Na visão do psicólogo e fundador da terceira escola vienense de psicoterapia (logoterapia e análise existencial) Viktor Frankl(1905-1997) cujas piores experiências de vida as conheceu como prisioneiro nos campos de concentração nazista utilizou-se dessas experiências para escrever o livro O Sofrimento de uma vida sem sentido e que mostra que é mais que uma questão de escolhas individuais. Nessa obra, Frankl examina acerca do sofrimento humano e do significado e sentido para a vida. Destarte, o psiquiatra busca respostas para o sofrimento e sugere  caminhos para encontrar razões para viver, ao mesmo tempo que critica a relação médico e paciente dentro da psicologia e da psicanálise. Mais que isso, o livro O Sofrimento de uma vida sem sentido mostra que Deus é a melhor forma de encontrar um sentido para a vida.

Encontrar sentido para a vida tem sido um dos maiores desafios da vida moderna. Corremos feito loucos em direção a lugar nenhum. Disfarçamos a nossa angústia sem nos dar conta que cada vez mais somos tragados por ela. Desde os primórdios da humanidade nos perguntamos: quem somos? qual o sentido da vida? Os filósofos Leandro Karnal e Mário Sérgio Cortella no livro Viver, a que se Destina? explicam que o sentido da vida pode estar nas escolhas que fazemos. Sempre que fazemos escolhas abrimos mão de algo. Para os ilustres filósofos: “Ter que assumir as próprias escolhas nos exige lembrar que toda escolha é uma abdicação. Quando escolhemos algo, estamos deixando de lado todo o restante. Por isso, nenhuma escolha, quando feita com inteligência, é isenta de sofrimento”. Então o sentido para a vida passa antes pelas nossas escolhas? 

É  o que parecem sugerir os dois filósofos. A sociedade  moderna nos cobra a responsabilidade  de criar o nosso próprio destino. Para Karnal e Cortella a sociedade nos impõe pesado fardo ao esperar que o indivíduo construa a sua própria realidade. Ao criar esta expectativa em relação ao indivíduo sem que este tenha o esperado sucesso leva-o a profundas frustrações, deprimindo-o. Eles esclarecem que “todo o moderno conceito de empreendedorismo, toda a noção liberal contemporânea de que o indivíduo constrói sua realidade a partir do seu esforço, enfim toda a base da discussão de meritocracia está na crença racional iluminista de que o indivíduo será a capaz de mudar o seu destino assim que deixar de ser preguiçoso ou tomar consciência”.

Para Frankl cada época tem a sua neurose e para cada uma é necessário a existência de uma terapia específica, pois as expectativas humanas estão sempre à frente da realidade que as circundam. Frankl sustenta que, diferente do passado da humanidade, não sofremos mais com as frustrações  sexuais, somos sim, tomados por um profundo sentimento de frustração existencial, ou como o próprio esclarece: “um sentimento abismal de falta de sentido”. Este vazio existencial, segundo Frankl, ocorre pelo sentimento de vazio interior causado pelo conformismo ou pelo totalitarismo: este por só fazer o que os outros querem, aquele por só fazer aquilo que os outros fazem, pois afirma Frankl, “o homem de hoje não tem mais a tradição que lhe diga o que deve fazer, daí decorre o sentimento de vazio, pois não sabe o que fazer”. Essa observação de Frankl é  muito interessante porque tradição é raiz, história e continuidade. Quando ele considera a ausência de tradição como um complicador na vida do indivíduo  mostra que há um sério  fator de desestabilização interior. Logo, ele entende que o sentido para a vida precisa de um passado que dê significado à vida.

Frankl argumenta que este comportamento deriva de conflitos de consciência, de colisões de valores e de uma frustração existencial. Este tipo de estado psicológico Frankl denomina “neurose noogênica”. Segundo o psicólogo, a neurose noogênica é um profundo  sentimento de frustração que advém, muitas vezes, dos prazeres e diversões que escondem a dor da existência vazia e sem sentido na tentativa  de encontrar razões para viver, dar significado à vida. 

Frankl, em vista disso, recomenda uma humanização da psicoterapia. Para isto é  necessário rever aquilo que ele chama de “psicologismo dinâmico” consumado pelos seus fundadores Freud, Adler e Jung, respectivamente, psicanálise, psicologia individual e psicologia analítica que criam um distanciamento entre médico e paciente. Frankl esclarece que “o que conta muito mais é a relação humana entre o médico e o paciente”, e sustenta que o sonho da possibilidade de se explicar a vida psíquica com base em mecanismos e de um tratamento dos sofrimentos anímicos com ajuda do tecnicismo chegou ao fim pois a relação médico paciente deve estar cada vez mais próxima, mais humanizada. Em outros termos, o autor acredita que a busca por uma resposta aos porquês dos nossos sofrimentos não encontra eco nos mecanismos da técnica.

Essas investigações no ramo da psicologia inspiraram o autor a criar o tratamento chamado logoterapia que consiste na abordagem psicoterapeuta que se fundamenta empiricamente no sentido da vida. A sua base filosófica e científica é extraída da análise existencial que considera uma vida auto-realizável e humana, segundo definição na internet. A logoterapia nasceu a partir da necessidade, vista pelo seu autor, sobre uma melhor compreensão dos motivos que levam as pessoas a desenvolverem as neuroses. 

Ele identificou que a maior parte dos pacientes com estes sintomas pode se livrar da doença em pouco tempo, pois perceberá que a verdadeira causa para tanto sofrimento reside  basicamente na falta de sentido da vida. O que ele propõe é  que o médico tenha a percepção da realidade do paciente ao expor as origens das suas neuroses e mostrar que está no próprio paciente a fórmula para livrá-lo da doença.

Embora muito se transmita pelo livro, fica ainda a pergunta que não há uma resposta conclusiva. Qual o propósito da vida? A que se destina viver? No passado as respostas a estas questões variavam muito por causa das influências culturais e religiosas. Mas, na maioria das respostas encontrar-se-ia um sentido, um significado para a vida. Da antiguidade à Idade Média o propósito maior repousava na crença de uma vida paradisíaca no além vida. Para que o paraíso fosse possível era necessário obedecer os preceitos prescritos por forças transcendentais. 

Um fato incontestável é que nesses períodos viver não era fácil. A vida conspirava para a sobrevivência humana: guerras, doenças, catástrofes naturais, escravidão e barbáries institucionalizadas tornavam a vida insuportável. No entanto, havia razões para viver em meio a tantas cruezas humanas e incertezas da natureza. Estas razões estavam sempre repousadas numa força superior, seja ela encontrada entre os mitos ou no Deus de Abraão.

Saímos da “idade das trevas” e adentramos na era moderna com suas visões iluministas: era da revelação do potencial humano. O homem era a medida de todas as coisas e não bastava questionar e domar as forças da natureza, era necessário compreender os motivos da existência de Deus, questioná-Lo, colocá-Lo no tribunal da arrogância humana. E assim foi feito. Consequentemente, na medida em que nos tornamos mais íntimos das ciências, nos afastamos de Deus e da crença num propósito transcendente para a vida. 

Entramos, em seguida, na era da tecnologia e das ideologias. Os séculos XX e XXI representam a supremacia humana sobre todos as coisas. O homem acredita que está mais  próximo de Deus e que é seu concorrente e não mais o ser feito à sua imagem e semelhança, O “homem ciência” torna-se o próprio deus criador por compreender e transformar a natureza, por ser capaz de criar vida em laboratórios. As revoluções científicas e tecnológicas deram à humanidade um “sentido para a vida”: a busca hedonista pelo prazer máximo imediato. Tecnologia e consumo assumem ares divinos. A vida torna-se um espelho que reflete as distorções da psique humana. Destarte, passamos a ser a nossa maior ameaça e conspiramos contra a vida por não encontrar sentido algum que represente a natureza do novo ser humano.

Encontrar um sentido para a existência humana, em toda história da humanidade, nunca esteve tão distante quanto no presente século.  Com todos os problemas inerentes à sociedade moderna,  vivemos mais e melhor, somos mais livres, mais brilhantes. Mas, jamais experimentamos um vazio tão grande quanto vivemos hoje. Somos infelizes apesar de tudo.

Assim, encontrar um sentido para vida é um dos maiores desafios para os humanos modernos. É preciso um grande conhecimento de si para aceitar-se. Há um abismo grande entre o que somos e oque queremos ser. Na entrada do Delfos está escrito “conhece-te a ti primeiro”. Talvez aqui resida a verdadeira causa da angústia humana: não sabemos quem somos, e se não sabemos quem somos, qual é  o sentido da vida? 

A vida de cada um de nós é um poço de águas paradas, cristalina e reflete a nossa imagem que na maioria das vezes não é a nossa real imagem interior. Ali o que vemos é  um reflexo do que achamos que somos. A água límpida não expressa uma pureza de espírito. Quem tem coragem para mergulhar a mão no poço da sua vida e agitar a “límpida” água? Poucos tem. Aqueles que fazem isso, invariavelmente se decepcionam ao perceber que há muitas impurezas ocultas naquela água parada, límpida. Encontrar um sentido para a vida é  antes de tudo conhecer a si próprios como ensinavam os oráculos de Delfos. A razão para viver, conforme ensina Frankl, está numa aproximação com Deus, no entregar-se ao Criador. A técnica não é capaz de compreender a complexa natureza humana. A fé sempre regará o terreno dos fatos. É o que aprendemos em O Sofrimento de uma vida sem sentido.