Em 1791, na França em revolução, uma mulher ousou desafiar o establishment da época e foi levada ao cadafalso para ser guilhotinada por aqueles de deveriam ser os seus aliados. Ela era a francesa Olympe de Gouges, que escrevera Os Direitos da Mulher e da Cidadã, que por ter dedicado sua vida à luta pelos direitos das mulheres e dos desvalidos, estava para perder a cabeça na guilhotina dos revolucionários, acusada de “inimiga do povo”. Seus carrascos, as mesmas pessoas e sistemas que prometiam justiça, igualdade e o fim da opressão dos mais pobres,  que derrubara a monarquia de Luís XVI (levando-o também a guilhotina), que deu um jeito de apagar dos livros de história a determinação de uma mulher não preocupada com a militância feminista (aliás essa falácia não existia), mas com igualdade de direitos para todos os cidadãos e cidadãs de bem à luz das leis. Um causa nobre traída por aqueles que se diziam defensores do povo.

Embora em tese as reivindicações de De Gouges estivessem no cerne das questões filosóficas dos intelectuais revolucionários, não faziam parte do censo comum dos revolucionários políticos que pretendiam tirar o poder do soberano rei e entregar ao “povo”. A preocupação de fato, até mesmo para a intelectualidade revolucionária, não era com o problema do povo e sim da mudança do poder das mãos de um soberano humano, para a mão de uma figura abstrata chamada Estado. O povo deixaria de ser governado por uma figura humana perfectível para ser governado por ideias, plantando assim as sementes das ideologias. Neste sentido, Gouges acreditava que havia muita injustiça social e que esta atingia principalmente os mais pobres, as mulheres e os negros. Decorre dessas preocupações o seu engajamento nas lutas sociais que as colocavam diretamente em rota de colisão, não só com os interesses do clero e da nobreza, bem como a deixava em contante conflito com as ideais de liberdade e igualdade dos revolucionários, vez que eles pareciam não dar a mínima para a reivindicação das mulheres.

Ainda que De Gouges gozasse de muitos prestígios na alta sociedade parisiense, suas ideias eram uma oposição aos ditames estabelecidos pela burguesia e pela nobreza. Para piorar a sua situação, os revolucionários não viam as reivindicações de De Gouges com simpatia. Poderiam ser os seus protetores, mas não foram. De Gouges era uma séria ameaça aos direitos, prestígios e riquezas dos poderosos, sobretudo, os ricos senhores de escravos,  que viam na produção intelectual de De Gouges uma afronta aos seus interesses. Isto precisaria de um fim.

Quando percebeu politicamente que as suas ideias eram combatidas com furor pelos seus opositores, principalmente pelo fato de ser mulher, caiu em si e se viu sozinha sem apoio de ninguém. Provavelmente, estes fatos que tanto mal a ela faziam, foi a mola propulsora para ela escrever Os Direitos da Mulher e da Cidadã e o encaminhar para aquela que na sua visão melhor podia representar os interesses das mulheres: a  rainha Maria Antonieta, mulher do rei Luis XVI. Neste contexto, Os Direito da Mulher e da Cidadã, foi também uma crítica ao livro Direitos do Homem, de Thomas Paine, vez que a referida obra não representava às mulheres.

Destarte. como a obra é uma crítica sobre os direitos da mulher numa época em que esta tinha um papel secundário na construção da sociedade, Os Direitos da Mulher e da Cidadã examina o contexto político em que De Gouges construiu as suas ideias bem como as influências por ela recebidas. Foi uma época de muitas revoluções, entre elas a Revolução Francesa (1789). Portanto, De Gouges não era a unica a se revoltar com o absolutismo. Mas, certamente ela se encontrava entre às pessoas de maior agitação social. Consequentemente, De Gouges foi muita influenciada por vários pensadores da sua época. Entre estas pessoas destaca-se a inglesa Mary Wollstonecraft, outra ferrenha defensora dos direitos da mulher, cuja obra Reivindicação dos Direitos das Mulheres,  inspirou De Gouges a escrever Os Direitos da Mulher e da Cidadã. Com efeito, Dallari, o autor da presente obra que homenageia De Gouges,  demonstra que várias mulheres tiveram atuação importantíssima na busca pela igualdade de direito entre homens e mulheres. Mulheres influentes como Madame Condorcet esposa do marquês de Condorcet e Théroigne de Méricourt, senhora da alta sociedade francesa, estiveram entre os iminentes pensadores da Revolução Francesa.

A revolução advogava pelos direitos políticos dos homens, para os homens e nada para as mulheres. Os desafios eram imensos, pois tratava-se de um mundo dominado por homens. Por causa disto, nenhuma dessas grandes mulheres realizou plenamente as missões a que se propunha. Entretanto, elas foram vozes que não foram facilmente caladas, ou até mesmo, não calaram. Pelo contrário, suas vozes ecoaram por gerações que gradativamente conquistaram seu espaço, seus direitos e respeito. Madame Roland, outra importante figura feminina na Revolução Francesa, foi acusada pelos revolucionários de inimiga do povo e antes de ser guilhotinada lamentou: “liberdade, liberdade, quantos crimes se cometem em seu nome”, nos revela Dallari.

Certa vez o empresário Antônio Ermírio de Moraes expressou o seguinte em seu livro Somos Todos Responsáveis: “a inércia do presente é  a condenação do futuro.” Vê-se com o tempo que a luta dessa mulheres não foi em vão. Pelo contrário, suas conquistas em um pouco mais de dois séculos são evidentes. As mulher Ocidental gozam de plenos direitos de igualdade. Infelizmente, ainda não podemos pensar assim em relação a todos os povos do nosso planeta. Há, por um lado, o movimento feminista que se veste de radicalismo e do outro as milhões de mulheres que vivem sob regimes de segregação e morte das mulheres na maior parte do Oriente e do Oriente-médio.

Eis artigos que compõem o documento Os Direitos da Mulher e da Cidadã endereçados à Maria Antonieta, rainha da França, em que fica claro que De Gouges via a liberdade e a igualdade de direitos aplicados a todos independentes da cor, sexo, religião e raça. Seu sonho era de viver num mundo em que todos são iguais e que a cada um será dado de acordo os seus méritos oriundos de seus talentos.

“Artigo II  – A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis da mulher e do homem: esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e sobretudo a resistência à opressão.”

“Artigo VI  – A lei deve ser a expressão da vontade geral; todas as cidadãs e todos os cidadãos devem concorrer pessoalmente, ou por seus representantes, para sua formação; ela deve ser a mesma para todos: todas as cidadãs e todos os cidadãos sendo iguais a seus olhos, devem ser igualmente admissíveis a todas as dignidades, postos e empregos públicos, segundo suas capacidades, e sem outras distinções que as de suas virtudes e de seus talentos.”

“Artigo XII – A garantia dos direitos da mulher e da cidadã deve decorrer de uma utilidade maior, essa garantia deve ser instituída para beneficio de todos. e não para o benefício particular daquela a quem ela é dada.”

“Artigo XVI  – A Constituição é nula, se a maioria dos indivíduos que compõem a nação não cooperou para sua redação.”

A esquerda revolucionária protagonizou o papel da morte e do ostracismo sobre aquelas que pretendiam igualdade de direitos, que defendiam a propriedade e exigiam segurança. Elas reclamavam o trato com dignidades e respeito às mulheres na observância das leis. Conscientes do seu papel na sociedade diante das Leis de Deus e das leis dos homens, sonharam com uma sociedade que tem como princípio a equidade entre homens e mulheres. Que as feministas de hoje (na época não havia esta palavra) sejam menos militantes de uma guerra entre homens versus mulheres e busquem, através da colaboração, a plena convivência em harmonia. É preciso lembrar que antes de serem homens e mulheres, são seres humanos, por isso são irmãos em Deus. Portanto, baixem as armas e trabalhem juntos por um mundo de mulheres e homens, meninos e meninas. Cada um fazendo a sua parte sabendo que um é a metade do outro.