Quando se pensa em grandes bibliotecas na antiguidade a primeira a ser lembrada é a biblioteca de Alexandria (280 a.C). Famosa pelo volume de obras e documentos que formavam o seu acervo e pelo incêndio que a destruiu, representou a maior concentração de registros sobre o conhecimento da antiguidade. Entretanto, em Bagdá, o segundo califa abássida Abu Jafar al-Mansur (714 – 775), homem de elevado intelecto e amante das artes e da ciência, mandou construir a biblioteca real a qual denominou Bayt al-Hikma, que significa Casa da Sabedoria. Esta biblioteca continha escritos sobre as mais diversas áreas do conhecimento científico, filosófico e religioso da época, principalmente aqueles que vinham da cultura greco-romana e indiana. Além disso, havia importantes contribuições dos homens de saberes árabes, suas descobertas e criações. Este é um valoroso legado deixado pelos muçulmanos.

Após a morte do profeta Maomé, em 632, os árabes chegam a Espanha e a tornam a entrada para a influência árabe e de várias culturas orientais, sobretudo a cultura grega. Uma conquista de árabes e europeus. Quem ganhou foi a humanidade, que floresceu com o conhecimento levado aos europeus pelos árabes. Foram séculos de luzes para o mundo Ocidental, tirando-o da ignorância medieval. A escolástica nasceu graças aos estudos da filosofia grega (não estou aqui desmerecendo o magnífico trabalho de S. Tomás de Aquino) e foi através dos árabes que muitos originais de Aristóteles (384-322 a.C) chegaram a Europa.

  A história da “Casa da Sabedoria” representou o esforço de um povo na preservação e disseminação do conhecimento, não só preservou a sua própria história, assim como a história de muitas civilizações antigas. O livro “A Casa da Sabedoria” do escritor Jonathan Lyons descreve como a valorização do conhecimento pelos árabes transformou a civilização ocidental. O livro representa, também, uma crítica ao não reconhecimento, hoje, do quanto a ciência e a filosofia árabes e as traduções das grandes obras filosóficas gregas foram responsáveis pela evolução do Ocidente.

  Atualmente, poucas pessoas conhecem o legado científico e filosófico deixado pelos árabes da antiguidade. Poucas pessoas já ouviram falar ou leram Avicena, al-Farabis, al-khwarizmi e Averróis. Não aprendemos isto na escola. Pelo contrário, o Ocidente apagou dos livros didáticos qualquer menção aos feitos árabes nas áreas de ciência e filosofia. O pouco que foi feito, não recebeu o valor e divulgação que merece. Na matemática, por exemplo, as contribuições árabes foram muitas e em vários sentidos. Não só revendo e aperfeiçoando axiomas, criando o algarismo, traduzindo e publicando obras como “Elementos” de Euclides (300 a.C). Mas isto não é divulgado no Ocidente. Não há reconhecimento.

  A literatura árabe no ocidente limita-se às histórias e contos do “Mil e uma noites” que inspiraria, séculos depois, a produção cinematográfica “Ali Babá e os quarenta ladrões”, este último, de intenções duvidosas. Realmente, são poucas as obras escritas por árabes sobre sua história, cultura e contribuição para o conhecimento que chegaram ao Ocidente. No Brasil encontram-se poucas obras que descrevam a importância dos árabes para a cultura Ocidental.   Neste mar de exceções destaca-se a fabulosa obra “O homem que Calculava”, livro de Malba Tahan (pseudônimo do brasileiro Júlio César de Melo e Sousa) que, inspirado nas narrativas dos contos de “Mil e uma Noites”, nada mais é que uma forma de tornar a matemática mais atrativa para os jovens.

   Claro que há obras de cunho religioso-filosófico que chegaram até nós como “O Profeta”, de Khalil Gibran. Mas obras como esta mostram apenas um lado da história, as quais conhecemos bem sob a forma do islamismo. Na realidade, o mundo ocidental ignorou completamente todo o esforço empreendido pelos árabes para levar o conhecimento para todas as partes do mundo. “A ciência e a filosofia árabes ajudaram a resgatar da ignorância o mundo cristão e possibilitaram a própria ideia do ocidente. No entanto, quantos de nós reconhecem hoje essa dívida enorme para com os árabes, para não falar em tentar pagá-la?”. Assevera Lyons.

  Portanto, o Jonathan Lyons propõe em “A Casa da Sabedoria” uma reflexão esclarecedora sobre a visão que nós temos, hoje, do mundo árabe, numa tentativa, talvez, de reconciliar a história com o presente. A história da ciência é feita de muitas histórias. Neste livro, aprendemos sobre a história da “Casa da Sabedoria”, e ela faz parte da história da humanidade.