Em 1670, o filósofo judeu Bento Baruch Espinosa fazia críticas às bases das religiões cristã e judaica. Suas idéias sobre a relação religião e estado e a interpretação da bíblia causou grande revolta entre os doutores em teologia e rabinos. Elas foram publicadas no livro Tratado Teológico-político. Nesta obra Espinosa defendia idéias perigosas.

O livro Um Livro Forjado no Inferno escrito por Steve Nalder, professor de filosofia da Universidade de Winscosin-Madson, examina a vida do filósofo judeu Benedito Baruch Espinosa (1632) a partir da sua polêmica obra intitulada O Tratado teológico-político, escrito em 1670 em Amsterdã/Holanda. A obra caiu feito uma bomba sobre a comunidade judia portuguesa de Amsterdã e na sociedade Calvinista. Contudo a sua repercussão foi muito maior, alcançando uma grande parte da Europa.

“O tratado foi considerado por contemporâneos de Espinosa como o livro mais perigoso que já fora publicado. ” Steve Nalder. O autor analisa o Tratado buscando explicar a filosofia de Espinosa sobre a ignorância religiosa e os caminhos da razão como forma de alcançar a verdadeira felicidade.

Steve Nalder explica que no Tratado, Espinosa defendia a idéia que a Igreja não deveria se intrometer nos assuntos do Estado e vice-versa. Este mostra o quanto este livro era desafiador ao trazer em suas linhas afirmações perigosas que expuseram os alicerces das religiões monoteístas às críticas e reavaliações dos seus dogmas, tidas pelos religiosos como verdades inabaláveis.

“Espinosa foi o primeiro a argumentar que a Bíblia não é literalmente a palavra de Deus, mas antes de tudo uma obra da literatura; que ‘religião verdadeira’ não tem nada a ver com teologia, cerimônias litúrgicas ou dogmas sectários, consistindo apenas numa simples regra moral – o amor ao próximo -; e que as autoridades eclesiásticas não deveriam ter participação na gestão de um Estado moderno. Sustentava ainda que ‘divina providência’ nada mais é que as leis da natureza, que milagres (compreendido como violação da ordem natural das coisas), são impossíveis, que a crença nele é tão somente a expressão da nossa ignorância das verdadeiras causas dos fenômenos e que os profetas dos Antigos Testamento eram apenas individuo comum que, conquanto eticamente superiores, possuíam imaginações particularmente vívida. ”  Steve Nalder

Segundo o autor, expor estas idéias em uma sociedade que embora estivesse na época entre as que mais demostravam respeitar a liberdade religiosa, era uma afronta aos princípios judaico-cristãos e que por idéias menos ousadas que esta, gente como Giordano Bruno foi queimado na fogueira da Inquisição décadas antes. O resultado de tal ousadia, não chegou a tanto, mas culminou com a expulsão e excomunhão de Espinosa da comunidade religiosa judaica portuguesa.

“Era a mais severa ordenação de herém, ou ostracismo religioso e social, já pronunciada contra um membro da comunidade portuguesa judia de Amsterdã. ” Steve Nalder

Mas qual era o verdadeiro propósito do tratado? Segundo Nalder, era uma preparação para a grande obra de Espinosa que estava por vir e que prometia provocar um terremoto nas bases da igreja e que conteria pensamentos chaves para a formação da sociedade moderna atual: a Ética.

“Em essência ainda um tratado sobre Deus, o homem e seu bem-estar, a Ética foi uma tentativa de prover uma configuração mais plena, mais clara e mais sistemática, ‘à maneira geométrica’, ao seu grandioso projeto metafísico-moral. Uma vez concluída, muitos anos depois, a Magnum opus em cinco partes ofereceria uma rigorosa demonstração do caminho para a felicidade humana em um mundo administrado por estrito determinismo causal e repleto de obstáculo para o nosso bem-estar. ” Explica Steve Nalder, e conclui em seguida: “O Deus de Espinosa não é um ser transcendente, supranatural. Não é dotado dos aspectos psicológicos ou morais atribuídos a Deus por muitas religiões ocidentais. O Deus de Espinosa não manda, não julga e nem faz alianças. Entendimento, vontade, bondade, sabedoria e justiça não fazem parte da essência de Deus. []… Deus não é a providencial espantosa deidade de Abraão. Antes, é a fundamental, eterna, infinita substância da realidade e a causa primeira de todas as coisas. Tudo o mais que existe faz parte (ou é um ‘modo’) da Natureza. “

Esta é uma idéia desconcertante para hoje (os estudiosos chamam estas idéias de panteísmo), imagine para a época. Estes pensamentos filosóficos causaram mudanças profundas na sociedade ocidental.

Certa vez, Albert Einstein respondeu que o seu Deus é o Deus de Espinosa ao ser indagado sobre qual era o seu Deus – Max Jammer, livro Einstein e a religião (2000).

Em um mundo secular em meio a uma guerra mundial religiosa em que a atualidade se encontra, a leitura de Um Livro Forjado no Inferno leva a uma exposição histórica e filosófica das ideias de Espinosa que continuam tão atuais como antes.