Entre as poucas certezas da vida, há uma que afirma que todos nós vamos um dia precisar pelo menos de um médico ou de um advogado. Nas mãos dos dois, o destino daqueles que dependem de suas habilidades para vencer as armadilhas da vida. Tão antiga quanto à medicina, a história dos advogados em muito contribuiu para o progresso material e moral do homem. A trajetória desta nobre arte está descrita em “Como os advogados salvaram o mundo“, livro de autoria de um dos maiores nomes brasileiros da área de direito: José Roberto de Castro Neves que declara: “a humanidade não seria o que hoje é se não fossem os advogados”.

De Roma a Idade Média

O primeiro capítulo do livro inicia com a seguinte pergunta: O mundo seria melhor sem os advogados? Eis aqui uma questão que poderia facilmente fazer parte dos maiores dilemas da humanidade. A resposta a esta e a outras perguntas encontram-se nas páginas deste maravilhoso livro. Da Roma antiga e seu Direito romano (753-565 a.C.) – o berço do Direito ocidental –, ao dever e compromisso com a ética, o leitor mergulhará neste fantástico mundo daqueles que carregam nos ombros o compromisso de ajudar a construir um mundo justo.

Em Cícero (106-46 a.C) e Tribonianos (500 d.C) encontra-se o início do pensamento jurídico que irá florescer no Ocidente. O mundo, então, encontra no Direito romano os princípios filosóficos que mais tarde inspiraria as mentes mais férteis na fantástica luta pela liberdade. Ao longo da história dos ilustres protagonistas do pensamento ocidental, Neves descreverá como a advocacia esteve presente nos momentos mais importantes da história da humanidade e como isto contribuiu para a modernidade.

Aqui, Neves relata o importante papel da escola de Bolonha (1088) na reconstrução do pensamento jurídico e por onde passaram figuras de altíssima relevância para os estudos do Direito. Neste mesmo período, sob a influência dos papas-advogados, nasceu a nova igreja. Neves afirma que a partir do papa Gregório VII (1020-1085) “todos os papas de destaques eram advogados; a corte pontifícia, ou a cúria, tornou-se primariamente uma organização jurídica”.

Assim, nascia uma nova era para o pensamento jurídico. Homens como São Tomás de Aquino (1274) e Santo Ivo de Kermartin (1303) construíram novos princípios jurídicos, agora pautados por intensas reflexões e agitações religiosas. Os santos homens advogados, então, passam a legislar em causa de um pensamento jurídico mais moral e ético em consonância com a Ordem de Deus. Era a fé e o homem no centro de suas preocupações em defesa da ética cristã.

Desta maneira, a igreja encontra-se diante dos dilemas da fé e da secularidade, explica Neves. Surgem os advogados eclesiásticos e suas teses teológicas em que a sabedoria do advogar faz-se notar em toda a sua plenitude. Eles se tornam protagonistas das maiores mudanças pelas quais passaria o cristianismo. Entra a era dos reformistas. As habilidades advocatícias seriam fundamentais para a reforma da Igreja e encontra em Martin Lutero (1546) um destemido defensor que com as suas 95 teses pretendia uma reforma geral na igreja. Este foi o mesmo caminho seguido por John Calvino (1564). Ambos, diante dos abusos da igreja, usaram das habilidades de advogados para defender suas ideias sobre a Fé, Deus e a Igreja.

O renascimento, novo pensamento jurídico

Neves demonstra que a grande mudança no pensamento jurídico veio com o advento do iluminismo. Nascem os jurisnaturalistas, floresce o pensamento científico. No jusnaturalismo ou o direito natural, cuja teoria defende que o bom senso, a racionalidade, a equidade e o pragmatismo são elementos constituintes do pensamento jurídico harmonizando-os na luta pela liberdade. Desta forma iniciava-se a constituição dos princípios fundamentais da liberdade que tanto inspiraram grandes personagens da história da humanidade como Michel de Montaigne (1592), Rene Descartes (1650), Montesquieu (1755) e Cesare Beccaria (1794). Estes pensadores iluminaram o trabalho do advogado contribuindo para o fortalecimento dos princípios jurídicos. Estes são o prelúdio para um novo começo na história da humanidade. Fato que, segundo Neves, se concretiza na Paz de Vestfália (1648) – que pôs fim na guerra dos 30 anos, cujo conjunto de decisões inaugurou o moderno sistema Internacional, ao acatar consensualmente noções e princípios, como o de soberania estatal e o de estado-nação, terreno fértil para o exercício do ofício de advogado. Esta nova organização do mundo descreve na trajetória do advogado o papel crucial nas decisões mais importantes para o futuro da humanidade. A habilidade do advogado se faz necessária neste momento de tanta transformação.

Em momentos cruciais, com seus desfechos que mudaram o mundo, o advogado estava lá resgatando os velhos espíritos e os moldando à nova ordem. Pergunta-se: Coke, Cromwell, Shaftesbury, Adams, Jefferson, Madison, Hamilton, Jay, Robespierre, Danton,  Saint-Just e tantos outros vultos históricos e marcantes – o que eles têm em comum além de serem importantes pensadores que transformaram a humanidade? Segundo Neves, todos eram advogados. Aqui Neves comprova que onde houve um evento transformador dos caminhos do homem, qualquer que fosse a direção, havia a figura do advogado. Eles mudaram o mundo e ajudaram a reconstruir por várias vezes aquilo que o homem destruía. Os advogados agitavam a bandeira da justiça, da moral, da ética e da liberdade. É verdade, alguma vezes, os advogados se colocaram contras estes valores. Porém, as sociedades se modificam, assumem várias faces e tornam-se complexas, pois complexos são os anseios humanos. Diante disso, avisa o autor, os advogados tornam-se mais e mais necessário para defender o homem do próprio homem.

Uma contribuição para a humanidade

Este é um livro simples, profundo e acessível para todos os níveis de leitor. Uma obra que além de esclarecedora é uma enciclopédia da história desta profissão tão erradamente desejada – dado que muitos visam o status que esta oferece, e tão mal conduzida, porque mal compreendida. Quem se lança na leitura de “Como os advogados salvaram mundo” não desnuda somente a história dos advogados, mas encontra-se diante de reflexões que conduzem a amar e tornar o direito e a advocacia símbolos da prudência e justiça, dado que a lei por si é insuficiente sem a figura do advogado para interpretá-la, traduzi-la e conduzi-la.

Para aqueles que desejam um dia se tornar um advogado, este livro é uma fonte inspiradora e uma leitura recomendada. Para os que estão preste a se formar em direito, este livro é também uma fonte de inspiração sobre o dever que o advogado tem com a ética e com a preservação da tradição de suas escolas fundadas há tanto tempo.

Portanto, Neves encerra esta obra, presenteando o leitor com os mais importantes documentos produzidos pelo homem na sociedade moderna – A Declaração da Independência e a Constituição dos Estados Unidos da America, A Bill of Right, A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, e por ultimo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Documentos este de suma importância para o fortalecimento da democracia.

Para encerrar este pequeno texto, deixo aqui uma reflexão do Dr. Jose Roberto de Castro Neves. Esta é muita mais que uma reflexão, é um apelo para o jovem advogado do hoje e do amanhã, cuja missão vai além do ato de advogar na defesa dos nossos direitos, mas que é também uma crítica das distorções no curso do ofício, guardiões das suas tradições filosóficas e, quando necessário, ser capaz de denunciar as suas violações.

“Ao enfrentar odiosa injustiça e deslealdades, deve-se manter a vigília para não reagir com novas injustiças e deslealdades. Ao devolver uma grosseria com outra, ao contra-atacar com a mesma arma vil, o homem apenas contribui para legitimar o mal. A besta nunca morre definitivamente se quem a abate é outra besta. Para morrer, a besta deve sucumbir à civilidade.”

Direitos e Justiça são inseparáveis, sustenta Neves. Lição primordial para os calouros tanto quanto para os veteranos. Por isso Neves adverte que “o Direito sem valores é como uma arma sem mira. O mais profundo conhecimento jurídico, detido por quem não tem ética, é como óculos nas mãos de um cego”.