Para muitos autores de obras jurídicas, Ferdinand Lassalle (1825-1864) foi um dos mais importantes pensadores da Ciência do Direito. Contemporâneo de Karl Marx (1818-1883) e seu principal influenciador, suas notáveis ideias são até hoje fundamentos essenciais para a constituição das doutrinas jurídicas. A sua obra mais importante é um pequeno tratado intitulado A Essência da Constituição, fruto de uma conferência por ele proferida sobre o que é a Constituição. O opúsculo é uma tentativa de, à luz da sociedade da época, estabelecer critérios para compreender o que de fato é essencial para uma boa Constituição.

A obra está dividida em três capítulos: No primeiro Capítulo, “Sobre a Constituição”, Lassalle procura compreender do que é composto uma constituição, o seu real objetivo, onde localiza-se as suas distorções, bem como delineia os elementos para uma Constituição justa que alcance a todos os cidadãos e cidadãs.

Lassalle explica que muitos juristas da sua época eram capazes de definir a Constituição. Porém, fazia-o sem jamais explicar o que ela era verdadeiramente. Isto porque, segundo Lassalle, a Carta Constitucional, determinada e concreta, não se acomoda às exigências substantivas.

Inicialmente Lassalle define que “um conceito da Constituição é a fonte primitiva da qual nascem a arte e a sabedoria constitucional”. Desta ideia surge a sua crítica aos conceitos vigentes à época, pois conforme o considerou, esta carece de uma definição que expresse o seu significado ao representar os anseios do povo, através dos seus princípios sustentados pela justiça.

Lassalle argumenta que a Constituição é a única lei que ao ser alterada causa conflitos em todas as sociedades. Ele assevera que “todos esses fatos demonstram que, no espírito dos povos, uma constituição deve ser qualquer coisa de mais sagrado, demais firme e demais móvel que uma lei comum”, ´portanto, para Lassalle a constituição é uma lei fundamental da nação.

Lassalle sustenta que os fundamentos de uma constituição, sendo esta uma Lei Fundamental, deve repousar sobre três princípios basilares: Primeiro, que a Lei Fundamental seja uma lei básica. Segundo, que esta deve informar e engendrar as outras leis comuns originárias da mesma. Terceiro, que as leis dela decorrentes, fundamentadas em suas normas, sejam consistentes.

Esses princípios até hoje são observados quando os doutores das leis se debruçam na construção de leis fundamentais derivadas da Constituição. Lassalle dá tanta importância a questão da fundamentação que chega a afirmar: “a ideia de fundamento traz implicitamente a noção de uma necessidade ativa, de uma força eficaz e determinante que atua sobre tudo que nela se baseia, fazendo-a assim e não de outro modo”.

Portanto, quis dizer Lassalle que uma força ativa, por necessidade que o exija, espera que todas as outras leis e instituições jurídicas vigentes no país sejam o que realmente são e que, neste contexto, não permita a existência de leis contrária aos fundamentos da Constituição.

Destarte, ao se referir a força ativa, Lassalle define os fatores reais do poder que representam os poderes atuantes no seio da sociedade, do qual Lassalle expõe o papel da Carta Constitucional ao afirmar que “todas as leis e instituições jurídicas vigentes, determinando que não possam ser, em substância, a não ser tal como elas são”, conclui.

O formidável pensador acreditava que a monarquia, a aristocracia, a burguesia e os banqueiros são, de certa forma, instituições que pelas suas características intrínsecas, recebia da Constituição toda a proteção possível porque o soberano tinha os exércitos sobre o seu controle, podendo se valer desta condição quando bem entendesse para a satisfação dos seus interesses e consecução dos seus objetivos, pois tem as prerrogativas para impor a força se necessário.

As demais instituições dependentes do poder soberano encontram-se por esta condição sob as asas da Constituição. Neste sentido, Lassalle tentou mostrar que todas as instituições muito próximas do poder estatal é, também, parte da Constituição.

Entretanto, adverte Lassalle, no tocante aos privilégios das classes superiores, ainda que sob a proteção da Constituição, encontram as suas fronteiras entre as classes da pequena burguesia e a classe operária. Com efeito, qualquer tentativa de cercear a liberdade destes grupos desprivilegiados, que do poder encontra-se sob o regime de servidão, uma vez que se organize, levaria a revoluções, a exemplo do que ocorreu com a Revolução Francesa em 1789.

Um conceito interessante, ainda visto no referido capítulo, é o da folha de papel, este corolário para tudo que foi visto no presente capítulo, segundo o qual a força da Constituição não está na sua forma escrita, mas não seu espírito, na sua substância. Para Lassalle a constituição real e a constituição escrita diferem naquilo que concerne a aplicabilidade prática que muitas vezes estão inseridas na alma do Estado, expressado pelo senso comum. O autor evidencia este pensamento ao citar a frase de Frederico Guilherme IV “Julgo-me obrigado a fazer agora, solenemente, a declaração de que nem no presente nem no futuro permitirei que entre Deus do céu e o meu país se interponha uma folha de papel escrita como se fosse uma segunda Providência”, numa clara alusão ao poder absoluto do Estado.

No capítulo três, que versa sobre a Constituição escrita e a constituição real, embora seja uma continuidade aprofundada do capítulo anterior, sucintamente referido no presente texto, Lassalle inquire quando podemos dizer que uma constituição escrita é boa ou ruim. A interpretação de Lassalle no tocante a esta questão, mostra que há dois poderes: o organizado ou o poder estatal e, o do povo, desorganizado.

Deste exame, Lassalle extrai a afirmativa de que a Constituição é boa quando o Estado observa os preceitos e as normas contidas na Constituição a favor do povo desorganizado, dando-lhe um espírito ordeiro e fundamentada no bem-estar do povo. Portanto, só é uma carta Justa e boa quando seus princípios respeitam a soberania que é propriamente o povo quando deposita a sua fé na Constituição sob a guarda do Estado.

Assim, com esta obra Lassalle deixou uma poderosa contribuição para a posteridade.  O seu legado tem o seu espaço tanto nas academias quanto nas questões jurídicas da sociedade. Em tão pouco tempo de vida, ceifada pela ignorância da época, produziu um clássico para a literatura jurídica.