A meritocracia promove o ressentimento nos perdedores que são aqueles sem talento, sem sorte e sem capacidade de resolver os grandes desafios em uma sociedade altamente competitiva. Por outro lado, a meritocracia como consequência nociva promove a arrogância e frieza nos vencedores que são aquelas pessoas que por mérito próprios alcançaram boas posições de tal maneira que o mercado de trabalho e a sociedade como um todo se abrem em oportunidades. A Tirania do Mérito, de Michael Sandel, mostra essa disparidade e aponta que longe de ser uma forma de acabar com a desigualdade é de longe uma maneira de aumentá-la. O autor mostra que a política meritocrática, que postula que todos têm oportunidades iguais, promovendo as condições para que todos tenham mobilidade social e assim reduzir a desigualdade social é uma falácia, uma vez que sem preparo as pessoas mais desfavorecidas não há como aproveitar as oportunidades. Para o autor , as políticas de bem-estar social passam distante das políticas de meritocracia e que, segundo ele, os progressistas com suas posturas de valorização do mérito não percebem que abrem espaço para que o ressentimento dos “desqualificados” encontrem apoio nas promessas demagógicas dos candidatos populistas. Nesse contexto, o autor observa que os erros cometidos por Hillary Clinton e Barack Obama ao valorizar as pessoas que têm diplomas universitários e que são bem-sucedidas por méritos próprios, razão pela qual ambos não têm o apoio integral da classe americana branca, têm como consequência direta a vitória de Donald Trump à Casa Branca.

O problema da meritocracia, escreve o autor, é que ao final ela é um sistema injusto na tentativa de primar pela justiça. Para o autor, a meritocracia como sistema de recompensa pelo esforço próprio do indivíduo abre um abismo entre aqueles que conquistaram o seu espaço devido ao seu talento e esforços e aqueles que desprovidos das condições necessárias ou cercado pela má sorte se sentem desprestigiados pela falta de reconhecimento da sociedade e pela perda de estima social em função do seu destino. Isso leva a refletir sobre os diversos fatores que recompensa pelo mérito impõe. O autor argumenta que o que faz do mérito uma regra injusta é que ela deixa pouco espaço para a solidariedade que pode surgir quando refletimos sobre a contingência de nosso talento e destino. Para o autor, quando se chega ao topo por méritos próprios nos tornamos egoístas, de onde se segue que se meu sucesso é resultado de minhas próprias ações, o fracasso deles deve ser culpa deles, reflete.

Os defensores da meritocracia defendem que se a todos for dado oportunidades iguais, ao final de uma jornada, quem não foi capaz de aproveitá-las é o único responsável pelo seu infortúnio. Por outro lado, os que não acreditam na meritocracia postulam que o sistema é falho porque embora a oportunidade seja oferecida igualmente a todos, as pessoas que não tiveram acesso a boas escolas, que são desprovidas de talento, que vivem em ambiente marginalizado e que não tiveram sorte de nascer em famílias não podem ser responsabilizadas pelos seus fracassos. Dessa forma o segundo grupo acredita que a meritocracia é injusta para com os desprivilegiados, consequentemente punindo-os pelos seus infortúnios. Sandel acredita que alocar empregos e oportunidades conforme o mérito não reduz a desigualdade, mas reconfigura a desigualdade para alinhá-la à habilidade. No entanto, essa reconfiguração cria o pressuposto de que as pessoas recebem o que merecem. E esse pressuposto aprofunda a diferença entre rico e pobre e sustenta que o ideal meritocrático está relacionado à mobilidade e não à desigualdade e que se a meritocracia permite que um indivíduo pobre possa, por trabalho e esforço próprio, ascender socialmente, por outro lado é um erro acreditar que isso reduz a desigualdade. Para Sandel isso só contribui para aumentar a distância entre ricos e pobres. O ideal meritocrático não é remédio para desigualdade; ele é justificativa para desigualdade, escreve Sandel.

Nos Estados Unidos o sistema meritocrático é amplamente defendido pelos democratas, revela Sandel. Isso decorre do fato dos progressistas nutrir a crença de que com uma excelente escolaridade acadêmica as pessoas tem mais oportunidades de ascender socialmente, pois as portas dos melhores empregos estão abertas para essas pessoas. Sandel lembra que esse fato é evidente nos comentários de Hillary Clinton sobre “os deploráveis” e o de Barack Obama sobre pessoas que “se apegam a armas ou religião”, pois os que não têm as credenciais acadêmicas não fazem parte dos planos políticos meritocráticos dos Democratas. Sandel escreve que “o preconceito credencialista é sintoma da arrogância meritocrática. Uma vez que os pressupostos meritocráticos enrijeceram nas últimas décadas, as elites adquiriram o hábito de desprezar quem não ascende”. O americano raiz que só tem o nível médio de escolaridade não se sente representado nas políticas meritocráticas e isso, segundo Sandel, foi uma oportunidade bem aproveitada por Donald Trump cujo discurso incluiu o trabalhador americano, yankee, sem nível superior fato que se revela nos resultados das eleições que deram a vitória a Trump.

Sandel faz um alerta de como a tirania do mérito pode tornar uma sociedade antidemocrática. Seus pressupostos revelam que não é porque algumas pessoas, muitas vezes providas de talentos especiais, ascendam socialmente que devemos ignorar as outras pessoas que são desvalorizadas pelas suas condições. Ele acredita que em vez de corrigir as condições das quais as pessoas querem sair, construímos políticas que tornam a mobilidade resposta para a desigualdade. Contundente, Michael Sandel deixa a seguinte mensagem no final da sua obra:

Focar somente, ou principalmente, em ascensão faz pouca coisa pelo cultivo dos laços sociais e do apego cívico que a democracia exige. Até mesmo uma sociedade mais bem-sucedida do que a nossa em proporcionar mobilidade ascendente precisaria encontrar modos de possibilitar que as pessoas que não ascendem prosperem no lugar onde estão e se enxerguem como membros de um projeto em comum. Quando não fazemos isso, dificultamos a vida das pessoas que não têm credenciais meritocráticos e as fazemos duvidar de seu pertencimento“.

Há muito que se refletir sobre a meritocracia como uma forma “justa” de selecionar e premiar os melhores, sobretudo quando é notório que independente da classe social a que o indivíduo pertence somente uma minoria alcança os níveis meritocráticos exigidos principalmente numa sociedade altamente competitiva. Para a maioria que se sente frustrada por não conseguir êxito em ideais de meritocracia são preteridas e desniveladas na sociedade. A consequência direta disso é o ressentimento e uma profunda perda de identidade social, uma vez que o indivíduo não se sente representado no ambiente em que trabalha, reside, se relaciona. Isso se ver com frequência no ambiente de trabalho em que são implementadas meritocracia que distância funcionários invés de agregá-los aos objetivo comuns. 

Somos pessoas distintas em todos os sentidos. A igualdade almejada pelo antagonismo meritocráticos é uma ilusão, bem como a meritocracia como modelo de igualdade é uma falácia. Erik von Kuehnelt-Leddihn (1909-1999) foi um nobre austríaco e teórico sociopolítico que dizia que não existe igualdade na natureza e que ela era um construtor social. A bem da verdade vivemos em busca de uma sociedade em que todos os humanos sejam iguais e o que conseguimos é uma sociedade igualitária, em outras palavras, politizamos a questão da igualdade em ideologias.