Temos aqui uma preciosa análise sobre as ideias que perverteram o século XX, realizada por uma das mentes mais arguta que o Brasil já produziu: José Osvaldo de Meira Penna. Escritor e diplomata, Meira Penna foi um liberal influenciado pela escola austríaca e produziu obras fantásticas sobre a sociedade brasileira na qual ele expressava os seus ideários sobre liberalismo. Entre essas obras, destaca-se o ensaio sobre A Ideologia do Século XX em que temas como nacional-socialismo, marxismo passam por um exame minucioso, sobretudo no tocante a nossa política. Para Meira Penna a história do século XX é a história da resistência contra A Rebelião das Massas descrita por Ortega y Gasset, é principalmente:

“A história do homem singular. É a história do conflito do indivíduo livre, em sua resistência ao avassalamento crescente pela sociedade coletiva, a sociedade de massas que o socialismo e a estrutura de Estado nacional soberano impõem. ”

Este é um grande problema. Enquanto o Estado-nação se colocar sob os mantos do socialismo, do social-liberalismo e do nacionalismo, estaremos presos a ideologia da religião política. Meira Penna esclarece que:

“Ou a humanidade supera a idade do Estado-nação, sacralizado na religião civil do socialismo, ou estará condenada pelos impasses que não podem ser abordados e vencidos a níveis de interesses tribais conflituosos. ”

Com as ideologias, a intelligentsia assumiu a responsabilidade sobre o futuro da humanidade sem se responsabilizar pelas consequências das suas ideias. Reside na forma como eles pensam o mundo, o destino de toda a humanidade. Há, entretanto, um vácuo entre o que pensam os intelectuais e os homens médios. Em A Ideologia do Século XX, Meira Penna propõe no capítulo O Íncubo da Intelectuária a seguinte questão:

“[…] o que dizer de nossas guerras e revoluções sempre iniciadas em nomes de puros ideais de justiça, liberdade, paz e civilizações? O que, para os homens do futuro, significarão termos como nacionalismo, fascismo, socialismo, marxismo, comunismo…? O que dizer das nossas discrepâncias ideológicas que giram, muitas vezes, em torno de noções como mais-valia ou distinções bizantinas quanto ao grau de intervenção do Estado na economia, coletivização da agricultura e nacionalização de empresas, na base de argumentos com distinções maniqueístas de direita e esquerda que jamais são perfeitamente definidas? ”

Não há respostas imediatas para questões complexas à luz desta. Os intelectuais, do alto das suas sapiências, semeiam ideias que na mente do homem comum revelam-se armas de aniquilação que deve ser apontadas para o mundo no sentido de recriá-lo à imagem e semelhança da cosmovisão dos “bem pensantes”. Meira Penna atribui a Rousseau a construção do homem bom ao encontro da perfeição. Para Rousseau o homem era um selvagem inocente e bom, um poço aberto à água limpa ou suja, e a sociedade o vitimou quando colocou água suja em seu poço. Vejamos o que assevera Meira Penna:

“Revivendo a velha heresia pelagiana, Rousseau proclamou a perfeição da natureza humana, negou as consequências do Pecado Original e atribuiu às instituições sociais a responsabilidade única pelas perversidades do mundo. ”

As ideias de Rousseau e as ideologias decorrentes destas foram utopias de consequências terríveis para todos nós. Ao não responsabilizar o homem pelos seus atos, ou nada está errado, negando as verdades, ou alguém vai pagar o pato. Considerando que estas ideias apoiam o coletivo, é o indivíduo que irá pagá-lo: o preço é a liberdade. Meira Penna argumenta que:

“No mundo contemporâneo, a fé se converteu em ideologia científica, a esperança se transformou em expectativas utópicas de uma realização política, no reino da Terra, e o amor se vulgarizou em mero erotismo. ”

A Ideologia do Século XX é uma obra que abre as portas para compreensão do que está acontecendo no mundo. No Brasil, ela é o retrato fiel da política que subverteu o indivíduo em nome do coletivo. Ao examinar os argumentos de Meira Penna, encontraremos a manifestação pela liberdade e o homem receberá o bônus e colherá o ônus por suas escolhas. Somos livres e não somos iguais. Jamais seremos iguais, pois somos complexos demais para aceitar que nossas necessidades, sonhos e desejos estarão num lugar comum ao alcance de todos.