O que é a política da fé e a política do ceticismo

 Fé e ceticismo na política se encontram em lados opostos. Isto porque na política, a fé no sentido de governar, representa a crença de que o governo é capaz de realizar os sonhos dos indivíduos e conduzi-los à felicidade total. Desta maneira, o governo da fé acredita que é o salvador dos seus súditos e que tem o dever cósmico de cuidar e controlar cada passo da vida das pessoas. Por outro lado o governo do cético não tem a crença de que é possível resolver os problemas de todos. Este sabe o seu lugar e seus limites. Acredita que não é o salvador da pátria e que a felicidade do indivíduo é mais fruto dos seus méritos, diante da igualdade de oportunidades, que a ajuda das mãos generosas do governo. De fato, intervém menos e cria as condições para que as pessoas desenvolvam e busquem a sua felicidade. Diante disso, fé e ceticismo não são dois lados da mesma moeda – ou se tem a crença na responsabilidade de salvação da humanidade ou se aceita as imperfeições humanas e se  acredita que a vida é conduzida por uma série de fatos que não cabe ao governo se intrometer.

 A dicotomia que estas noções suscitam permeiam a vida em sociedade em todos os seus aspectos. Na teologia, na filosofia e até mesmo na ciência, fé e ceticismo estão lado a lado equacionando o mundo das ideias, vez que as ações humanas, sobretudo o pensar, se apoiam nesses princípios para buscar o equilíbrio social, econômico e político da sociedade. Pois bem, as ideias políticas se sustentam sobre tal dicotomia, até de maneira mais abrangente e profunda, porque são as ideias, principalmente aquelas de cunho políticos, que têm um tremendo poder de transformação da sociedade, embora algumas pessoas argumentem por aí que a sociedade é fruto das mudanças culturais.

 Michael Joseph Oakeshott (1901 — 1990), filósofo, teórico político inglês, escreveu sobre a filosofia da história, filosofia da religião, estética, filosofia da educação e filosofia do direito, era agnóstico e um defensor do conservadorismo, escreveu um brilhante ensaio sobre a dicotomia entre a fé e o ceticismo na política. Publicada provavelmente em 1952, A Política da Fé e A Política do Ceticismo traz um exame aprofundado sobre o tema. Suas premissas na construção das ideias sobre a política da fé e a política do Ceticismo sofre a influência do seu pensamento conservador. Ao examinar a política sob esta ótica, Oakeshott busca as respostas para questões como “qual é a criação e o caráter da prática de governar no mundo moderno? Como essa prática tem sido entendida? Qual é a criação e o caráter de nosso entendimento sobre o adequado exercício do governar?”. É sobre o papel do governo como uma função que Oakeshott faz a sua crítica, pois para ele o governo extrapola em muito os seus deveres quando ocupa os espaços da vida dos indivíduos como um provedor absoluto destes se auto atribuindo o dever de salvá-los contra todos “os males”.

 Para Oakeshott a política da sua época tinha uma visão excessiva sobre o futuro e um olhar escasso sobre o passado. Segundo o autor, era uma política permeada por ambiguidades e ambivalências trazendo sérias distorções para o significado da vida em sociedade. Isto era claramente observado nos discursos e nos escritos. Neste sentido, é sobre a política de esquerda que Oakeshott irá fazer as suas reflexões políticas mais contundentes. Assim, é a partir da sua visão conservadora, sob o pensamento analítico da política da fé e a política do Ceticismo, que Oakeshott examinará as transformações sociais impostas pelas correntes políticas dominantes que pretendem reconstruir o homem e o mundo, renegando o legado histórico que nos fez chegar até aqui.

A era da ambiguidade

 O livro é um trabalho de um homem preocupado em conservar o que de melhor foi construído para a humanidade, seus valores e tradições. Na presente obra, o autor mostra que a tentativa da esquerda, sob a justificativa de trazer o progresso para humanidade, de reconstruir homem e pô-lo numa nova sociedade perfeita, ignorando as experiências e conquistas passadas, subvertendo os valores morais, religião, família e a justiça conduzirá a humanidade ao fracasso. Por outro lado, Oakeshott expressa que o objetivo fim do conservadorismo não é se posicionar contra o progresso e nem pretende afirmar que o homem deve ficar preso no passado. Nas suas próprias palavras, conservar é aprender com as experiências, eliminando o que não serve e adicionando o novo com cautela. Assim, ele se opõe ao conceito progressista ao mostrar que o passado da humanidade não é uma série de erros. Oakeshott procura mostrar que o homem não nasceu para construir o seu próprio paraíso.

 De fato, as políticas que dominaram o Ocidente nos últimos dois séculos são ambivalentes a ponto de construir, sob a filosofia do relativismo, as mais absurdas distorções sociais no discurso e na prática. Destarte, Oakeshott observa que “a ambiguidade do nosso atual vocabulário político é, talvez, sua característica mais óbvia: é difícil encontrar uma única palavra que não possua dois significados ou uma só concepção que não possua duas interpretações.”

 Como se vê, Oakeshott preocupa-se com o discurso dúbio tão comum no pensamento da esquerda. Este é o tipo de discurso político que predomina na atualidade que quando diluído na manipulação e na desinformação coloca toda a sociedade à beira do princípio levando ao caos social. Oakeshott afirma ainda que “Os polos por entre os quais a atividade de governar oscila no mundo moderno, os extremos em que se movimenta, têm sido identificados como anarquia e coletivismo: a ausência de governo e a atividade de governar que não conhece limites adequados e profícuos naquilo que possa empreender. Poder de convencimento dessa análise reside em sua seleção de extremos genuínos e absolutos.”

Logo, o autor esclarece que:

desde o início, que nessas duas expressões política da fé e política do ceticismo suponho designar, de uma só vez, os polos de uma atividade e os polos da compreensão acerca de nossa atividade, os extremos que permitem compreender a ambivalência de nossa conduta no governo e a ambiguidade de nosso vocabulário político”.

 Destarte, está é uma obra fabulosa para quem quer compreender os tempos atuais. Com efeito, a análise de Oakeshott sobre as duas correntes políticas, capitalismo e socialismo que predominam do século XX até os nossos dias, localiza-se hoje no centro dos debates políticos em todas as sociedades. As esquerdas não recuaram frente o avanço dos conservadores. Mantém o seu projeto de mudar o homem e o mundo e fazer da terra um paraíso. Por conseguinte, nunca as correntes de pensamento de esquerda e de direita estiveram no centro do ringue como agora estão. Entretanto, a leitura de A Política da Fé e A Política do Ceticismo contém  argumentos convincentes ao propor reflexões sobre os caminhos que a direita conservadora precisa trilhar para frear o avanço desmedido da esquerda. Por fim, ressalto aqui a máxima de Oakeshott que, assim como Edmund Burke, mostra o quanto há de equívocos na compreensão dos princípios do conservadorismo e o quanto é importante compreendê-lo para defender os seus princípios: “Ser conservador é estar inclinado a pensar e agir de certas maneiras; significa preferir alguns tipos de condutas e algumas circunstâncias de condições humanas a outras; é ter uma tendência a fazer algum tipo de escolha”.


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