A Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 1948, destaca a liberdade como um dos mais importantes valores da sociedade humana. Inspirada na Revolução Francesa (1789) e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da mesma época ela é um freio aos excessos cometidos contra os indivíduos diante das distorções das ideias de justiça. A Declaração Universal dos Direitos Humanos tem relação direta com as ideias que Cesare Beccaria (1738-1794) escreveu em sua importante obra Dos Delitos e das Penas. Em suas reflexões Beccaria desferiu duras críticas ao sistema penal da sua época e questionou a sua validade assim como a autoridade dos seus ordenadores.

Ao perguntar: “qual a origem das penas, e qual o fundamento do direito de punir? Quais serão as punições aplicáveis aos diferentes crimes?” Beccaria questiona por quais princípios o homem (entenda-se o Estado) atribui a si o poder de punir aos criminosos uma quantidade imensa de suplício com extrema crueldade, vez que, ao que lhe parece, a justiça é seletiva e serve em maior grau aos interesses de uma minoria poderosa ao passo que condena quem dela precisa a tratamentos desumanos. “Entre os homens reunidos, nota-se a tendência contínua de acumular no menor número os privilégios, o poder e a felicidade, para só deixar à maioria miséria e fraqueza”, afirma Beccaria.

Para Beccaria o suplício e a morte dos condenados não parece um opção útil e indispensável para segurança e ordem da sociedade. Ele não acredita que os tormentos e torturas são instrumentos justos e que estes conduzem aos fins que as leis se propõem. Ele critica veementemente a falta de amadurecimento das penas em função das transformações culturais pelos quais passam as sociedades.

O senso de justiça e humanismo que brotavam da pena de Beccaria clamavam por julgamentos imparciais e penas justas de acordo a gravidade do delito e independente da esfera social a que pertencia o criminoso. Ele criticava o sistema penal da sua época por achar demasiado desumano e burocrático. A burocracia só aumentava o sofrimento do presumido inocente. Beccaria propôs uma reflexão sobre as origens da pena e sob quais direitos pode o homem imputar a pena a outrem. Ele inferiu que o homem cede parte da sua liberdade para o Estado na condição de que este se sujeitará aos rigores legais imputados pelo Estado na garantia da ordem e da prosperidade. Assim, Beccaria ver neste princípio de liberdade o fundamento do direito de punir e argumenta: todo exercício do poder que se afasta dessa base é abuso e não justiça; é um poder de fato e não de direito…” do mesmo modo afirma que “as penas que ultrapassam a necessidade de conservar o depósito da salvação pública são injustas por sua natureza; e tanto mais justa serão quanto mais sagrada e inviolável for a segurança e maior a liberdade que o soberano conserva aos súditos”.

Ao refletir sobre a interpretação das leis, Beccaria defende que o texto da lei deve ser claro e de fácil compreensão, inclusive por aquele sobre o qual a lei se aplica. Para ele, a dificuldade de interpretação da lei é um corolário contributivo para o cometimento das mais atrozes arbitrariedades. Cabe aos doutores da lei tudo fazer para a simplificação dos textos da tão nobre doutrina. Beccaria diz que “o juiz deve fazer um silogismo perfeito..”, e completa “se o juiz for constrangido a fazer um raciocínio a mais, ou se o fizer por conta própria, tudo se torna incerto e obscuro”, a isto ele acrescenta “nada mais perigoso do que o axioma comum de que é preciso consultar o espírito das leis” donde ele conclui que “o espírito de uma lei seria, pois, o resultado da boa ou má lógica de um juiz, de uma digestão fácil ou penosa, da fraqueza do acusado, da violência das paixões do magistrado, de suas relações com ofendido; enfim, de todas as pequenas causas que mudam a aparência e desnaturam o objeto no espírito inconstante do homem”. Neste contexto Beccaria recomenda não confiar na visita ao espírito das leis, dado que ao fim e ao cabo são as imprecisões do caráter humano e possíveis visões distorcidas da realidade fortemente influenciadas por suas percepções é que vão dar o veredicto final.

Devido as suas criticas e ideias contidas em seu livro Dos Delitos e das Penas Beccaria ganhou relevo considerável como principal representante no iluminismo e deu muitas contribuições para a Escola Clássica do Direito Penal. Certo é que Beccaria, mediante seus pensamentos em pró de um sistema penal mais justo e humano, foi um grande humanista da sua época. Com efeito, Seu espírito humanista está enraizado de maneira incontestável nas linhas do seu Dos Delitos e das Penas.

Longe de um consenso entre os seus pares, Beccaria sofreu pesadas criticas a sua obra. Segundo o julgamento dos opositores de Beccaria, Dos Delitos e das Penas é uma obra demasiadamente condescendente com os criminosos, sendo esta um ataque claro e direto ao sistema penal e às instituições. Obviamente os ilustres homens do saber jurídico não compreenderam a revolucionária proposta sugerida por Beccaria para o sistema penal. Por conseguinte, de forma preconceituosa, tacharam Beccaria de louco e irresponsável e a sua obra de um punhado de ideias absurdas. Entretanto, Beccaria argumenta que os ataques desferidos à sua pessoal serão bravamente suportados pois ele busca a força necessária para enfrentar os seus oponentes na certeza de que: “se, ao sustentar os direitos do gênero humano e da verdade invencível, contribuí para salvar da morte atroz algumas das trêmulas vítimas da tirania, ou da ignorância igualmente funesta, as bênçãos e as lágrimas de um único inocente, reconduzido aos sentimentos da alegria e da felicidade, consolar-me-iam do desprezo do resto dos homens”.

Inimigo de qualquer forma de tortura, Beccaria defendia o banimento do vergonhoso expediente e desrespeito à dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da justiça. Para ele, independente do crime, a tortura era uma afronta a esta dignidade. Portanto pregava que a tortura fosse evitada pois quem poderia ser honesto diante da dor e sofrimentos atrozes? A tortura levava inocentes ao cadafalso em um espetáculo de horror e selvageria. Para Beccaria a tortura exponha o preso a tanto sofrimento que normalmente o infeliz, para ser ver livre do sofrimento, a tudo confessava. Para o inocente a tortura o pune duas vezes, vez que não sendo ele culpado já é uma injustiça o cerceamento da sua liberdade, do mesmo modo ele é punido pela segunda vez com o sofrimento físico e psicológico. Tamanha injustiça imputa a responsabilidade para os doutores da lei e sobre aqueles que julgam.