O livro Vigiar e Punir é uma das mais importantes obras do filósofo francês Michel Foucault (1926-1984). O livro é um estudo sobre os problemas do sistema prisional e as consequências sobre o indivíduo e a sociedade que dele advém, bem como faz uma profunda análise sobre o Estado como responsável por criar e manter um sistema que na sua visão potencializa o crime. Do âmbito da jurisprudência penal a obra versa sobre os limites das penas e suas bases axiológicas sob as quais busca encontrar um sentido para este estado de coisas. Com efeito, Foucault ao passar todo o sistema pela sua ótica, nos leva a reflexão sobre a possibilidade de reconstrução. Neste sentido, Foucault revisita os ensaios de outro grande humanista Cesare Beccaria (1738-1794) na sua própria concepção de justiça criminal histórica.

Segundo a análise foucaultiana há duas vertentes embutidas no sistema: uma criminal, em que o indivíduo faz parte de um projeto de justiça punitiva do qual é vítima da sociedade. A outra, dominante, mostra que o indivíduo infrator se encontra em uma sociedade em que todos os olhares estão direcionados para ele, sujeitando-o ao binômio punir e vigiar. Neste sentido, o Estado exerce a sua função de doutrinador, julgador e executor. O infrator é na sua concepção de Foucault aquele que é instigado ao crime pela própria sociedade que o julga e pune.

Para Foucault antes mesmo de usar o poder estatal de punir para controlar o coletivo, existe o uso abusivo da força coercitiva e que carece de uma análise sobre os meios que a secular sociedade utiliza para punir. Neste contexto, ele condena o sistema penal como fez Beccaria. Como o magistral pensador iluminista, Foucault também empreendeu um esforço intelectual contra as penas cruéis, contra a tortura e a pena de morte. Entretanto, Foucault vai além de Beccaria, pois analisa o sistema não só prisional mas a sociedade como a corruptora do homem, numa visão rousseauniana.

Destarte, Foucault acreditava que o sistema prisional era como um espaço, um lugar de injustiça. Neste lugar todos são prisioneiros dos diversos sistemas que o compõem. Desta maneira, Foucault sugere que o indivíduo é vítima da sociedade de tal maneira que este não tem alternativa a não ser buscar no crime a represália. Nesta visão Michel Foucault deixa para a reflexão a suspeita sobre o crime cometido pelo sistema, não pelo indivíduo. Sendo assim, o filósofo francês sustenta que “a arte de punir, no regime do poder disciplinar, não visa nem a expiação nem mesmo exatamente a repressão. Põe em funcionamento cinco operações bem distintas: relacionar os atos, os desempenhos, os comportamentos singulares a um conjunto,  que é ao mesmo tempo campo de comparação, espaço de diferenciação e princípio de uma regra a seguir”.

A sua teoria sobre o sistema prisional e jurídico como uma maneira de controle do indivíduo foi bem representada pelo esquema que ele desenhou, Mas, vai além disso, pois para ele o sistema extrapola o meio prisional e coloca em reclusão toda a sociedade. Neste contexto, ele mostra que o controle coercitivo existente no binômio vigiar-punir vai muito além das grades da prisão. Para ele é a sociedade que está encarcerada.

Há certo perigo que ronda este fantástico trabalho de Foucault. Este, quando de uma leitura atenta, faz parecer que o criminoso é uma vítima do sistema. Desta forma pode induzir o leitor focado em pontos específicos da obra, a errônea conclusão que o criminoso não é responsável pelos seus crimes. Entretanto, a globalidade da obra, nos remete além desta questão, ainda que não ignore a possibilidade do vitimismo, lança a luz sobre um problema com os sistemas prisionais em todo o mundo. Esta é uma questão que Foucault não esgota em sua obra, mas abre lacunas para reflexões.