem público perder o monopólio do Estado e ser um bem privado de uso público? Analisando esta questão dos pressupostos criados no último capítulo do livro em que o autor defende a ideia de que é possível que empresas privadas sejam responsáveis por construir e manter por exemplo uma grande rodovia sem a necessidade do Estado, apenas dando a iniciativa privada a liberdade e a desburocratização que ela precisa. Porém, neste caso surgem vários problemas. Primeiro quais seriam os critérios para que fosse a empresa A e não a empresa B a a responsável pela construção da rodovia? Considerando que todo investimento foi da empresa privada ela teria direito em cobrar pelo uso por parte do público? Quem fiscalizará e regulamentará uma construção desta espécie? Hoppe não dá nenhuma resposta a questões desse ripo em seu livro. Estas e outras questões precisam ser respondidas à luz da teoria fornecida por Hoppe, sob o risco de na prática não ser aplicável. Os libertários, e Hoppe é um deles, requisita um estado zero por entender que a única função do Estado é criar barreiras para o desenvolvimento humano e ser uma porta pelas quais entram os demagogos. 

   Infelizmente as ideias libertárias carecem, em alguns temas da sociedade, de mais ponderações. É o caso do aborto.  Os libertários, como Hoppe, acreditam que o indivíduo é livre para fazer o que quiser desde que o direito alheio seja respeitado (pelo visto o feto não tem direito algum). Hoppe defende que o aborto é uma relação interpessoal chamada de troca contratuais. Isso não me parece claro e muito menos resolve a questão. Então se existe um contrato, a vida que se desenvolve no útero da mãe parece não fazer parte das suas cláusulas. Aquele que é de fato a parte interessada parece não ter direito a nada, sobretudo a vida, que é um direito fundamental do ser humano. Ou a dignidade humana não se aplica ao feto? Há várias questões que envolvem os riscos da absoluta liberdade do indivíduo esperada pelos libertários, o que ao meu ver, liberdade sem ordem é controle vira total anarquia e nada é tão ruim para um povo a anarquia, nesse caso, se assim levada ao pé da letra, melhor seria o socialismo. É preciso buscar o equilíbrio e ponderar é necessário.

   Finalmente, Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo é uma fonte muito rica para aprofundamento da compreensão das claras diferenças entre os sistema socialista e capitalista e, deixa recair sobre o último a certeza de que é, de fato, o único que realmente funciona como um sistema capaz de proporcionar ao indivíduo as condições necessárias para alcançar a felicidade através da propriedade e da liberdade. Porém parece, pelo menos nessa obra, não trazer soluções claras para os problemas que certamente surgirão na ausência total do Estado. Portanto, é uma leitura complementar para quem busca nos estudos da economia da Escola Austríaca de economias os métodos para uma economia livre de intervenção do Estado, o pleno gozo e usufruto de suas propriedades e a liberdade como um direito inalienável.

Eis alguns temas interessantes abordados por Hoppe e as suas ideias.

“Para desenvolver o conceito de propriedade é necessário que os bens sejam escassos, de modo que seja possível surgir conflitos sobre o uso desses bens E função dos direitos de propriedade evitar esses possíveis conflitos sobre o uso dos recursos escassos através da atribuição de direitos de propriedade exclusiva. A propriedade é, dessa forma, um conceito normativo, concebido para tornar possível uma interação livre de conflitos pela estipulação de regras de conduta (normas) mútuas e vinculativas em relação aos recursos escassos.”

“Toda pessoa tem o direito exclusivo de propriedade de seu corpo dentro dos limites de sua superfície. Todo indivíduo pode usar seu corpo para o que ele considera ser o melhor para seus interesses imediatos e de longo prazo, bem-estar ou satisfação, desde que não interfira nos direitos de outra pessoa de controlar o uso de seu próprio corpo. Essa “propriedade” do próprio corpo significa o direito de alguém para convidar (ou concordar com) outra pessoa a fazer algo com o respectivo corpo: meu direito de fazer com o meu corpo tudo o que eu quiser, o que inclui o direito de pedir e de deixar que alguém use o meu corpo, ame-o, examine-o, injete nele medicamentos ou drogas, altere sua aparência física e até mesmo agrida, danifique ou mate-o, se isso for o que eu gostar e concordar.”

“Também no socialismo, as diferenças reais entre controladores e controlados, inevitavelmente, devem existir; somente no socialismo a posição daquele cuja opinião é vencedora não é determinada pelo usuário anterior ou por contrato, mas por meios políticos.”

“Deve-se recordar o fato de que o socialismo também precisa resolver o problema de quem está no controle e coordena os vários meios de produção. No entanto, ao contrário da solução do capitalismo para este problema, no socialismo, a atribuição de diferentes posições para diferentes indivíduos na estrutura de produção é uma questão política, ou seja, um problema resolvido independentemente das considerações dos proprietários-usuários anteriores e da existência de um acordo contratual reciprocamente favorável, mas pela sobreposição da vontade de uma pessoa sobre a da outra (divergente)”

Em primeiro lugar, num contraste positivo em relação ao tradicional socialismo marxista, o socialismo social-democrata não proíbe legalmente a propriedade privada dos meios de produção e até aceita a ideia de que todos eles sejam privados com a única exceção da educação, tráfego e comunicação, banco central, polícia e justiça. Em princípio, todos têm o direito à aquisição privada e de possuir os meios de produção para vender, comprar ou produzir novos, para dá-los de presente ou alugá-los para outra pessoa, segundo um acordo contratual. Mas, em segundo lugar, nenhum proprietário dos meios de produção possui legalmente todos os rendimentos que podem resultar do uso desses meios de produção, e nenhum proprietário é livre para decidir quanto da renda total da produção deve ser alocada para consumo e investimento. Em vez disso, parte da renda da produção que legalmente pertence à sociedade deve ser entregue a esta e em seguida, redistribuída para seus membros individuais, de acordo com as ideias de igualitarismo ou justiça distributiva”

“Por outro lado, o conservadorismo é a resposta anti-igualitária e reacionária às mudanças dinâmicas que são desencadeadas por uma sociedade liberalizada; é antiliberal e, em vez de reconhecer as conquistas do liberalismo, tende a idealizar e glorificar o antigo sistema feudal como ordeiro e estável.”

“A diferença entre o conservadorismo e o que foi rotulado de socialismo social-democrata reside exclusivamente no fato de que eles apelam a pessoas diferentes ou a sentimentos diferentes nas mesmas pessoas na medida em que preferem uma forma diferente na qual a renda e a riqueza expropriadas dos produtores de maneira não-contratual é, em seguida, redistribuída aos não-produtores.”

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ESTADO GOVERNO E SOCIEDADE

   Norberto Bobbio (1904-2004) foi um dos maiores pensadores políticos do século XX e deu importantes contribuições ao direito com a sua Teoria Geral do Direito e tantas outras obras voltadas para o direito. Entre 1984 e 1985 escreveu o livro “Estado Governo Sociedade – Para uma teoria geral da política ” um clássico da Teoria Geral do Estado. Neste ensaio Bobbio investiga e busca o entendimento das várias ideias que ao longo da história formaram o Estado e todos os seus intrincados mecanismos Para Bobbio,  Estado, governo e sociedade carecem de base teórica que dê sentido à existência de relacionamento entre estas três noções políticas. Assim, ao examinar esses aspectos chaves da política, Bobbio busca construir uma teoria geral da política que explique as relações de causa e efeito entre estes elementos, inclusive tentando construir uma visão menos kelseniana, focando nos aspectos mais humanitários do direito.

   Para Bobbio, a construção de uma teoria política tem um conceito basilar que delimita, representa e ordena o próprio  campo da investigação das disciplinas jurídicas,  sociais e históricas, entre outras. Bobbio denomina este conceito de a grande dicotomia público / privado. Bobbio explica que deriva da dicotomia entre o que é público e o que é privado aquilo que ele chama de distinção. A priori Bobbio vê três distinções que importam para uma investigação: A sociedade de iguais e desiguais, Lei e Contrato e, a justiça distributiva e a justiça comutativa. 

   Ele esclarece que numa sociedade a relação entre seus princípios e valores, Estado e  povo, fundam-se sobre a noção de sociedade de iguais e a sociedade de desiguais. Bobbio escreveu que “onde então se deve notar que a linha de separação entre estado de natureza, esfera econômica, sociedade civil, de um lado, e estado civil, esfera política,  estado político, de outro, passa sempre entre sociedade de iguais e sociedade de desiguais“, desta maneira Bobbio descreve que esta distinção repousa sobre as esferas política a qual ele relaciona com a desigualdade, e a econômica que ele relaciona com igualdade, ou ainda, como uma distinção entre a sociedade política e a sociedade econômica.

   Na segunda distinção, Bobbio mostra que a relevância histórica do direito público e do direito privado como meios formativos de outra dupla dicotômica recai sobre duas outras noções, a saber: Lei e Contrato. Bobbio sustenta que o critério de distinção entre o direito público e direito privado é o “diverso modo com qual um e outro passam a  existir enquanto conjunto de regras vinculatórias da conduta”. Explica Bobbio que o direito público se estabelece a partir do poder exercido pelo Estado sob a forma de coação,  ou seja, da Lei. Por outro lado, o do direito privado, é o poder exercido pelo Estado e se estabelece através de um contrato que vincula os interesses comuns e recíprocos. A respeito deste último, esclarece: “O direito privado é um conjunto das normas que os singulares estabelecem para regular as suas recíprocas relações mediante acordos bilaterais, cuja força vinculatória repousa sobre o princípio da reciprocidade. A superposição das duas dicotomias privado e público e, contrato e lei revela toda a sua força explicativa na doutrina moderna do direito natural, pela qual contrato é a forma típica dos indivíduos singulares regular suas relações no estado de natureza, Isto é, no estado que ainda não existe o poder público, enquanto a lei, definida atualmente como a expressão mais alta do Poder soberano, é a forma com a qual são reguladas as relações entre si, e entre o estado e o súdito, na sociedade civil, Isto é, aquela sociedade que é mantida junta por uma autoridade superior aos indivíduos singulares”.

   A terceira distinção diz respeito às duas formas clássicas da justiça, a saber, a justiça distributiva e a justiça comutativa. Bobbio explica que a justiça comutativa é  aquela que preside às  trocas que ocorrem entre as partes interessadas. “Sua pretensão fundamental é que as duas coisas que se trocam sejam,  para que a troca por ser considerada justa, de igual valor, donde num contrato comercial é justo o preço que corresponde ao valor da coisa comprada, no contrato de trabalho é justa remuneração que corresponde a qualidade ou à  qualidade ou a quantidade  do trabalho realizado,  no direito civil é justa a indenização que corresponde a dimensão do dano, no direito penal a justa pena é aquela na qual existe correspondência entre o malum actionis e o malum passionis”. Por outro lado vem a justiça distributiva exercida pelo poder público quando distribui honras e obrigações. Bobbio argumenta que “sua pretensão é que a cada um seja dado que lhe cabe com base em critérios que podem mudar segundo a diversidade das situações objetivas, os segundos pontos de vista os critérios mais comuns são a cada um segundo médico a cada um segundo a necessidade a cada um segundo trabalho”. 

   Sob a égide do direito público e o direito privado Bobbio verifica que com base na propriedade em Locke e Hobbes o direito privado da família, da propriedade, do contrato e dos testamentos,  aplicam-se, em certa medida, superior ao público, tendo como origem seu primado do direito privado, na difusão e da recepção do direito romano no Ocidente. Quanto ao direito público, Bobbio esclarece que como corpo sistemático de direito de normas, nasce muito tarde com respeito ao direito privado, apenas na época da formação do estado moderno, lá pelo século XIV. Assim Bobbio escreveu que um dos eventos que melhor demonstra a dicotomia entre estas duas vertentes do direito que qualquer outro é a persistência do primado do direito privado sobre o direito público  “é resistência que o direito de propriedade expõe a ingerência do poder soberano e, portanto, ao direito por parte do soberano e expropriar (por motivo de utilidade pública) os bens do súdito”.

   Bobbio vê como normal o processo de privatizar empresa pública e ou estatizar empresa privadas desde que submetida ao interesses da coletividade, pois para ele o Estado pode ser o lugar de conflito onde se desenvolve, se  compõem para se decompor e recompor “através do instrumento jurídico de um acordo continuamente renovado representação moderna da tradicional figura do contrato social”. Neste sentido Bobbio argumenta que “os dois processos publicização do privado e privatização do público não são de fatos incompatíveis e realmente compenetram-se um no outro. O primeiro reflete o processo de subordinação dos interesses do privado aos interesses da coletividade, representada pelo Estado que invade e engloba progressivamente a sociedade civil, o segundo representa a revanche dos interesses privados através da formação dos grandes grupos que se servem dos aparatos públicos para o alcance dos próprios objetivos 

    Bobbio fecha este capítulo com a seguinte conclusão: Resta que tal de dicotomia, tanto no sentido de coletivo / individual quanto no sentido de manifesto / secreto, constitui uma das categorias fundamentais e tradicionais, mesmo com a mudança dos significados, para representação conceitual, para a compreensão histórica e para enunciação de juízos de valor no vasto campo percorrido pelas teorias da sociedade e do Estado”.

    Na grande dicotomia sociedade civil / Estado a análise de Bobbio mostra que a sociedade é o lugar de conflitos onde se situa a função do Estado como mediador ou repressor. Ele observa que sociedade civil é “o lugar onde surgem e se desenvolvem os conflitos econômicos, sociais, ideológicos e religiosos que as instituições estatais têm o dever de resolver, ou através da mediação ou através da repressão”. A sociedade civil no concepção de Bobbio pode ser definida como o conjunto dos aparatos que no sistema social organizado exercem o poder coativo caracterizada por relações sociais sem regulamentação do Estado. Bobbio mostrará que estes conflitos têm profundas raízes no pensamento marxista e hegeliano que pesa sobre a sociedade civil. Desta visão Bobbio extrai as várias acepções da sociedade civil em suas vertentes mais significativas. A sociedade civil marxista, afirma, é compreendida como uma superestrutura que conduz a duas acepções. Bobbio escreveu que uma a sociedade civil adquire uma conotação axiologicamente positiva e passa a indicar local onde se manifesta todas as instâncias de modificações das relações de dominação, formando-se grupo que lutam pela situação do poder político que adquire força nos assim chamado contra poderes, de um lado, e pode também dar uma conotação axiologicamente negativa, por outro, desde que nos colocam do ponto de vista do Estado e consideremos os fermentos de renovação de que é portadora sociedade civil como germe de desagregação. Ele também define uma terceira opção para a sociedade civil que tem um significado ao mesmo tempo cronológico segundo ele como na primeira e axiológicos como na segunda que representa o ideal de uma sociedade sem Estado destinada a surgir da dissolução do poder, uma ideia que brota das doutrinas de Gramsci.

   O estado e o indivíduo passam a se alimentar de ideias, segundo explica Bobbio, que dá origem ao indivíduo burguês. Algumas dessas ideias para Bobbio são: “afirmação de direitos naturais que pertencem aos indivíduos e aos grupos sociais independentemente do estado que como tais limita e restringe a esfera do poder político; a descoberta de uma esfera de relações interindividuais como são as relações econômicas para cuja regulamentação não se faz necessária a existência de um poder coativo posto que se autorregulam; a ideia de que a sociedade é criada por nossas necessidades e o Estado por nossa maldade parafraseando Thomas Paine”.

   Então qual seria a definição mais exata da sociedade civil? Bobbio esclarece que há dois tipos de definições para a sociedade civil: a positiva e a negativa. A definição positiva para a sociedade civil, segundo Bobbio, pode-se dizer que a sociedade civil é o lugar onde surgem e se desenvolvem os conflitos econômicos sociais, ideológicos e religiosos e que quando existem conflitos as estatais têm o dever de resolver, ou através da mediação ou através da repressão. Bob argumenta que a sociedade civil neste caso será composta por sujeitos desse conflito importante da sociedade civil exatamente contra o Estado. Este é composto por estruturas civis que são as classes sociais, os movimentos sociais, as associações e organizações que representam e se declaram seus representantes, do mesmo modo também inclui nessa estrutura os partidos embora ele venha afirmar que partidos tem um pé na sociedade civil e o pé nas instituições.

   Bobbio sustenta que uma sociedade torna-se tanto mais ingovernável quanto mais aumenta as demandas da sociedade civil e não aumenta correspondentemente a capacidade das instituições de elas responderem ou melhorarem a sua capacidade de resposta do Estado, alcançando limites talvez não mais superáveis. Para ele, a ingovernabilidade gera crise de legitimidade. 

   A sociedade civil representa o lugar onde se formam, especialmente nos períodos de crise institucional, os poderes de fato que tendem a obter uma legitimação própria inclusive em detrimento dos poderes legítimos, sustenta Bobbio. Da qual segundo ele deve-se incluir o fenômeno da opinião pública. O que é entendida como a pública expressão de consenso e dissenso com respeito às instituições transmitidas através da imprensa, do rádio e da televisão, de resto a opinião pública e movimentos sociais procedem lado a lado e se condicionam reciprocamente, explica Bobbio.  Assim ele argumenta que se a opinião pública, a própria sociedade civil, estão fadados ao desaparecimento. 

   Para Bobbio o significado predominante da sociedade política ou estado usado em diversos contextos conforme a sociedade civil e política tenham sido diferenciados da sociedade doméstica da cidade natural das sociedades religiosas. Bob explica que no debate atual a contraposição permanece e que a ideia de que a sociedade civil é o anfiteatro do Estado entrou de tal maneira na prática cotidiana que é preciso fazer um grande esforço para se convencer de que durante séculos a mesma expressão foi usada para designar aquele conjunto de instituições e de normas que hoje constituem exatamente o que se chama de Estado e que ninguém poderia mais chamar de sociedade civil sem correr o risco de um completo mal entendido. Entretanto, ele sustenta que poder e direito são chaves para a definição da forma de governo e Estado. 

   Neste sentido, Bobbio argumenta que qualquer que seja o estudo que se pretenda fazer para se chegar a uma teoria política, este passa antes pelo direito público e privado para estabelecer as suas bases de consenso teóricos e práticos. 

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MARXISMO AMERICANO

   Como as teorias marxistas e os movimentos das minorias trabalham juntos influenciados pelo Partido Democrata para estabelecer uma hegemonia de poder nos Estados Unidos? A resposta está na obra Marxismo Americano, Mark Levin revela as concepções marxistas e suas consequências; a hegemonia do Partido Democrata tendo à frente figuras como Barack Obama, Hilary Clinton entre outros, que associados à imprensa progressistas e a intelligentsia norte-americana estão mancomunados para destruir a reputação dos conservadores, sobretudo a aniquilação do Partido Republicano, alerta Levin. A infestação do pensamento marxista nas instituições americanas e a formação do intelectual gramsciano. tendo o seu auge nos idos de 1968 na busca por uma nova ordem mundial influenciado por Sartre, Foucault e outros expoentes da corrente filosófica niilista da nova esquerda, deram início a era das problemáticas e da desconstrução. Esta nova ordem problematizava com o objetivo de desconstruir, ou seja, a civilização é um problema e como tal precisa ser desconstruída. Com isso, marcou a origem do pós-modernismo como uma superação do modernismo onde o espírito niilista dos seus detratores, os filósofos, pós-iluminismo da nova esquerda. 

   O marxismo americano é a expressão do pós-modernismo, observa Levin, uma vez que toda a base do pós-modernismo, assim como o que ele substitui, repousa sobre ideologias marxistas. Daí se extrai todas formas de revolução que dista dos primeiros objetivos do marxismo primitivo, mas que jamais o abandono fazendo deste os germes que dão origem as diversas vertentes do marxismo, basta que haja algo (as minorias) para problematizar ou algum pensamento ou instituição judaico-cristã para extinguir. 

   Para que as retóricas da esquerda sobre a era do neocolonialismo se sustentassem foi necessário inserir tais pensamentos nas instituições de maneira que tornasse hegemônicos como é hoje em solos americano. Foi um processo lento que tinha um objetivo: a transformação do homem para um novo homem social, coletivo, múltiplo, de uma consciência forjada de fora para dentro como diz o autor: “Não é a consciência dos homens que determina seu ser, mas, pelo contrário, seu ser social que determina sua consciência”’. Este novo homem representa o anseio pela perfeição e precisa ser melhorado sempre, além do infinito, num objetivo inalcançável. É a Perfectibilidade inata à ideologia esquerdista.

   A proposta em Marxismo Americano é  mostrar que a luta entre o lobo mau e chapeuzinho vermelho, os progressistas são “o lobo mau”. O autor mostra que desde as suas origens o Partido Democrata, fonte de toda a esquerda americana, sempre praticou o que hoje eles acusam os conservadores. Por exemplo, Levin diz em sua obra que os membros do KKK eram Democratas e não Republicano; sustenta que quando democratas eram escravagistas os republicanos se opunham à escravidão dos negros. Décadas após décadas os democratas retiraram de si a culpa dos seus atos nada democrata e humanos e a colocou nos conservadores. Embora haja alternância no poder com os dois partidos elegendo governantes mais ou menos na mesma quantidade, os democratas escondem a verdade. Não que o partido Republicano seja santo, tem lá os seus problemas, mas a esquerda americana, marxista em crença e ações, revela-se ardilosa em busca dos seus objetivos. A esquerda, por exemplo, conseguiu domínio sobre a maior parte das instituições de ensino superior cujos professores rezam na cartilha marxista. Levin observa que “a educação é a maneira mais eficaz de alcançar a hegemonia de pensamento. Sem educação as ideologias fracassam“. De fato, Levin mostra como os professores foram doutrinados e as consequências disso nos dias atuais. Basta um conservador tentar fazer um discurso na maioria das universidades americanas e será expulso, escreve Levin.

Enfim, o livro traz temas como ativismo social, pós-modernismo, teorias criticas a cultura do cancelamento e tantos outros temas recorrentes em em todo o mundo.

Ativismo social

“O oprimido deve ser incentivado a se levantar e se unir em protesto e até em revolução. “Consciência de oposição”, explica Morris, “muitas vezes está adormecida dentro das instituições, de estilos de vida e da cultura de grupos oprimidos”. Membros desses grupos normalmente têm identidades coletivas básicas, ideias de injustiça e coisas do tipo, que são condutivas ao protesto social individual e coletivo.”p44

Dewey continuou: “A mesma consideração define a importância e o propósito das agências educativas menores, as escolas. Elas representam um esforço direto e concentrado para obter o efeito que outras instituições desenvolvem de maneira difusa e rotunda. As escolas são, na fase atual, o ‘braço ideológico da Revolução’. Consequentemente, as atividades das escolas se encaixam da maneira mais extraordinária, tanto na administração e organização quanto em objetivo e espírito, em todas as outras agências e interesses sociais”.p15

“Pedagogia crítica é uma forma importante, duradoura de prática neomarxista para a educação em todos os níveis.”

O pós-modernismo e as teorias críticas e suas consequências

A questão de base: o que é Teoria Crítica, de onde surgiram esses outros movimentos de Teoria Crítica/Marxista? Uri Harris explica em Quillette: “A teoria crítica se baseia fortemente na noção de ideologia de Karl Marx. Como a burguesia controlava os meios de produção, Marx sugeriu que ela controlava a cultura. Consequentemente, as leis, crenças e moralidade da sociedade refletiam os interesses da burguesia. E, importante, o povo não tinha consciência disso. Em outras palavras, o capitalismo criou uma situação na qual os interesses de um grupo específico de pessoas – aquelas que controlavam a sociedade – eram mostrados como se fossem verdades e valores universais, quando, na verdade, não eram”. 

“Herbert Marcuse é considerado o mentor da ideologia da Teoria Crítica, a partir da qual o movimento racial, o de gênero e outros movimentos nela baseados tiveram início na América.”

A cultura do cancelamento e seus desdobramentos sobre quem pensa diferente

“Tendo criado a base para a mudança revolucionária em múltiplas áreas de nossa sociedade e cultura, o banimento, cancelamento e silenciamento começaram a todo vapor. Repressão, não envolvimento; obediência, não expressão; conformidade, não independência; e subjugação, não liberdade, todos são marcas do Marxismo Americano.”

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