Jesus, O Cristo do Reino de Deus para o reino dos homens

 

A história do cristianismo começa, mais ou menos, há dois mil anos na Galileia e se tornou a maior processo de conversão religiosa da história. Jesus Cristo disse: “Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura. Marcos (16:15)”. Neste sentido, Jesus Cristo teve êxito total. Entretanto, a história do cristianismo é tão misteriosa quanto os trinta anos iniciais da vida de Jesus. Também, é sabido que em nome do cristianismo, reis e nações conheceram a glória e a tragédia, pois, assim como a doutrina de Jesus Cristo foi o caminho para a salvação das almas, foi também o palco de muitos conflitos e disputas pelo poder. Em vista disso, muito se tem investigado e escrito a respeito. Neste contexto histórico, o professor Geoffrey Blainey escreveu em seu livro Uma Breve História do Cristianismo uma síntese da longa trajetória do cristianismo.

Decorre desta reflexão a seguinte questão: como foi possível que um grupo de seguidores, usando os próprios corpos como escudo e a Palavra como arma, foi capaz, contra todas as evidências, de fazer um movimento religioso local, em obediência a Jesus Cristo, levando a Palavra a locais longínquos e tornar o evento local, em dois mil anos, na maior religião do mundo? Considerando que os desafios foram imensos, muitas vezes beirando o impossível, pois tinha a oposição de Roma tanto quantos dos próprios judeus, além da intolerância de muitos povos bárbaros, muitas vezes somos inclinados a atribuir o feito ao campo do milagre. Assim sendo, o sucesso desse empreendimento teria sido fruto da Providência que interveio a favor? Infelizmente, existem muitas respostas, nenhuma detentora da verdade. 

Partindo destas premissas, Geoffrey Blainey reunirá elementos, frutos de uma extensa pesquisa, para conduzir o leitor pela história do cristianismo desde a formação das primeiras seitas, iniciando com o trabalho de evangelização dos Apóstolos e Paulo, passando pelas transformações nos mosteiros da Idade Média, bem como adentrando pelas reformas protestantes até os tempos atuais. As Palavras de Jesus Cristo foram o motor que impulsionou o cristianismo, que tanto encantavam e salvavam, quanto incomodavam. Blainey argumenta que “as palavras de Jesus surpreendiam ou encantavam. Ele parecia amar o mundo e o dia a dia da vida, mas ao mesmo tempo, decidia-se aos poucos a subverter aquele mundo”.

Apesar das diferenças entre Judeus e os primeiros cristãos, havia uma espécie de colaboração circunstancial entre eles, pois Roma poderia ser um inimigo muito maior. Blainey escreveu que “mesmo quando uma congregação cristã se afastou da Sinagoga, passando organizar as próprias reuniões, manteve a atmosfera das tradições judaica”. Isto porque Roma perseguiu os cristãos assim como os judeus, certamente, este menos que aquele. Decorre deste fato que as perseguições poderiam ter dado fim ao movimento cristão e a sua doutrina antes mesmo que o primeiro século findasse. Mas, o que aconteceu foi exatamente o contrário, conforme Blainey explica: “apesar das perseguições, o número de cristãos cresceu rapidamente. Eles acreditavam, sem sombra de dúvidas, que eram cuidados por Jesus. Sem essa crença, religião cristã não se disseminaria tanto”. 

A conquista através do sofrimento e compaixão

Fé e dor foram fatores importantes da ascensão religiosa dos cristãos. Em Cartago, no ano 203 d.C., o sofrimento de Perpétua aos 22 anos e de sua escrava Felicidade é um exemplo claro desta proposição. Entretanto, outros fatores também contribuíram para a expansão do cristianismo. Segundo Blainey, a favor do crescimento do cristianismo houve um motivo tão forte quanto a Fé em Cristo. Tratava-se das epidemias, muito comum na época. Blainey esclarece que “parte do apelo do cristianismo estava na maneira prática de ajudar os pobres e os famintos, os doentes e os órfãos. Isso dava segurança aos fiéis, em uma época de dificuldades inimagináveis”. Para Blainey, essa devoção em cuidar dos miseráveis encontrava nas epidemias a simpatia daqueles que agonizavam abandonados pelas autoridades locais. Nessas circunstâncias, o apoio que os cristãos proporcionavam era fundamental como forma de conquistar mais fiéis. “As epidemias poderiam ter sido fatores de expansão do cristianismo”, sustenta Blainey.

Analisando um pouco mais a questão das perseguições, o caso de Paulo ou Saulo de Tarso é curioso. De perseguidor de cristãos ao mais ferrenho defensor da doutrina de Cristo, Paulo foi talvez o mais importante dos seguidores de Jesus Cristo, pois após a sua conversão ele se incumbiu de expandir a Igreja primitiva ao mesmo tempo que, através de suas epístolas, coordenava, disciplinava, aconselhava e unia as ovelhas de Cristo. Ele foi responsável por manter a unidade entre as principais Igrejas cristãs, num período de forte intolerância ao cristianismo. Por qual motivo Jesus Cristo ressuscitado escolheu Paulo, um algoz dos cristãos, para tão delicada missão é um dos muitos mistérios que envolvem a história do cristianismo.

Os cristãos em crise de identidade

Embora se buscasse sempre a união a dissidência entre os cristãos passara a ser um problema. Blainey explica que nas fileiras do cristianismo havia numerosos dissidentes. Os seguidores do docetismo se destacavam entre eles com críticas à alguns dogmas da doutrina cristã, sobretudo as que se referiam a natureza humana e Divina de Jesus. “Nos anos 70, mais ou menos, os seguidores do docetismo sustentavam que Jesus não tinha morrido, não poderia, portanto, ressuscitar” esclarece, Blainey. Além dessas, outras seitas surgiram e cada uma tinha uma visão diferente, quase sempre conflitante. É também o caso dos maniqueístas e arianos. Blainey diz que “os maniqueístas sustentavam que o mundo tinha sido criado pelo demônio, e que os seguidores do verdadeiro Deus e o reino da Luz, tinham de estar alerta para evitar o desastre”, por sua vez Orígenes, como muitos cristãos, defendia que a razão e fé religiosa devem caminhar lado a lado. Ou seja, havia dissidência por toda a parte, ameaçando a ruir a Igreja primitiva.

Outra seita dissidente que ameaçava as bases ainda não solidificadas do cristianismo foi a de Ário ou arianismo. Ário (256 d.C.) foi um presbítero da cidade de Alexandria cuja doutrina sustentava que Jesus Cristo fora criado por Deus a partir do nada, por isso, ainda que filho de Deus, não existiu desde sempre, ou seja, não compartilhava da eternidade com Deus, portanto não poderia ser igual ao Pai. Dessa forma, para Ário, Jesus Cristo era uma criação especial de Deus, o que de certa forma se coloca contra a trindade (Pai, Filho, Espírito Santo), ou seja, opõe-se a consubstanciação que ensina que Pai, Filho e o Espírito Santos são uma só pessoa, doutrina basilar dos mistérios. Essa posição foi suficiente para que a Igreja fizesse dele um herege.

Como se vê, havia muitos problemas no caminho da Igreja. Naqueles tempos, as autoridades temiam ficar sob o domínio de Roma. A maioria dos imperadores como Diocleciano (243 d.C.) e Galério (305 d.C.) perseguia os cristãos, aprisionando-os, torturando-os e matando-os. Por sorte, Constantino em 306, autoproclama-se Imperador Romano. Neste ínterim, influenciado pela sua mãe, Helena, devota cristã fervorosa, Constantino se tornou responsável por uma era gloriosa para os cristãos.

Em 325, Constantino, agora imperador romano, convoca todos os bispos para o Concílio de Nicéia, fortalecendo a posição da Igreja e tornando o seu governo praticamente uma teocracia. Neste período, por muitas questões estratégicas militares, religiosas e comerciais, Constantino transferiu a sede do seu governo para Bizâncio (posteriormente, Constantinopla), uma cidade efetivamente cristã. Destarte, esta foi uma profunda transformação histórica do cristianismo, pois além de estabelecer a unidade dogmática e combater a heresia ariana entre outros, Constantino foi tão importante para a expansão do cristianismo como os Apóstolos, Paulo e os primeiros mártires. Com razão, pois é muito provável que os cristãos não tivessem êxito em sua missão.

Depois de Paulo talvez o teólogo Agostinho de Hipona, através das suas teses teológicas, foi o primeiro mais importante pensador cristão da primeira metade do primeiro milênio da era cristã. Agostinho, o Bispo de Hipona, como ficou historicamente conhecido, provavelmente foi um seguidor da doutrina do filósofo Manes ou Maniqueu, um persa nascido em 216, cuja crença cristã dividia o mundo entre o bom (espírito) e o mau (matéria) estabelecendo assim o dualismo cristão entre o bem e o mal. Santo Agostinho, como o chamam os católicos, escreveu grandes tratados sobre o pensamento cristão como “Os Sermões de Agostinho”, “Confissões”, “A Trindade”, sendo “A Cidade de Deus” a sua Magnum opus.

Passam-se cerca de mil anos para vir ao mundo aquele que ficaria conhecido como São Francisco de Assis (1226). Ele foi um dos mais belos exemplos de devoção a Cristo Jesus em palavras e atos. Ele viveu e ensinou as Palavras do seu Mestre Jesus em sua totalidade e fez disso uma filosofia de vida cristã. A máxima “fazer o bem sem olhar a quem” encontrou em São Francisco de Assis um defensor dessa virtude pela prática. Ele nos ensinou que devemos amar todas as criaturas, pois todas foram criadas por Deus. A pobreza era para ele um bem maior, uma forma de encurtar a distância entre o homem e Cristo. O Santo Padre tem um papel na sustentação da Fé dos mais humildes.

Depois de Santo Agostinho, outro reformulador das ideias cristãs, já próximo de uma grande divisão da igreja propagada (a reforma protestante), foi o filósofo e teólogo São Tomás de Aquino (1225–1274), o santo doutor do pensamento cristão. Ele foi o fundador do tomismo, doutrina filosófica escolástica que é uma tentativa de conciliação entre a filosofia do filósofo Aristóteles (385 d.C.–323 d.C.) com o cristianismo. Neste sentido, a filosofia de São Tomás de Aquino terá poderosa influência no pensamento político e moral da Europa da sua época que reverbera até a contemporaneidade.

A Guerra Santa, cristã

A necessidade de expansão e proteção e, ao mesmo tempo, uma crescente insatisfação em relação aos acontecimentos envolvendo as igrejas católicas do oriente que perdia espaço sob o domínio dos turcos seljúcidas, fizeram com que o papa Urbano III (1042–1099), através do concílio de Clermont, fomentasse os nobres franceses numa empreitada para libertar à Terra Santa que se encontrava sob domínio dos árabes. Desse fato, nasceu a Cruzada: força militar cristã, criada exclusivamente para retomar Jerusalém do controle dos árabes, mas que mais tarde, se agigantaria e se transformaria em uma máquina de guerra a serviços da Igreja Católica e dos reis.

Neste contexto, de 1096 até 1270, foram oito grandes cruzadas entre os europeus e os árabes. Vale destacar a terceira cruzada, cuja missão foi a retomada de Jerusalém dos muçulmanos, que envolveu dois inimigos mais que nutriam um profundo respeito entre eles como líderes militares: o sultão e rei do Egito Saladino (1138–1193) e o rei em Inglaterra Ricardo I (1157–1199), também conhecido como “Ricardo, coração de leão”. A grandeza do evento, como estratégia militar entre dois gigantes, marcou a histórias das guerras da Idade Média e foi de fundamental importância para o futuro da Europa, isto porque Saladino pretendia conquistar toda a Europa.

Lutero, Calvino e John Wesley

A reforma protestante (1517–1648) foi um evento que teve um grande impacto sobre as estruturas da Igreja Católica. Um homem, o monge Martinho Lutero (1483–1546), se rebelou contra a corrupção, o poder, a riqueza, e principalmente contra as indulgências — ou seja, a Igreja cobrava para isentar a pessoa de todos os seus pecados, muito atraente para quem tem muitas riquezas e precisa limpar a sua barra com Deus. Num ato de extrema coragem, num período que por bem menos o indivíduo iria parar na fogueira da inquisição, Martinho Lutero, pregou o seu manifesto com 95 teses acusatórias e que propunha uma reforma total, até então não imaginada pela cúria e pelo poder papal.

Esse importante evento, mais que causar profundas transformações religiosas dividindo a igreja em novas igrejas protestantes, a maior consequência recaiu sobre a economia e a cultura. No primeiro fato, a partir do momento que acumular riqueza com moderação não era mais pecado, pensamento que evoluiu com o passar do tempo nas Igrejas protestantes, desde que feita com moderação, a nova comunidade cristã soube separar prosperidade através do trabalho obstinado para acumulação de riqueza dos momentos reservados à Deus. Isto foi retratado muito bem por Max Weber em seu livro “A Ética protestante e o Espírito do Capitalismo”. Esta obra mostra bem a nova relação dos cristãos com o dinheiro. Por conseguinte, os seguidores das novas Igrejas protestantes prosperaram e produziram riquezas, assim como estimularam o conhecimento científico. Em contrapartida, os católicos, com a sua doutrina que pregava austeridade e pobreza, padeceram de um atraso econômico e cultural por séculos.

O segundo fato de crucial importância para a prosperidade da nova comunidade cristã, foi Lutero ter traduzido a Bíblia do Latim para o Alemão. Desta maneira, o que antes era exclusividade para os monges e padres católicos, agora estava ao alcance de todos, independente da classe social. Requisito para tal: saber ler. Disto, decorre um fenômeno curioso. O analfabetismo que até então era altíssimo, começar a declinar. A explicação para tal fenômeno é que agora os menos favorecidos, mas que podia aprender a ler, agora tinham um motivo para aprender a ler: ter acesso direto às Escrituras Sagradas. Este evento coincidiu com outro não menos importante acontecimento: a invenção da imprensa por Johann Gutenberg em 1430. Portanto, face à tamanhas transformações, a contrarreforma não obteve o êxito desejado e o resultado desta derrota vê-se hoje em todo o mundo representado pelo grande número de Igrejas Protestantes espalhadas pelo mundo e o sempre crescentes números de seguidores e fiéis, distribuídos pelos movimentos gospel.