O Livre Mercado e seus Inimigos, livro escrito em 2017 por Ludwig von Mises, reúne nove palestras ministradas em 1985 por Mises sobre o livre mercado em meio às tentativas socialistas de desconstruí-lo. Mises faz as suas críticas sobre teorias marxistas apontando suas distorções e equívocos. Ele mostra porque o livre mercado é a única opção viável para a felicidade do indivíduo. Em contrapartida, ele descreve que o plano de economia socialista que trata a economia como ciência é uma das causas da fórmula desastrosa proposta pelos socialistas para a economia.  

   No capítulo A economia e seus inimigos, Mises argumenta que na história da economia as ideias de algumas pessoas foram nefastas para a vida em sociedade. No compreender de Mises, ao longo da história alguns indivíduos pouco ou nada contribuíram para fazer da economia uma ciência. Para Mises, personalidades como Jean Jacques Rousseau, Thomas Robert Malthus e até mesmo Adam Smith plantaram as ideias que germinaram nas teorias econômicas socialistas. Isto porque segundo Mises a percepção de economia em relação ao seu funcionamento na prática criava um imenso abismo entre a teoria e a realidade, uma vez que esses pensadores não acreditavam que a ação humana de trocas voluntárias ia além dos frios números estatísticos. Para Mises a competição levava à divisão do trabalho e ao desenvolvimento da cooperação voluntária entre os indivíduos. A descoberta de que a divisão do trabalho é mais produtiva do que o trabalho isolado foi um acidente fortuito que tornou possível a cooperação social, as instituições sociais e a civilização. Por conseguinte, o padrão de vida cresceu em todos os lugares como resultado da Revolução Industrial por conta da introdução da produção em massa.

   No capítulo Pseudociência e compreensão histórica Mises explica que os “economistas” do iluminismo, erravam ao tratar a economia como ciência exata. Para Mises a economia não pode ser tratada como uma ciência, pois não se pode prever o comportamento humano uma vez que a economia está diretamente relacionada com a ação humana. É quase que impossível estabelecer uma maneira que ajude a prever comportamentos humanos e assim fazer previsões econômicas exatas. Ele assegura que as ações humanas para prover às suas necessidades básicas não é como um experimento científico que pode ser medido ao longo de uma sequência de observação, outrossim, é reflexo da experiência que nascem das relações humanas, das experiências que surgem a partir das ações de trocas voluntárias diante das suas expectativas, desejos e necessidades para atingir seus objetivos. Mises acredita que “existem na natureza relações quantitativas constantes de pesos específicos que podem ser estabelecidos em laboratórios. No campo da ação humana, no entanto, especialmente no campo da economia, não há esse tipo de relação constante entre magnitudes. Assim, mantém-se opiniões contrárias e, mesmo hoje, muitas pessoas não conseguem ver que é impossível haver explicações quantitativas precisas no campo da economia“. 

   Em o O homem em Ação e a Economia Mises argumenta que a crença que professa que a economia não sabe lidar com o modo como os homens realmente vivem e agem é um grande equívoco. Isso em outras palavras é uma refutação direta à ideia rousseauniana de que o homem nasce bom e é corrompido pela sociedade, pois é natural que sendo o homem um animal social de acordo a concepção aristotélica, ele esteja munido de todas as ferramentas que precisa para viver em uma sociedade competitiva. Entretanto, Mises argumenta que ao retirar esse mal entendido surge o segundo mal entendido que é a presunção de que na economia as pessoas são motivadas apenas por uma ambição: “a de melhorar suas condições materiais e bem-estar“. Há ainda um terceiro mal-entendido sobre certos aspectos da ação humana: a crença de que a economia supõe que os homens  são razoáveis, racionais e motivados apenas pela razão. Mises mostra que esta é também uma ideia equivocada.

   Segundo Mises é na ação humana que reside o verdadeiro motor da economia. Ele sustenta isto a partir do seguinte princípio: “a única premissa da economia é que há condições no mundo em relação às quais o homem não é neutro e cuja situação ele deseja mudar através de ações propositais” assim, Mises  argumenta que “a ciência teórica da ação humana pressupõe apenas uma coisa: que há uma ação ou seja a luta consciente de indivíduos para remover a dificuldade e substituir um estado de coisas menos satisfatórios por um mais satisfatório” e que “a economia lida apenas com a ação e é tarefa da história descrever a diferença de objetivo“.

   Mises esclarece que nossas experiências estão diretamente ligadas ao que desejamos e esta determina o que queremos para resolver as necessidades. Mises diz que é neste contexto que a economia se aplica. Não somos racionais ao escolher comer, beber e vestir. Essas são atitudes que dizem respeito a muitas de nossas necessidades. Assim, Mises diz que: “a fonte dos fatos econômicos é a própria razão do homem ou seja o que chamamos na epistemologia que conhecimento a priori aquilo que alguém já sabe. O conhecimento a priori é distinto do conhecimento a posteriori aquilo que é derivado da experiência“. Mas ao mesmo tempo Mises afirma que “assim podemos eliminar esse antagonismo e aceitar o fato de que os ensinamentos da teoria econômica são derivados da razão“. A razão está na verdade relacionada com as escolhas que fazemos no sentido de que há um motivo para escolhermos. Veja o que Mises afirma: “as ações do homem no mercado, no governo, no trabalho, no lazer ao comprar e ao vender são todas guiadas pela razão criadas pela escolha entre que uma pessoa prefere em oposição ao que ela não prefere“, isto quer dizer que apesar das nossas  experiências determinarem muito do que desejamos, é  a razão que determina as nossas escolhas e as trocas que fazemos. Mas, Mises também explica que isso não significa que fazemos as nossas escolhas unicamente pelo ponto de vista racional, há muitos elementos emocionais e por isso o indivíduo se encontra em meios as incertezas na hora de escolher, consequentemente toda tentativa da economia planificada de prever o comportamento tende ao fracasso. No geral, Mises indica três condições necessárias para a troca de algo por dinheiro: “Quando as coisas são trocadas por dinheiro é possível usar termos monetários para cálculos econômicos mas apenas quando três condições são preenchidas: primeiro deve existir a propriedade privada não apenas de produtos, mas também dos meios de produção; segundo deve existir a divisão do trabalho e portanto a produção para as necessidades dos outros; terceiro deve existir uma troca indireta em termo de um denominador comum“.

   Já no capítulo Marxismo, socialismo e pseudociência Mises afirma que, “em geral, doutrinas filosóficas que dizem respeito a problemas históricos são doutrinas de um tipo muito especial. Elas têm que indicar não somente o que a história foi no passado mas presumir que sabem qual será o futuro reservado para humanidade e oferecer uma solução para problemas futuros“. Mas, Mises afirma que o problema do socialismo é que os seus defensores entendem que o “socialismo estava fadado a ocorrer, como resultado de uma lei da natureza“. Mises sustenta que, “a doutrina marxista era baseada no tão discutido materialismo histórico-dialético e econômicoou segundo Mises, o materialismo é uma das maneiras pelas quais as pessoas tentam resolver a relação entre as funções da alma ou da mente de um indivíduo de um lado e as funções do corpo do outro“. Para Mises o materialismo está equivocado quando desconsidera a divisão do trabalho, o maquinário e a relação existente entre eles. Diz que a doutrina  não entende que este é produto de ideias e que sem a divisão do trabalho, seja o maquinário seja o produto das ideias ou pensamento é inútil e a doutrina marxista em seus termos mostra-se um contrassenso. Mises, ao contrário do que dizia Karl Marx, sustenta que “as forças produtivas materiais são elas mesmas produtos das ideias“. Mises se opõe a teoria marxista de classe ao afirmar que “numa sociedade em que existe igualdade perante a lei na qual todos são livres para fazer o que quiserem não há classes rígidas e interesses irreconciliáveis de classes“. 

   Enfim, essa é mais uma obra dos clássicos de Mises, imperdível para quem precisa se aprofundar nas teorias da economia do livre mercado ensinado pela Escola Austríaca de Economia, do qual Mises foi um dos principais membros. Quanto mais se lê Mises maior é a certeza da aplicabilidade das suas teorias, ou seja, da economia livre para indivíduos livres. Mises nunca defendeu a ausência total de controle do Estado, ou seja, interferência zero em qualquer instância da sociedade. A sua luta foi árdua no sentido de se opor ao sistema de economia socialista em detrimento ao sistema capitalista. Não poderia ser diferente, visto que era um opositor terrível às ideias marxistas. Porém, ao estudá-lo, entendemos que a liberdade econômica é fundamental para o crescimento das pessoas, das nações e das sociedades. Mas isso não significa que o Estado não tem uma importância imensa na vida das pessoas, sobretudo em países pobres, onde a maioria da população carece dos recursos mais básicos e que, sozinhas, jamais vão sair das condições em que se encontram. Nós defendemos sempre o equilíbrio e o bom senso por entendermos que as necessidades básicas do indivíduo é a vontade de todos e que o Estado é o instrumento pelo qual o indivíduo garante os seus direitos e cumpre as suas obrigações.