Certa feita estava assistindo um vídeo do professor Olavo de Carvalho em que ele desenvolvia algumas reflexões sobre o marxismo quando ele falou de um autor e sua obra como sendo um dos mais completos estudos sobre o marxismo. Tratava-se de Leszek Kolakowski e a sua obra “As principais Correntes Marxistas”.  Tempos depois fiquei conhecendo um outro trabalho desse grande escritor e profundo conhecedor do seu tempo. O livro A MODERNIDADE NUM JULGAMENTO SEM FIM, do Kolakowski, é um mergulho na visão de um homem que viveu as agruras da vida como coadjuvante na história do século XX. Ele não via o mundo se esfacelando através da janela à frente da sua escrivaninha.  Ele estava lá, onde a carne era dilacerada, onde a dor é a humilhação são as companhias de quem perdeu total e inexoravelmente a consciência de si e da realidade. Assim como Alexander Soljenítsin, autor da famosa obra reveladora sobre os campos de concentração Gulag, Kolakowski experimentou na pele e na alma o quão longe pode chegar a bestialidade no homem. Quando o mal vem revestido do verniz das boas intenções, quando os fins justificam os meios, somente homens são o laboratório para as mentes doentias. Este homem, culto, marcado pelo seu tempo, expõe nesta obra as suas chagas relendo os aspectos da vida que transbordam em sangue e lágrimas as angústias do mundo em decomposição. Um mundo que se encontra em um julgamento sem fim.

       Quando Kolakowski escreveu “A Modernidade num Julgamento sem fim” o mundo já curvava-se ao autoritarismo das ideias pós-modernas. Na época Kolakowski perguntava-se o que virá depois do pós-modernismo. A resposta é: as raízes do mal só podem brotar o mal pois “pelos frutos vos conhecereis”. Dos magos do pós-modernismo Marcuse, Oppenheimer, Adorno e Benjamin, fundadores da Escola de Frankfurt e de suas perniciosas doutrinas filosóficas, o que podia ficar pior… ficou. O que são as famigeradas Teorias Críticas senão corolário das teorias da Escola de Frankfurt? Livros como “Guerra Cultural” e “Explicando o Pós-modernismo” de Stephen Hicks ou “Teorias Cínicas” de Pluckrose e Lindsay revelam o mal que é o pós-modernismo na prática, no que tem se transformado a sociedade atual. A irracionalidade dos seus idealistas demonstram a total incapacidade de eles se relacionarem com a realidade objetiva num exemplo tácito daquilo que se chama dissonância cognitiva.  Eis o grande mal da Escola de Frankfurt: idealizadas por mentes pervertidas para subvertendo a sociedade e submeterem as pessoas às experiências de engenharia social. 

       O pós-moderno é uma ideia de se é possível viver bem num mundo caótico simplesmente subvertendo valores e a ordem. Isso naturalmente é uma falácia.  Kolakowski se pergunta: Eu não sei o que é pós-moderno e como este difere do pré-moderno, nem sinto que eu deveria saber”. Na verdade, somente os loucos de Frankfurt e os seus seguidores com as suas teorias críticas acham que tudo aquilo que deu origem à civilização ocidental tem que desaparecer para dar lugar ao inverossímil. O que eles postularam foi o fim da civilização paraquedas no lugar fosse erguida as bases para uma civilização, não de pessoas, mas de fantoches. “E o que poderá vir depois do pós-moderno? O pós-moderno, o neo-pós-moderno, o neo-antimoderno?”, continuando Kolakowski infere: “Quando nós deixamos de lado os rótulos, a verdadeira questão permanece: por que o mal-estar associado à experiência da modernidade é sentido de maneira tão ampla, e quais são as fontes desses aspectos da modernidade que fazem desse mal-estar algo particularmente doloroso?”. Sim, caríssimo Kolakowski você não imagina a dor que esses pensamentos da esquerda selvagem tem causado a todos nós, pelo menos àquelas pessoas que são movidas pelo sentimento de verdade e justiça. A curto e médio prazo, numa visão mais otimista, é que não haverá recrudescência pois o que vemos é um avanço cada vez maior dessas ideias incrustadas nos jovens completamente ideologizados pelas teorias críticas.

         Na minha opinião, o livro A MODERNIDADE NUM JULGAMENTO SEM FIM já é um clássico, e se ainda não for um clássico, certamente o será pois o nome de Kolakowski já se encontra entre os gigantes do pensamento político. A compreensão da sua visão política do mundo é fundamental para uma boa reflexão sobre os tempos de hoje. Assim como Raymond Aron, ele escreveu como poucos sobre tempos difíceis, o seu tempo. Como Raymond Aron, ele deixa lacunas, ausência de resposta às perguntas que nos afligem sobre os tempos modernos. Mas, assim como Raymond Aron se não há respostas para os nossos anseios, ele nos coloca, por outro lado, em direção às reflexões que podem um dia nos fazer compreender o julgamento da modernidade. Eis algumas condensações das ideias de Kolakowski:

A crítica da modernidade, seja literária seja filosófica, pode ser vista, em sua imensa variedade, como um órgão de autodefesa da nossa civilização, mas até agora não conseguiu impedir que a modernidade avançasse em uma velocidade sem precedentes.

A questão é que no sentido normal de racionalidade não há mais bases racionais para respeitar a vida humana e os direitos do indivíduo do que digamos, para proibir o consumo de camarão entre os judeus, de carne na sexta-feira entre os cristãos e de vinho entre os muçulmanos. Esses são todos tabus “irracionais”. E um sistema totalitário, que trata as pessoas como partes intercambiáveis na máquina estatal, a serem usadas, descartadas ou destruídas de acordo com as necessidades do Estado, é, em certo sentido, um triunfo da racionalidade. Ainda assim, para sobreviver, ele é obrigado a restaurar relutantemente alguns daqueles valores irracionais e, portanto, negar sua racionalidade, provando desse modo que a racionalidade perfeita é uma meta autodestrutiva.

Estamos todos bem cientes de que poderosas forças culturais estão mesmo nos empurrando em direção à unidade, uma unidade bárbara construída sobre a perda e o esquecimento da tradição.

Outra força desse tipo, proveniente da Europa, é o espírito da tecnologia. Nascido dos sucessos extraordinários da ciênciaincluindo sua luta contra a miséria, a doença e o sofrimento – e acertadamente orgulhoso de suas realizações espetaculares, levou-nos a duvidar do valor e da validade de qualquer tradição que não venha a contribuir para o progresso da ciência e da tecnologia. A redução gradual do lugar e da importância atribuídos às línguas clássicas e às disciplinas históricas como são ensinadas no Ensino Médio em todo o mundo testemunha sua influência destrutiva.

O iluminismo surge de uma herança cristã reconsiderada; a fim de se enraizar, ele deve derrotar as formas cristalizadas e ossificadas dessa herança. Quando de fato começa a se enraizar, em uma forma ideológica humanista ou reacionária, isto é, sob os contornos de Reforma, ele gradualmente se afasta de suas origens para se tornar não cristão ou anticristão. Em sua forma final, o iluminismo se volta contra si, o humanismo se torna um niilismo moral, a dúvida leva ao niilismo epistemológico, e a afirmação do indivíduo passa por uma metamorfose que o transforma em uma ideia totalitária. A remoção das barreiras erguidas pelo cristianismo para se proteger contra o iluminismo, que foi o fruto de seu desenvolvimento, trouxe o colapso das barreiras que protegiam o Iluminismo da sua própria degeneração, seja em direção a uma deificação do homem e da natureza, seja rumo ao desespero.

Ao falarmos de intelectuais como uma classe, não pensamos em todos aqueles profissão relacionada com a palavra, mas naqueles que têm um trabalho em que a palavra se torna, por assim dizer, criativa (tanto quanto destrutiva); desse modo, nós não consideramos aqueles que simplesmente transmitem a palavra com mediadores, mas aqueles que a usam para impor uma percepção específica de mundo a outros, de modo a criar assim um novo mundo.

O intelectual, por outro lado, não é um pesquisador ou descobridor, em um sentido estrito, ele estabelece reivindicações que vão além disso, usa a palavra para sugerir a própria interpretação do mundo, ele não deseja simplesmente transmitir a verdade, mas criá-la. Ele não é um guardião da palavra, e sim um fabricante da palavra.