Na crista do conservadorismo

No mundo, e o Brasil não fica de fora, houve uma ascensão da direita e, com isto, o número dos que tinham receio de se auto definirem como conservadores, apesar de simpatia que nutriam pelos princípios conservadores, diminui consideravelmente. Com efeito, hoje a quantidade de pessoas que se dizem conservadoras é bastante alta, porém duvidosa, sobretudo no Brasil, onde o fato pode ser constatado com a simples pergunta: você sabe o que ser um conservador? A maioria vai responder que conservadora é aquela pessoa que é contra o aborto, a favor do porte de arma e, geralmente, não irá além disso. Isto porque é senso comum a crença de que a bandeira do conservador se resume a esta “verdade”.

Este comportamento é consequência do esforço da esquerda que ao longo de mais de 30 anos buscou “apagar” qualquer pensamento e reação da direita, vez que esteve no poder por igual tempo. A imprensa (há exceções) teve um papel fundamental neste processo, propagando a desinformação. Assim, ser conservador se tornou algo não só perigoso, mas acima de tudo, coisa de gente retrógrada, tosca, sinônimo de ignorância social, atributo de pessoa incivilizada e inimiga do progresso. A conclusão óbvia é que a esmagadora maioria não conhece, de fato, o que é conservadorismo, muito menos as suas origens, princípios e objetivos.

No Brasil, este comportamento começou com o retorno da direita ao poder no início do pleito de 2018 para a presidência da república sob a avalanche individual chamada Jair Bolsonaro, hoje presidente do Brasil. Na crista Bolsonariana, a direita finalmente se manifestou, fez movimentos de protestos, ganhou espaço nas redes sociais e incomodou muita gente, principalmente a imprensa e os partidos de esquerda. Mas, esta saída do adormecimento em nada mudou em relação a profunda ignorância que as massas e até mesmo certos intelectuais e formadores de opinião têm sobre o conservadorismo. As teorias sobre estes sistemas sociais são, por definição complexos e muitas vezes confusos. A ignorância formada na desinformação e no senso comum tem levado o caos a correta compreensão dos princípios, significados e os porquês do conservadorismo. O pior resultado é que o Brasil vive hoje uma guerra ideológica altamente polarizada. Uma torre de Babel.

Confunde-se alho com bugalho

Guerra declarada, os brasileiros se dividiram e passamos a ter, em termos políticos e ideológicos dois brasis: o Brasil daqueles que se autodenominam de direita e o Brasil daqueles que defendem as ideologias de esquerda. Destarte, este é o tipo de coisas nunca vistas na história do Brasil, com a intensidade e velocidade que se apresenta. Ao som de vozes que protestam nas ruas, segundo as quais o lado oposto é um inimigo, vê-se amizades se desfazerem, crescerem os números de famílias em conflitos ideológicos, maridos e esposas olhando-se como inimigos. A política passou a fazer parte da discussão diária do brasileiro. A pauta do dia, antes futebol, passou a ter torcidas que fazem defesas ferozes dos seus pontos de vistas, em que cada qual acredita ser detentor da verdade.

Até certo ponto esta revolução, além de ser inusitada, dado a sua abrangência por todas as camadas sociais é, sem dúvidas, um acontecimento maravilhoso, pois o povo passou a pensar além do carnaval, futebol e cerveja. A parte que não se pode chamar de boa dessa revolução de comportamento é que esta polarização política é fruto da ignorância do povo em compreender os jogos políticos. Ou seja, o antagonismo que se formou entre o pensamento da esquerda e da direita é fruto da desinformação geral que paira sobre o povo, aliada a baixa capacidade de compreender as ideologias que lhes enfiam na cabeça. Diante de tanta ignorância o resultado é a propagação de conflitos ideológicos, por conseguinte o caos social. Nesta confusão, refletindo sobre vários aspectos do pensamento de direita, conclui-se que há muita gente que se diz conservadora, mas que, na verdade, está com todo o corpo do outro “lado da força”.

Os equívocos referentes ao conservadorismo 

Na verdade, a vida está nos mostrando que até mesmo entre os ditos esclarecidos a confusão está instalada. Muita gente boa que se disse conservadora ou que tinha atitude conservadora defendendo os ideais do conservadorismo enquanto surfava na crista da onda, dão mostras, depois de pés fincados na área da praia que, na verdade, a sua praia é outra. A internet está repleta desses entendidos e entendidas.

Ser conservador, não necessariamente nos coloca dentro do espectro do conservadorismo, pois se pode perfeitamente ser conservador em defesa das crenças da direita tanto quanto sê-lo em defesa da crença da esquerda. Mas isto não é conservadorismo. Conservadorismo é um sistema de ideias e preceitos segundo as quais, o indivíduo tem por princípio o  respeito e a conservação dos valores morais, das tradições e costumes. Neste contexto, cumpre um melhor entendimento do que é ser conservador de fato. Nada pode ser considerado melhor que investigar as origens do conservadorismo e estudá-la. A partir desta, pode-se então, estabelecer parâmetros para que a pessoa possa se auto definir como conservador ou não. 

Os pensamentos de Michael Oakeshott

Entre os grandes expoentes do pensamento conservador destaca-se Edmund Burke (1729–1797). Este é uma referência obrigatória nos estudos sobre o conservadorismo. Toda a sua obra foi o maior tratado escrito sobre o pensamento conservador. A partir de Burke muitos outros personagens importantes surgiram. No século passado, duas grandes figuras se destacaram na defesa dos ideais conservadores, como Russell Kirk (1918–1994) e Michael Oakeshott (1901–1990), este último, talvez o que melhor escreveu com a clareza necessária o que é ser conservador e, é sobre três obras dele que dissertaremos abaixo.

Numa reflexão objetiva, Michael Oakeshott escreveu um grande tratado em que a verdadeira definição do ser conservador é descrita de uma forma contundente. Este tratado se encontra no livro “Conservadorismo” da editora Viné composta de três livros. O primeiro “Racionalismo na Política” é uma crítica ao racionalismo no pensamento político. No segundo livro, “As Massas em uma Democracia Representativa”, o autor evidencia que o problema na democracia representativa é que ela coloca nas mãos de indivíduos medíocres o destino de um povo. A estes indivíduos, ele chama de massa e constrói um postulado na defesa da escolha das melhores estirpes para governar. Por último, no terceiro livro, “Ser Conservador”, Michael Oakeshott mostra que mais que doutrina ser conservador é uma questão de predisposição. Este último, em poucas linhas descritas abaixo, sintetizo o que é ser conservador na visão de Michael Oakeshott.

Ser conservador

A maioria dos estudiosos do conservadorismo buscou explicar a essência do espírito conservador do ponto de vista doutrinário, dogmático e filosófico. Não que lhe falte espaço para um tratamento doutrinário pois, no fundo trata-se de um sistema ideológico. Entretanto, no seu sentido prático, é na conduta do indivíduo que se reflete toda alma do conservador. Neste sentido, Michael Oakeshott se explica, “meu tema não é um credo ou uma doutrina, preocupo-me mais com a predisposição”, ou seja, ser conservador é algo quase inato, mas não só isso, é também uma questão de escolha, em outras palavras, prossegue Michael Oakeshott: “Ser conservador é estar inclinado a pensar e agir de certas maneiras; significa preferir alguns tipos de condutas e algumas circunstâncias de condições humanas a outras; é ter uma tendência a fazer algum tipo de escolha”. Nas palavras do autor é preferir a família ao estranho, é preferir o que já foi tentado a experimentar o novo, é preferir a realidade ao mistério, é preferir o concreto ao possível, é preferir o limitado ao infinito, é preferir o que está perto ao distante. Ora, não precisa dizer mais nada. Aqui reside toda a essência da visão que o Michael Oakeshott construiu sobre conservar.

É claro que do ponto de vista doutrinário ser conservador e levantar a bandeira da luta contra o aborto, proteger a família e a propriedade, pensar na coletividade com a consciência que ela é formada pela ação do indivíduo, é preservar os bons hábitos, é preferir a ordem e respeitar a hierarquia. Vale refletir sobre o significado que Michael Oakeshott dá à conduta conservadora: ”Significa viver dentro dos limites do patrimônio, usufruir dos meios possíveis à riqueza, contentar-se com a necessidade de maior perfeição que é exigida a cada um em dada circunstância”.

Michael Oakeshott é puro e cristalino na defesa do conservadorismo. Ele se vale das coisas comum que nos são importantes, dos valores que nos formam e dos quais somos o resultado como cidadãos e pessoas de bem. Não há profundezas filosóficas em suas reflexões, mas práticas, pois, como bom conservador, Michael Oakeshott compreende que ser conservador é acima de tudo preservar a simplicidade com que vemos homens e mulheres, a natureza e Deus em nossa existência curta e limitada. Assim é o conservadorismo na visão moderna de Michael Oakeshott.

Enfim, estamos caminhando para um novo Brasil. Aos poucos, tomados pelo amor à pátria e, sob ela, lutando pela nossa democracia e instituições, os nossos jovens vão conquistando os seus espaços com honra e dignidade. Os jovens conservadores de hoje têm a coragem, a força das suas convicções e um espírito inabalável para garantir o Brasil que queremos amanhã. Para isso, eles sabem que preservar é preciso e que reside neles a esperança de um Brasil grande. Para isso eles vão à luta e, destemidos colocam-se de corpo e alma contra as forças que querem destruir a nossa nação. Edmund Burke proferia que “inovar não é reformar”. O novo se constrói sobre os ombros dos antigos.


 

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