Itinerário da Mente para Deus, ou quais passos devemos dar para que possamos unir fé e razão em Deus, seguindo os seus caminhos. São Boaventura, cuja sabedoria é pura inspiração pelos anjos de Deus, compilou um opúsculo intitulado Itinerário da Mente para Deus, o caminho que o coração e a razão devem seguir, em Cristo, Jesus Crucificado, para que se alcance o Reino de Deus Pai. São Boaventura divide esse itinerário em 7 etapas, necessárias para a salvação da alma. Assim como os sete caminhos para o interior proposta pela doutora da Igreja Santa Teresa D’Avila, o doutor da Igreja São Boaventura de Bagnoregio nos ensina através da proposição do itinerário que aquele que deu sua ávida por nós, o Jesus Crucificado, nos aguarda ansiosamente porque ele sabe que o filho pródigo sempre retorna a sua casa, mas não antes de provar que é digno da morada de frequentar a casa de Deus Pai Celestial. 

     São Boaventura nasceu na Itália e logo que entrou para a Ordem Franciscana demonstrou o seu talento dado por Deus para a contemplação e para as letras. Viveu a mesma época que o bem-aventurado São Francisco de Assis do qual extraiu a apreciação da pobreza e humildade máximas. Entretanto, a Igreja o escolheu para ser um Santo doutor e cabia a São Boaventura, cujo nome de batismo era Giovanni di Fidanza, tornando-se assim um importantíssimo teólogo e filósofo escolástico medieval do século XIII. 

   No seu pequeno livro, de grande dimensão espiritual, contém tão profundos ensinamentos para quem deseja ter a mente e o coração voltados para Deus é propõe o itinerário para se chegar até a Sagrada Jerusalém, ou seja, o paraíso. Como doutor da Igreja São Boaventura era um homem voltado para a arte de contemplar sobre as coisas temporais e celestiais e buscava uma compreensão, a partir da sua sabedoria lhe dada por Deus, entre aquilo que levava a Deus através da percepção do mundo temporal permitidos pelos sentidos.  

   Na primeira etapa do itinerário, composto por sete etapas, “A elevação a Deus por meio do universo” São Boaventura mostra que o itinerário da mente em Deus não nega o intelecto humano desenvolvido através da observação da natureza, pelo contrário intenta compreender as coisas de Deus através dos sentidos é uma condição necessária para abrir o coração sábio para Deus. “O universo é a escada pela qual acendemos ao Criador”, afirma é ensina o sábio homem de Deus São Boaventura. Então, se o universo é a escada para se chegar a Deus, não devemos conhecer a escada que nos conduz ao Deus Pai Celestial? São Boaventura nos diz que sim. Primeiro devemos ver Deus com humildade e aceitá-lo de todo o nosso coração, mas sendo Deus todo sabedoria e ciência, pois ele é o criador desta, não quereria seus filhos na nuvem da ignorância. Antes, elevar o coração a Deus, depois a mente domada e servil pela fé ao criador. “Para chegarmos à consideração do primeiro Princípio essencialmente espiritual, eterno e acima de nós, é necessário passarmos pelo vestígio, que é material, temporal e exterior. Isto significa pôrmo-nos na via de Deus. É necessário que entremos em nossa mente, que é a imagem eviterna de Deus, e é espiritual e está em nosso interior. E isto significa “caminhar na verdade de Deus”. É necessário, enfim, que nos elevemos até o ser eterno, espiritualíssimo e transcendente, fixando o olhar no primeiro Princípio. Isto significa regozijarmo-nos no conhecimento de Deus e no respeito à sua majestade”

“Portanto, aquele que deseja elevar-se a Deus deve evitar o pecado que desfigura a natureza e deve aplicar as faculdades naturais, acima mencionadas, para adquirir pela oração a graça que reforma, por uma vida santa a justiça que purifica, pela meditação a ciência que ilumina, pela contemplação a sabedoria que aperfeiçoa”

“Quando a inteligência considera o mundo com os olhos da fé, descobre-lhe então a origem, o curso e o termo. Com efeito, a fé nos revela que o mundo teve uma origem pelo Verbo da vida. Revela-nos também que no curso do mundo três leis se sucederam: a lei da natureza, a lei escrita e a lei da graça. Nos diz, enfim, que este mundo terá término com o juízo universal. A inteligência reconhece, destarte, na origem do mundo o poder, no seu curso a providência e no término a justiça do primeiro”

“Cego é, por conseguinte, quem não é iluminado por tantos e tão vivos resplendores espalhados na criação, E surdo quem não acorda por tão fortes vozes. E mudo quem em presença de tantas maravilhas não louva o Senhor. E insensato, enfim, quem com tantos e tão luminosos sinais não reconhece o primeiro Princípio”

   No degrau II, A contemplação de Deus nos seus vestígios impressos no mundo sensível, São Boaventura nos ensina que devemos contemplar a criação, o mundo sensível, o mundo das coisas, que nada mais é que contemplar a natureza e suas leis naturais. Se ignoramos aquilo que Deus criou para a nossa sobrevivência estamos de certa forma ignorando o próprio Deus, pois qual filho e filha não ficam felizes com a casa que o pai lhe dar e ver nesse ato o amor do pai para com os filhos? Com efeito, as coisa de Deus não são deste mundo, mas as coisas a que Nosso Senhor Jesus Cristo se refere são as do Espírito, porém ninguém irá ao Pai se não for por Cristo, Jesus, ou seja, disse  Cristo ninguém conhecerá o Reino de Deus se não nascer novamente, nascer em matéria e nela emancipar o espírito. 

“No espelho do mundo sensível podemos considerar a Deus de dois modos: ou elevando-nos a Ele por meio dos seres que compõem o universo e que são como que vestígios do Criador, ou contemplando-o existente nos mesmos seres pela sua essência, pela sua potência e pela sua presença. Esta segunda contemplação é superior à primeira. Ela ocupa, pois, o segundo lugar e forma o segundo degrau de ascensão que nos conduz à visão de Deus em cada criatura que entra em nossa alma pelos sentidos corporais.”

“O homem, que é um “pequeno mundo”, tem cinco sentidos que são como as portas, por meio das quais o conhecimento das realidades sensíveis entra em sua alma.”

“Ora, as criaturas do mundo visível são os sinais “das perfeições invisíveis de Deus” [Rm 1,20], seja porque Deus é a causa, seu exemplar e seu fim (pois todo efeito é sinal de sua causa, toda cópia é sinal de seu exemplar e todo meio é sinal do fim ao qual conduz), seja por meio de sua própria representação, seja como figura profética, seja pelo ministério dos anjos, seja por uma instituição divina.”

   O terceiro degrau é o que nos leva A contemplação de Deus por meio de sua imagem impressa nas potências da alma. Aqui São Boaventura nos fala da consagração à Santíssima Trindade através de três atividades que fortalecem a alma para se chegar a Deus. A primeira é a atividade da memória que segundo São Boaventura consiste em reter e representar não só as coisas presentes, corpóreas e temporais, mas também as contingentes, simples e sempiternas. A segunda, a atividade da inteligência, que consiste, nas palavras de São Boaventura, em compreender os termos, as proposições e as proposições. Com efeito, na atividade do intelecto que compreendemos aquilo que sentimos no coração.  Deus está nos corações humildes, porém sentir a Vossa sabedoria não é compreendê-la. Para isso é necessário que a mente compreenda a sabedoria que jorra de Deus e que nos envolve com o sagrado. Por isso é preciso cultivar uma mente que medita e contempla com clareza os ensinamentos das Sagradas Escrituras. Por fim, a terceira atividade é  a vontade, que segundo São Boaventura, funda-se na deliberação, juízo e no desejo. Está aí o processo de julgamento pelo qual retiramos o juízo de valor sobre nossos atos. Julgamos as nossas ações em função aos ensinamentos Sagrados do qual buscamos a salvação da nossa alma. 

“Vê, pois, como a alma está próxima de Deus. Vê como a memória nos conduz à eternidade, a inteligência à verdade, a vontade à sua bondade soberana, de acordo com as suas respectivas operações.”

“Nesta contemplação da Santíssima Trindade a alma, mediante as suas três faculdades que a tornam imagem de Deus, é ajudada pelas luzes das ciências, que a aperfeiçoam, a informam e representam a Santíssima Trindade de três maneiras.”

    No quarto degrau, São Boaventura, vai nos falar sobre A alma renovada pelos dons da Graça. Este itinerário conduz-nos à Sagrada Escritura. Nela seguimos na direção das Santas Palavras para o alcance da paz eterna. Seus pontos chaves são as virtudes do amor ou seja Fé, caridade e esperança. Fé que nos fortalece diante do criador e que nos vacina contra o mal deste mundo; caridade que é a essência pura da Sagrada Escritura e a esperança que nos coloca firme de um único propósito, que é servir a Deus. Nisso, ensina São Boaventura, consiste os dons da Graça. Uma entrega total à Santíssima Trindade que através da Sagrada Escritura nos coloca diante do portal da Jerusalém Celeste como prevê as palavras de São Boaventura. O caminho, destarte, não é fácil. Porque estando Deus tão perto conforme lições aprendidas nos degraus anteriores nos mantemos tão distante de Deus. São Boaventura responde que a razão, porém, é fácil de se compreender. A alma humana, distraída pelas preocupações da vida, não entra em si mesma pela memória. Obscurecida pelos fantasmas da imaginação, não se recolhe em si mesma por meio da inteligência. Seduzida pelas paixões, não volta mais a si mesma pelo desejo da doçura interior e da alegria espiritual. Assim, toda imersa nas coisas sensíveis, torna-se impotente para encontrar em si mesma a imagem de Deus

“Uma vez que encheu nossa alma com todas essas luzes intelectuais, a sabedoria divina habita-a como a casa de Deus. Ela se torna filha de Deus, esposa e amiga; torna-se membro, irmã e co-herdeira de Cristo, sua cabeça. Torna-se, enfim, templo do Espírito Santo — templo fundado pela fé, levantado pela esperança e consagrado a Deus pela santidade da alma e do corpo.”

   No degrau V São Boaventura vai falar da contemplação da unidade divina no seu nome principal: o ser. Deus É. Uma afirmação imperativa “Eu sou”. Deus é aquele que não tem princípio nem fim, é o tudo e o nada, e o Alfa é Ômega. Deus é o eterno. Com essa concepção da eternidade e que Deus é a própria nós somos a humilde parte da sua criação. Deus o Incriado, existiu sempre e assim como tudo Nele é infinito, também o é a sua Bondade, infinita, que na Sua infinito amor e misericórdia perdoa os nossos pecados, errantes filhos ingratos que somos. Mas tão infinita é  a sua bondade que mandou o seu Filho Unigênito para sofrer por nós e nos salvar do pecado. 

“Quem, pois, deseja contemplar as perfeições invisíveis de Deus referentes à unidade de sua essência, fixe primeiro sua atenção sobre o Ser mesmo. Verá que o Ser mesmo comporta em si tal absoluta certeza, que é impossível concebê-lo como não existente.”

“Com efeito, se Deus é o ser por excelência, é absolutamente primeiro. Por ser absolutamente primeiro, não foi feito por outro nem muito menos por si mesmo. E, pois, eterno. Se é primeiro e eterno, por isso mesmo exclui toda composição. Portanto, é simplicíssimo. Por ser primeiro, eterno e simplicíssimo, por isso mesmo não há nele mistura alguma de ato e de potência. E, por conseguinte, atualíssimo. Por ser primeiro, eterno, simplicíssimo e atualíssimo, é, por isso, perfeitíssimo: nada lhe falta e nada lhe pode ser acrescentado. Por ser primeiro, eterno, simplicíssimo, atualíssimo e perfeitíssimo, é soberanamente uno.”

   No sexto degraus, São Boaventura ensina a contemplar o bem pela Santíssima Trindade, através do qual devemos elevar o olhar da nossa inteligência à beatíssima Trindade. Deus, nas palavras de São Boaventura, o Sumo Bem, que está sobre nós repleto do seu infinito amor e bem-querer. Bebamos desse Bem que é o nosso Pai eterno e misericordioso. Em sua infinita bondade nos alimentou com a carne do seu Filho Bem-aventurado para matar a nossa fome pela justiça dívida, que nos deu o cálice do seu sangue para saciarmos a sede de amor pelo Pai.

“A perfeita comunicabilidade do Sumo Bem far-nos-á compreender que é necessário existir a Trindade do Pai, Filho e Espírito Santo. Podes ver que, nestas pessoas, a suma bondade exige uma suma comunicabilidade; e a suma comunicabilidade, a suma consubstancialidade; e a suma consubstancialidade, a suma semelhança; e delas todas surge a suma coigualdade, e devido a ela a coeternidade.”

   Por fim, chega se ao último degrau, onde São Boaventura nos mostra como alcançar o êxtase mental e místico no qual a inteligência encontra o repouso e o afeto, pelo êxtase, o passa totalmente a Deus. Feliz aquele que fez o itinerário para Deus. Cultivou a mente perfeita para contemplar a Luz divina, o coração firme na fé e avançou como o bravo que venceu o mal e que agora tem Deus como o seu poderoso escudo e a espada do Nosso Senhor Jesus Cristo à sua frente. Deus seja louvado, Amém.