“A Vida Intelectual”, do filósofo Antonin-Dalmace Sertillanges (1863-1948), livro publicado em 1920, é uma dessas obras literárias que uma vez lida causa profundas transformações na vida do leitor. Com efeito, após a leitura de clássicos dessa magnitude somos tomados pela certeza de que tudo ao seu redor adquire novas matizes; de que a leitura libera odores sutis que se fazem presentes nas narinas dos ávidos pelo conhecimento e constata-se a amplitude que ganham os sentidos e a clareza de pensamento na percepção das coisas. Livros bons abrem novos horizontes, despertam sentimentos adormecidos, conduzem aos caminhos virtuosos. É fato que o livro abre diversas janelas para o leitor, porém cabe a este fazer a escolha certa e buscar a verdade assim como o fortalecimento do espírito através das reflexões adequadas e rigorosas. Portanto, o livro A Vida Intelectual orienta o leitor a consagrar a sua vida aos estudos e como se organizar para uma vida plena de estudo para o aprimoramento do intelecto e do espírito.

A vida Intelectual requer muita dedicação, nos mostra Sertillanges. Há disciplina, há métodos, há suor. Muito suor é verdade, mas nada disso é relevante se o espírito não estiver voltado para Deus, ensina o eminente padre. Pois quem pretende trazer luz ao espírito deve, nas palavras de Sertillanges, perseverar e ser um predestinado nos estudos e nos caminhos de Deus.

Pois bem, aos jovens Sertillanges dedicou a sua obra como uma espécie de conselho para que estes buscassem uma vida servil aos estudos, bem como tornar-se um obstinado idealista sem perder a chama acesa com Deus. A doutrinação do espírito através dos estudos desvia o jovem dos caminhos que levam aos vícios e as paixões baixas e degradantes, valorizando a ética e a moral. Sertillanges ensina aos jovens que os verdadeiros valores estão muito além dos vãos prazeres da carne e dos sentimentos vulgares que tanto desonra as pessoas e desagrada a Deus. Ele escreveu que uma vida digna dedicada ao pensamento superior e às reflexões profundas seria como um tonificante, que ao fortalecer o espírito, eleva também o intelecto aos mais altos padrões morais. Do mesmo modo, Sertillanges  ensina que nenhuma sabedoria pode ser assim compreendida se os jovens não se curvarem à eterna sabedoria de Deus.

Tornar-se um verdadeiro estudante não é fácil, adverte Sertillanges. Pelo contrário, é preciso ter um objetivo claro onde se quer chegar e selecionar bem os temas de estudo. É necessário que haja muita dedicação ainda que de apenas algumas poucas horas por dia. Sertillanges orienta que o jovem deve ter a disciplina como companheira nas horas de estudos, pondo-se distante das distrações e fazendo deste momento um ato de entrega a Deus. Este é o seu método, simples e eficiente. São lições preciosíssimas que devem ser carregadas por toda a vida. Todavia, ensina Sertillanges, que nenhum conhecimento tem significado sem Deus e que na atividade intelectual deve-se ter em mente a sua mão guiadora, seus sopros inspiradores, pois do homem pouca coisa germina sem a luz Divina.

Enfim, Sertillanges aconselha prudência na elaboração do trabalho intelectual. A busca da verdade pode ser ofuscada por uma ideia brilhante, porém precipitada em seu julgamento. Assim sendo, convém tomar certos cuidados para que ao final tenha-se a verdadeira gênese do conhecimento. Meditar profundamente sobre o trabalho a ser realizado, estudando suas fontes e percebendo suas sutilezas são cuidados recomendados àqueles, segundo Sertillanges, que aspiram alcançar os patamares superiores dos saberes verdadeiros para o espírito. Sem esses cuidados, Sertillanges observa que “acontece também ao medíocre encontrar uma ideia, como um diamante puro ou uma pérola. O que é difícil é lapidar a ideia, e sobretudo incrustá-la em uma joia de verdade que será a verdadeira criação”.

Sertillanges acredita que o intelectual é um consagrado, alguém que tem uma missão especial, uma vocação. É a entrega do corpo e da alma, profundamente, a um propósito. Ele ensina que a vocação intelectual é a busca constante da elevação espiritual e escrever que “falar de vocação é referir-se àqueles que pretendem fazer do trabalho intelectual sua própria vida, tantos os que têm todo seu tempo para dedicar ao estudo, como os que, empenhados em suas ocupações profissionais, reservam para si, como feliz suplemento e recompensa, o desenvolvimento profundo do espírito”.

Não se alcança os pilares do verdadeiro saber, se não houver sacrifício. É necessário entregar-se por inteiro. O tempo dedicado aos estudos não tem tanta relevância, mas a entrega deve ser total, muitas vezes num esforço de Atlas para, como inspira Sertillanges, torna-se um escravo da verdade: “Os atletas da inteligência, como os dos esportes, devem prever privações, longos treinamentos e uma tenacidade às vezes sobre-humana. É preciso doar-se de todo o coração para que a verdade se doe. A verdade só serve aos seus escravos”

Desta forma, Sertillanges nos ensina que não devemos buscar desculpas, pois como ele próprio afirma “o gênio é uma longa paciência”, ou seja, o gênio se faz com disciplina: “Não é preciso ter faculdades extraordinárias para realizar uma obra; basta uma simples superioridade; o resto é dado pela energia e por sua judiciosa aplicação”.

Enfim, esta é uma obra transformadora para vida do jovem estudante, mas não só deste como também de todos aqueles que buscam uma vida de estudo por entender que este é o propósito real da vida e a verdadeira felicidade, assim de toda uma vida dedicada aos valores morais e ao virtuosismo do espírito. Deus, o motivo maior da nossa existência, rejubila-se com aquele que compreende suas palavras com sabedoria e humildade. Portanto, aquele que assim se porta e procura, através de uma vida de estudo a aproximação com Deus, é como sustenta Sertillanges, um consagrado.