O Antigo Regime e a Revolução. Divido em 3 livros, O Antigo Regime e a Revolução é uma das grandes obras de Alexis de Tocqueville. Em outras palavras,   talvez o maior estudo sobre a Revolução Francesa (1789). Algumas vezes contrapondo outro expoente do pensamento do século XVIII, Edmund Burker, Tocqueville analisa à política, à organização social, e a relação de poder do governo com o povo e revela que existem muitos mitos em relação a Revolução Francesa.

Uma dessas crenças é identificada por Tocqueville quando suscinta a idéia que a causa da revolução não foi contra a Igreja,  mas em favor de um desejo de devolver o poder para o estado.

“Acreditar que as sociedades democráticas sejam naturalmente hostis à religião é incorrer num grande erro.”

“A Revolução não foi de modo algum feita, como se acreditou, para destruir o império das crenças religiosas. Apesar das aparências, foi essencialmente uma revolução social e política, e, no circulo das instituições desse tipo, em nada tendeu a perpetuar a desordem, a torná-la de certo modo estável, a metodizar a anarquia (como dizia um de seus principais adversários), mas antes a aumentar o poder e os direitos da autoridade pública) Ela não devia mudar o caráter que nossa civilização tivera até então, como outros pensaram, nem lhe deter o progresso, nem mesmo alterar em sua essência nenhuma das leis fundamenta sobre as quais repousam as sociedades humanas em nosso Ocidente. Quando separamos esta sociedade de todos os acidentes que momentaneamente lhe modificaram a fisionomia em diferentes épocas e em diversos países para si considerá-la em si mesma, vemos claramente que o efeito dessa revolução naco foi outro senão o de abolir aquelas instituições políticas que, durante vários séculos, haviam reinado soberanas sobre a maioria dos povos europeus e que recebem geralmente o rótulo de instituições feudais, para substitui-las por uma ordem social e política mais uniforme e mais simples fundamentada na igualdade de condições

A obra O Antigo Regime e a Revolução  mostrar que na Revolução não havia nada de novo e que esta se apoiava sobre os alicerces do Antigo Regime. Para Tocqueville a questão da revolução estava muito além do fim do feudalismo e que neste ponto os franceses travavam uma luta que não era sua numa espécie de rebeldia sem causa.

“Em 1789, os franceses fizeram o maior esforço jamais despendido por qualquer povo para, por assim dizer, cortar o seu destino em dois e separar por um abismo aquilo que haviam sido até então daquilo que pretendiam ser no futuro. Com esse propósito, assumiram toda sorte de precauções para não levarem à sua nova condição coisa alguma do passado e impuseram-se todo gênero de coerções para se moldarem diferentemente de seus pais. Enfim, de nada esqueceram para se tornarem irreconhecíveis.”

” Percorri inicialmente com eles essa primeira época de 1789, em que o amor à igualdade e à liberdade divide seus corações: em que não querem apenas fundar instituições democráticas, mas também instituições livres; não apenas destruir privilégios, mas igualmente reconhecer e consagrar direitos: tempos de juventude, de entusiasmo, de orgulho, de paixões generosas e sinceras dos quais, apesar de seus erros, os homens conservarão eternamente a memória e que por muito tempo ainda perturbarão o sono de todos os que pretenderem corrompê-los ou subjugá-los”

” Dado que a Revolução Francesa não teve como único objetivo a mudança de um governo antigo, mas abolir a forma antiga da sociedade, teve de atacar simultaneamente todos os poderes estabelecidos, arruinar todas as influências reconhecidas, apagar as tradições, renovar os costumes e os usos e, por assim dizer, esvaziar o espírito humano de todas as ideias nas quais se haviam baseado até então o respeito e a obediência. Daí seu caráter tão singularmente anárquico.”

“Vê-se que a história é  uma galeria de quadros em que poucos originais e muitas cópias. “

Muitos dizem que a Revolução Francesa acabou com um sistema de governo e fundou outro totalmente novo. Tocqueville mostra que não. Os princípios políticos, a forma de governa, a organização do estado, foram todos, quando não copiado do antigo regime, uma influência. Um novo corpo, gestado da mesma mãe. Neste cenário a nobreza e aristocracia, definha e desaparece antes o avanço da burguesia. Esta já vinha muitos antes em ascensão, mas mantendo-se fiel aos ditames do Antigo Regime.

É  uma constatação que a Revolução Francesa, que inspirou os nobres sentimentos da liberdade e igualdade, palavras tão próximas das idéias e tão distantes na prática, influenciou todas as gerações ocidentais. Sobre suas asas que doravante buscavam a liberdade, apresentou ao mundo que o homem jamais seriam iguais na prática.  Por essa igualdade e liberdade, milhões de pessoas pagaram com a vida sem tê-las conhecidas nem uma só segundo.

Para muitos a Revolução Francesa foi a revolução do terror. O que começava derramando o sangue dos seus compatriotas haveria de deixar um caminho para a barbárie que se veria no século XX.

Profeticamente, Tocqueville, no terceiro livro desta obra examina porque os intelectuais que até então mostravam-se alheios à questões filosóficas. Conjectura  em palavras o que aconteceria em fatos:

“Prossigo nesse imenso trabalho até o final e quando termino de reunir todos esses anseios particulares, percebo, com uma espécie de terror, que o que se exige é a abolição simultânea e sistemática de todas as leis e de todos os costumes vigentes no pais, e vejo imediatamente que se tratará de uma das mais vastas e mais perigosas revoluções que jamais surgiram no mundo. Os que amanha serão suas vitimas nada sabem a seu respeito; acreditam que a transformação total e súbita de uma sociedade tão complicada e tão velha pode realizar-se sem abalos, com o auxilio da razão e apenas por sua eficácia. Que infelizes! Esqueceram se até daquela máxima que quatro séculos antes seus antepassados haviam assim expressado, no francês simples e enérgico daqueles tempos: “Par requierre de trop grande franchise et libertés chet-on en trop grande servage ( Por exigir franquias e liberdades em demasia, cai-se em servidão desmedida”).”

“Quando se estuda a história da nossa Revolução, vê-se que ela foi conduzida precisamente com o mesmo espírito que inspirou tantos livros abstratos sobre o governo. A mesma atração pelas teorias gerais, pelos sistemas completos de legislação e pela exata simetria nas leis; o mesmo desprezo pelos fatos existentes; a mesma confiança na teoria; o mesmo gosto pelo original, pelo engenhoso e pelo novo nas instituições; o mesmo anseio de refazer de uma só vez toda a Constituição, seguindo as regras da lógica e conforme um plano único, em vez procurar melhorá-la nas suas partes. Um espetáculo assustador! Pois o que é uma qualidade no escritor, às vezes é um vício no estadista, e as mesmas coisas que fizeram muitas vezes belos livros podem levar a grandes revoluções.”

Leitura recomendada

 A Decadência do Ocidente