LIBERALISMO E DEMOCRACIA

O livro “Liberalismo e Democracia” conduz o leitor ao vigoroso pensamento político de Norberto Bobbio. Filósofo, político e professor, ele foi considerado o “mestre do pensamento” e uma das mentes mais brilhantes do século XX. A sua teoria sobre política e os seus estudos sobre a filosofia do jusnaturalismo em muito contribuíram para a compreensão dos fenômenos políticos. Esta obra, “Liberalismo e Democracia”, é uma inspiradora reflexão sobre o pensamento liberal e a democracia, de modo que estabelece um campo de estudo de grande importância para a compreensão histórica e filosófica das ideias políticas. É uma obra pequena, de cunho didático, mas de uma profundidade teórica que somente as mentes como a de Bobbio são capazes de concebê-la. O livro é de natureza acadêmica, mas que ainda assim alcança o público médio devido a forma simples de Bobbio escrever sobre teorias políticas, fugindo assim dos rigores da linguagem acadêmica, tão comum em obras deste quilate.

Obra atemporal, o livro é um caminho indicado para quem quer entender a política dos nossos tempos. Suas teorias não se distanciam da prática. Pelo contrário, as duas se fundem e dão um sentido tão autêntico quanto superior aos estudos das tradições filosóficas políticas, tudo isso à luz da realidade de um mundo que ainda parece buscar o amadurecimento político. É, assim, uma obra suprema em todos os sentidos e completa, apesar do reduzido tamanho, mas que não se esgota em si, pois Bobbio não pretende assim fazê-lo. Pelo contrário, o que ele fez foi tentar colocar diante dos leitores possibilidades para propor novos caminhos evolutivos para o pensamento político. Ao discutir aqui sobre liberalismo e democracia, Bobbio não redefine conceitos, mas desconstrói paradigmas e ideias pré-concebidas.

Conhecendo a obra de um mestre

No primeiro capítulo Bobbio examina a antítese existente entre os ideais do liberalismo e da democracia, sustentando ao analisar sob a perspectiva temporal, que o liberalismo busca a limitação do poder do Estado enquanto a democracia lança-se na tentativa de distribuir o poder para o povo, que se torna sua fonte e legitimação. Esta é uma perspectiva, para ele, “do antigo” e “do moderno” que se diferenciam em suas teses, mas que jamais se anulam mutuamente, chegando mesmo a se complementarem. Entretanto, mesmo o eventual antagonismo entre as ideias liberais e democráticas muitas vezes leva a excessivas bifurcações permeadas por muitas contradições. A dicotomia entre estes dois valores políticos deve-se a duas doutrinas: o individualismo, que faz parte do liberalismo, e o igualitarismo sob o qual se sustenta o ideal da democracia. Eles se chocam, pois, para Bobbio, liberdade e igualdade muitas vezes são conceitos que na prática mostram-se inconciliáveis.

Em sua análise sobre os direitos do homem, Bobbio sustenta que “sem individualismo não há liberalismo” e que “o exercício do poder político só é legítimo se estiver fundado sobre o consenso daqueles sobre os quais deve ser exercido e, portanto, sobre um acordo entre aqueles que decidem submeter-se a um poder superior com aqueles a quem esse poder é confiado”. Assim, Bobbio conclui que “o que une a doutrina dos direitos do homem e o contratualismo é a comum concepção individualista da sociedade”. Esta concepção sugere que primeiro existe o indivíduo e que a sociedade vem depois e, desse modo, o poder soberano submete-se ao jusnaturalismo, ou seja, aos direitos naturais do homem, que traz a liberdade individual como o maior direito natural.

Liberdade, igualdade e poder

Bobbio afirma que, “do Estado de direito em sentido forte, que é aquele próprio da doutrina liberal”, ou seja, o Estado que é dirigido pelas leis, “são parte integrante todos os mecanismos constitucionais que vetam ou obstaculizam o exercício arbitrário e ilegítimo do poder e impedem ou desencorajam o abuso ou o exercício ilegal do poder”. Este abuso só pode ser vetado pelo limite de poder do Estado em um Estado de direito e com a consequente redução das suas funções. Esta reflexão de Bobbio leva à conclusão de que o Estado liberal é aquele cujo poder está limitado às leis e cujas funções estão reduzidas ao mínimo.

Liberdade e poder, segundo as concepções de Bobbio, são duas realidades antagônicas que se anulam a medida que uma ou outra cresce. Onde floresce a liberdade, murcha o poder. Onde o poder do Estado cresce, fenece a liberdade individual, diz Bobbio. O Estado liberal é aquele em que o poder do estado é limitado e, portanto, nesta condição, o indivíduo está diante das belas asas da liberdade. No entanto, Bobbio nos diz que, do ponto de vista do indivíduo o Estado é um mal necessário e o seu fim único é permitir que o indivíduo, através dos seus esforços próprios, se realize em toda a sua complexidade. Portanto, o poder de Estado tem que ser limitado, para que o indivíduo tenha a liberdade necessária para alcançar a felicidade. São duas forças que se equilibram num jogo delicado.

O Bobbio explica que, em um Estado liberal o indivíduo constrói relações de interesses recíprocos e individualistas. Analisa também, no capítulo “Antagonismo fecundo”, como a sociedade antagônica se contrapõe à sociedade harmônica. Aqui, Bobbio cita Immanuel Kant para mostrar que é o indivíduo a alavanca para o desenvolvimento: “Agradeçamos, pois, à natureza pela intratabilidade que gera, pela vaidade que produz a inveja competitiva, pelo sempre insatisfeito desejo de ter e de dominar! Sem isso, todas as excelentes disposições naturais da humanidade permaneceriam sem desenvolvimento em um sono eterno”.

A tirania da maioria versus a tirania da minoria

Na minha opinião, o capítulo “A tirania da maioria” é o mais importante desta obra por ser uma reflexão sobre os grandiosos trabalhos de Alexis de Tocqueville sobre a democracia. Bobbio extrai de Tocqueville – sem superá-lo e, muito menos, sem estar aquém dele –, e harmoniza com este na ideia de que a vontade da maioria pode, em certos aspectos, levar ao despotismo. Bobbio concorda o pensamento de Tocqueville sobre estes perigos e cita uma das suas reflexões mais impactantes sobre a democracia. Tocqueville afirmara que a ameaça que tem origem na democracia como forma de governo é “a tirania da maioria”. Nesta expressão reside toda a preocupação que Tocqueville tinha sobre um sistema de governo feito pelo povo. Bobbio concorda com Tocqueville ao afirmar que “o perigo que a democracia corre como progressiva realização do ideal igualitário é o nivelamento, cujo resultado final é o despotismo”.

Isto é um passo para tirania e, por isso, um passo para a negação da liberdade. Tanto Tocqueville quanto Bobbio acreditavam que a igualdade e a liberdade são faces da mesma moeda num governo totalitário. Onde impera uma, míngua a outra, e o indivíduo terá sempre que escolher uma em detrimento da outra. Assim, um governo da maioria que visa atender o direito de todos tende a fracassar exatamente neste objetivo, não atendendo a ninguém e criando impasses de difícil solução. Desta forma, refletindo sobre Tocqueville, Bobbio assevera que, “entre os efeitos deletérios da onipotência da maioria estão a instabilidade do Legislativo, a conduta frequentemente arbitrária dos funcionários, o conformismo das opiniões, a redução do número de homens ilustres na cena política”.

Este último efeito deletério é objeto de estrema preocupação por qualquer sociedade que prima por um elevado grau de felicidade dos indivíduos. Bobbio só não sabia que mais tarde, esta regra seria subvertida por uma nova tirania, aquela que dá razão incondicional à minoria, ou seja, o direito da minoria sobrepõe o direito da maioria, fazendo assim surgir a tirania da minoria.

Conclusão

Neste pequeno porém precioso tratado, Norberto Bobbio fez profundas reflexões sobre os caminhos do liberalismo e da democracia. Aqui, ele examinou sua história e filosofia, bem como suas distorções e contradições. Não fez nenhuma previsão em relação ao futuro desses sistemas, entretanto criou as condições para a reflexão sobre o seu futuro. E é justamente este futuro que tanto preocupa, pois parece que hoje o meio político está excessivamente tomado por uma demagogia que se espalha em metástase pela sociedade. Não há mais brilhos no debate político em nenhuma das muitas instituições da sociedade. O homem político, sobretudo o brasileiro, esvaziou-se de si mesmo, e como diria Ortega y Gasset, são boias que derivam neste mar de mediocridade.

O tempo passou e o significado de liberal adquiriu novas acepções que muito distorcem os seus princípios originais, a exemplo: a grande confusão que se fazem ao tratar sem distinção de princípios o liberalismo econômico, político e social. Alias, este último, o liberalismo social carece de estudos profundos para a compreensão dos fenômenos sociais em que se confundem liberdade com anarquia. A democracia antes o governo da maioria, e que agora quando se torna uma tirania da minoria, cria uma distorção que subverte o seu valor maior e finda o conforme alertaram Tocqueville e Kant, que previam equivocadamente que a democracia tinha tudo para dar errado. Os professores de Harvard Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, autores da obra “Como as Democracia Morrem” (2018), demonstram que a democracia cruza os caminhos perigosos da demagogia e que cada vez mais se abrem as portas do poder para entrada de pessoas que não têm experiência com política. A tirania, segundo a ótica destes autores, nunca esteve tão ameaçadoramente próxima da democracia.

Bobbio conclui este trabalho suscitando duas questões para pensamento sobre o futuro da democracia e do liberalismo: o de que fica muito claro que não se chegará tão cedo a uma fórmula capaz de nos conduzir ao consenso político sobre estas duas vertentes, principalmente agora que vivemos a era da ascensão dos demagogos.

Enfim, liberalismo e democracia são duas teorias políticas que, na prática se traduzem no Estado com o mínimo de função e que tenha como objetivo supremo a promoção da felicidade do indivíduo. A democracia caracteriza-se pela vontade de todos para o bem comum. É uma busca repleta de conflitos que dão lugar a intensos debates em todas as sociedades conhecidas e se torna, essa busca, o maior desafio do nosso tempo.

Título original: Liberalismo e democrazia

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1 Comentário

  1. Prezado, em determinado momento da minha visita, hoje meu compadre, me disse ” você só poderá ajudar o outro se primeiro se ajudar”, me coloque a pensar por um tempo!!! Mas este tempo me.fez, estudar e ler, lógico não o suficiente e desejado, mas o suficiente para entender! “Pirâmide de Maslow” que! Quando as necessidades básicas do cidadão, não são atendidas, tipo a construção de uma imóvel, ele não se sustentará por muito tempo, ficará vulnerável as intempéries do intempéries do tempo!!!
    Não esqueça que o estado que temos hoje é e será furto do indivíduo que o crítica-o, mas faz parte dele!!! estranho não?
    Precisamos dá a este ser a condição se ser livre através do pensamento, ser antes de ter!!! o pensar é e sempre será transformador dentro das sociedades!!!!
    Análise nossa realidade: 1. Greves de professores, sempre inicia-se no início do ano; onde o melhor professor do mundo é um Queniano! Veja a reportagem! 2. Aumento da passagem de ônibus, Salvador-BA, acontece após o Carnaval; 3. Andam dissendo que Salvador-BA, é uma cidade do Turismo! Só! discordo!!!!
    Então prezado, liberdade e democracia, acredito que possam caminhar juntas e unidades, dentro de um ambiente participativo, de todos, sem omissões, buscando o bem comum, para todos ou apresentando para este cidadão e dando para ele a capacidade de escolha, onde esta escolha foi fruto das suas convicções, sejam elas individuais ou coletiva, determinando o seu futuro e os demais……