Russell Kirk (1918-1994) foi um dos mais notáveis conservadores do século XX. Ele foi o tipo de pessoa em que não havia dissonância entre suas condutas pessoais e seus princípios , pelo contrário: vivia de acordo com eles. Russell Kirk foi um conservador no discurso e na prática e tinha o conservadorismo como um imperativo da sua vida. Em um opúsculo escreveu um grande tratado sobre conservadorismo. A obra intitula-se Breve Manual do Conservadorismo. Russell Kirk reflete sobre as condutas e a cosmovisão conservadora aplicadas aos vários temas sociais, bem como desmistifica muitos mitos e desconstrói visões distorcidas de alas liberais e progressistas acerca da filosofia de vida do conservador.

Nos últimos anos vimos a ascensão da direita em países da América do Sul e da Europa. Um presidente americano de direita foi eleito e no Brasil o fenômeno se repete com a eleição presidencial colocando no poder um presidente igualmente de direita. Neste mesmo período, no Brasil, a direita abandona a posição  de timidez e uma onda conservadora toma conta do território brasileiro. Entretanto, apesar disso, o cenário não parece indicar um fortalecimento da direita no Brasil. O que nos leva à seguinte questão: há realmente direita no Brasil? Do mesmo modo, desconfiamos da onda conservadora em ascensão no período supracitado.

No âmbito social e político a palavra conservador quase se viu transformada em um palavrão. Até o início da maré conservadora atual o que se via era uma letargia  intelectual seguida da ausência total de participação  nos segmentos políticos e sociais dos conservadores brasileiros. Enquanto a esquerda se fortaleceu durante mais de três décadas, ocupando as cátedras, imprensa, instituições educacionais, instituições públicas; enquanto a esquerda no mesmo período produziu intelectuais encarregados de propagar sua ideologia para as diversas camadas e segmentos sociais, penetrando e modificando profundamente o tecido social, ao seu turno, a direita calou-se, recolheu-se a condição de expectador e viu o bonde passar, ficou para trás. Agora ressurge das cinzas como a fênix. Mas a coisa parece um pouco confusa, desorganizada. A direita brasileira, se existe, está desorientada. Carece de propósito, de filosofia e de senso de sentido. Portanto, o conservadorismo no Brasil se põe em cheque.

Toda ideologia precisa de uma base teórica forte, projeto das experiências históricas daqueles que se debruçaram na construção das ideias políticas que o sustentem. Sobre essa base teórica desenvolve-se os princípios norteadores nos quais brotam os verdadeiros  insurgentes. A face do conservadorismo no Brasil espelha muito mais as posições pessoais alimentadas por interesses políticos e econômicos do que uma filosofia política. Do mesmo modo, no Brasil, a direita conservadora nunca foi militante, jamais formou movimentos sociais  (salvo em alguns casos como o da marcha da família: famoso movimentos que levou mais de um milhão de pessoas às ruas em prol da família em 1964), criou ou participou parcamente de agremiações, foi fraca na produção  literária (com algumas exceções – Olavo de Carvalho e Alessandro Loiola, são exemplo) e apática nas participações  políticas  no Brasil pós era Vargas. 

Destarte, o conservador brasileiro é um ente não  político e vive apenas voltado para os seus interesses. Porém, como já foi exposto aqui nos últimos tempo, a direita reagiu. Entretanto, pela ausência de princípios norteadores, o que se vê é o ressurgimento de um movimento altamente fragmentado e mais uma vez alimentado pelos interesses pessoais sem base ideológica que o sustente. Portanto, a nova direita brasileira precisa revisitar a sua parca história, estudar os princípios do conservadorismo e atuar como elemento político nas esferas estatais, interagindo nas mudanças sociais com vigor.

Assim, após a exposição de um cenário não muito animador sobre o conservadorismo no Brasil, o caminho para mudar esse cenário e estudar os princípios. Desta maneira, a recomendação é iniciar os estudos por aquele que foi um dos maiores defensores do conservadorismo, o americano Russell Kirk. Dentre as suas obras destacamos Breve Manual do Conservadorismo, estudo obrigatório para quem deseja entender o conservadorismo. Nesta obra, Russell Kirk sintetiza as suas reflexões nos temas mais importantes da sociedade tais como religião, família, comunidade, propriedades, educação, governo, em suma, tudo aquilo que na visão do conservador lhe é tão importante. Russell Kirk se reporta sempre à sociedade americana e ao seu estilo de vida, pois tem nos ideais dos Pais fundadores da nação americana a referência sob as quais nasceu o conservadorismo americano. Porém, a obra é de abrangência global, uma vez que sua base teórica  abarca aquilo que nas origens da humanidade representa a preservação do próprio ser humano.

Todo  ato de consciência é privado, individual, explica Russell Kirk. A consciência não pode ser coletiva porque é algo inerente ao indivíduo. Quando refletimos sobre algo há por trás a nossa consciência que nos indica o que é certo e o que é errado. Como acentua Russell Kirk, por “consciência social” o radical deixa implícita a crença de que o indivíduo deve se sentir culpado por ser de alguma forma superior — e mais, que de alguma forma uma justiça abstrata dita à humanidade o direito e o dever de manter todos num só patamar imóvel de igualdade

Moralmente sabemos como devemos agir graças a este sentimento que nos dita a direção a ser tomada. Se a direção é errada entra a moralidade nos fazendo refletir sobre nossos atos. Neste sentido, Russell Kirk nos mostra que quando o coletivismo se torna o imperativo moral para as ações do indivíduo,  transferimos para outro, neste caso o Estado, a responsabilidade dos nossos atos em troca de um falso sentimento de segurança, tornando-nos servis e obedientes ao sistema. Portanto, para Russell Kirk, a consciência é de domínio particular e afirma que  não existe a tal “consciência pública” ou um “Estado de consciência”. Portanto, ele acredita que “a consciência é simplesmente consciência”. “Ela não é ”social  ou ”anti-social ”. Ela é o senso de certo e de justiça que ensina o ser humano como pessoa moral a conviver com outras pessoas morais. Por isso Russell Kirk defende que a sociedade será boa quando tiver homens e mulheres governados pela consciência, por um forte senso moral de certo e errado, pelas convicções inatas de honra e justiça, seja qual for seu maquinário político. Mas a consciência a que Russell Kirk se refere não é a coletiva. Ele se refere à consciência humana individual que confere ao indivíduo que se encontra na posição de poder, a capacidade de usar o poder com responsabilidade e prudência e tendo como referência o indivíduo e seus anseios por liberdade, direitos e garantias.

Portanto, a essência do conservadorismo está na reflexão rigorosa extraída da observação dos fatos sociais aliada ao sentimento moral de convivência, felicidade, união e defesa dos seus  princípios, como fez o irlandês Edmund Burke (1729-1791) ao fundar as bases política e filosófica do pensamento conservador. Com efeito, a essência do conservadorismo foi construída como base nas  instituições que circundam a sociedade humana. Por isso, observa Russell Kirk, que instintivamente o homem é um conservador. Se assim não o fosse ele não teria evoluído pois ao não preservar aquilo que era importante para a sua sobrevivência o homem estaria condenado a sempre voltar ao começo, uma vez que o que foi construído seria destruído sem nem mesmo aproveitar as experiência históricas que levou a sociedade até àquele ponto. 

Entretanto, preservar por um instinto natural não faz o conservador. Deveras, Russell Kirk esclarece que “o conservadorismo instintivo deve ser reforçado pelo conservadorismo pensado e imaginativo. Este é um importante axioma para reflexão pois sendo o ato de conservar inerente à condição humana  faz-se necessário que se construa o pensamento conservador sobre base histórica e filosófica pois disso depende a sua sobrevivência e posteridade. Com efeito, o estudo profundo dos seus preceitos levará a construção de elementos teóricos capazes de edificar em volta dos ideais conservadores uma nuvem de argumentos sólidos e convincentes.

Russell Kirk também explana suas ideias sobre o conservador e a individualidade. Neste capítulo, ele explica os equívocos e distorções causados pelos socialistas ao propagar que o conservador é um individualista insensível, reacionário, retrógrado, contra o progresso e preso ao passado. O autor lembra o quanto é errônea a ideia de que o indivíduo é inimigo do coletivo. Ideia absurda de quem a apregoa, pois é sabido que não é possível uma coletividade sem indivíduo. A defesa do conservador a favor do indivíduo é um fato por este  entender que é valorizando-se a sua própria essência como pessoa, assim como respeitando a do outro, é que o conservador, ao fazer bem para si estará contribuindo com a felicidade de muitos, pois movido por um sentimento de pertencimento a comunidade humana o homem de bem deseja que todos prosperem e sente-se feliz e recompensado em compartilhar o produto da vitória.

Russell Kirk assevera que o conservador não é individualista no sentido egoísta em que os opositores tentam passar para a sociedade. Outrossim, defende o primado da liberdade individual pois entende que não há coletivo humano sem as suas células, a saber: os indivíduos. Russell Kirk acredita que o indivíduo é o elemento mais importante da sociedade. Portanto, cabe ao governo proteger o indivíduo com ordem e justiça criando as condições necessárias para o seu pleno desenvolvimento sem interferir na sua liberdade. Sendo o indivíduo a menor e nem por isso a menos importante parte do todo social, sem o qual a sociedade humana não existiria, aquilo que for bom para o indivíduo será  também, na maioria dos casos, para a coletividade. Ademais, esclarece Russel Kirk que o conservador, porém, é um individualista no sentido de acreditar na primazia do indivíduo, no direito que a pessoa humana tem de ser ela mesma e conclui o conservador é igualmente contra o “individualismo” como ideologia política radical, e contrário aos sistemas políticos que tornam o indivíduo um mero servo do Estado“.

Assim, o indivíduo, a religião, a educação, a família e a propriedade são temas tratados por Russell Kirk em Breve Manual do Conservadorismo. Essas categorias são as bases sobre as quais o conservador constrói e extrai os princípios norteadores do conservadorismo. Desse modo, os princípios conservadores declaram que o indivíduo é o mais importante elemento para o conservador pois reside no princípio da individualidade o ponto de partida para a existência da humanidade. Logo, declara Russell Kirk: O conservador sempre pensa primeiro no ser humano individual. O que é ruim para indivíduos é ruim para a sociedade.

A família é a segunda coisa que mais importa na vida do conservador. Russell Kirk mostra que é sob a influência  da família que o caráter do indivíduo se desenvolve. Mas uma vez o sentido de pertencimento se faz presente para quem tem na família o alicerce sobre o qual construiu a sua vida. A defesa da família como o elemento basilar formador da sociedade humana não é nova e muitas pessoas dedicaram parte da suas vidas na defesa da família, sobretudo aquelas pessoas cuja família é orientada religiosamente. 

Décadas se passaram e as coisas não mudaram, pelo contrário, só piorou. Desde então o que se viu foi o enfraquecimento da instituição familiar a tal ponto que filhos agridem os pais abertamente e muitas vezes com apoio da justiça legal, como é o caso no Brasil com leis e instituições  que confrontam a autoridade dos pais frente a qualquer queixa dos filhos. Este questionável comportamento estatal é o reflexo da educação moderna cuja dinâmica visa que os pais percam o controle para os filhos e os passe para o Estado. O sistema educacional visa tão-somente doutrinar, é o que nos mostra Russell Kirk: “A pessoa aprende a amar com a família, e o amor se esvai quando a vida em família é comprometida”. Logo, na família em que o imperativo  é o amor, a violência  não encontra terreno para  germinar. A convivência baseada na Fé e no amor a Deus é o melhor tonificante familiar. Neste sentido, é absolutamente desnecessária a interferência do Estado na educação.

A educação e a religião têm um significado peculiar na vida do conservador. O conservador sabe que essas duas categorias, juntas com o ambiente familiar saudável são o alicerce na formação do caráter. Desta maneira, o conservador é um religioso formado em corpo e alma através da educação voltada para o aprimoramento das faculdades intelectuais, enquanto na religião encontra os meios para o crescimento espiritual e aproximação com Deus. Russell Kirk destaca a importância que Edmund Burke dava à religião ao transcrever uma das suas asserções. Para ele: Sabemos e sentimos internamente que a religião é a base da sociedade civilizada, e a fonte de todo bem e todo conforto e adiciona o conservador acredita que o temor de Deus é o princípio da sabedoria.

Russell Kirk faz no seu Breve Manual do Conservadorismo severas críticas  aos sistemas  educacionais em que o Estado assume a responsabilidade de “educar” as crianças e os jovens adultos, pois sabe que a doutrinação das mentes em fase de aprendizagem é o único  intuito do Estado. A isso Russell Kirk adverte: Se tivessem a oportunidade, alguns deles diriam que “a religião da democracia” deveria substituir as convicções religiosas nas quais quase todas as escolas tiveram origem. Eles não querem intelectos reverentes ou inquisitivos, mas mentes submissas e uniformes. O autor não  critica a escola, mas os métodos educacionais  impostos pelo Estado conforme se lê nas suas palavras: Não, a escola é muito mais importante: trata-se de uma instituição que tem por objetivo transmitir disciplinas intelectuais e morais sólidas à nova geração. O que Russell Kirk refuta é o devaneio dos progressistas sociais ao utilizar a máquina estatal, sob o aforismo de que a educação é aquela que transforma o indivíduo, para na realidade incutir ideias unilaterais nas jovens cabeças e colher os frutos posteriormente. Por isso que Russell Kirk assevera: Na opinião do radical, a escola existe para trabalhar em prol da “sociedade”, e não primariamente em favor do indivíduo, e conclui, Assim, o conservador acredita que precisamos falar menos sobre “dinâmicas de grupo” e “reconstrução social” em nossas escolas, e fazer mais para restaurar as velhas e indispensáveis disciplinas como leitura, escrita, matemática, ciências, literatura imaginativa e história.

Por último, a propriedade privada, o maior objeto de cobiça do Estado , sobretudo  nos governos  totalitários, é fruto do trabalho e da conquista individual. A propriedade privada é a recompensa pelas exaustivas horas de trabalho com o intuito de construir um patrimônio com garantias de uma vida plena e feliz. Portanto, aquilo que o indivíduo adquire sob o suor do seu trabalho lhe pertence por direito e ninguém pode usurpar. Neste sentido, Russell Kirk se opõe veementemente à errônea  ideia marxista acerca da acumulação de capital. 

Do mesmo modo, como combatente à ideia de intervenção estatal na propriedade privada ele esclarece que homens e mulheres têm três direitos fundamentais: o direito à vida, o direito à liberdade e o direito à propriedade privada. Sendo o direito à propriedade privada o único  meio de se formar uma família  e prosperar conforme  esclarece: mas se não existisse propriedade privada, não seríamos todos ricos: ao invés disso, seríamos todos pobres. De fato, continuando, a propriedade privada é, em alguma medida, um fim em si mesma, mas também um meio para a cultura e para a liberdade. Assim, para Russell Kirk, a verdadeira  finalidade da propriedade é na visão cristã, a propriedade é outorgada a indivíduos para que possam servir a Deus e o próximo dispondo a propriedade para bom uso.

Ser conservador é mais que se assumir como um, porque está em alta sê-lo. Do mesmo modo, não se pode achar que se é conservador apenas por ter algumas atitudes que são facilmente confundidas com reacionário ou imobilista pelos opositores do pensamento conservador. Ensina Russell Kirk na sua pequena obra, mas de significado imenso para quem deseja conhecer as ideias conservadoras, que o conservador precisa estar preparado para lidar com os radicais, conforme ele chama assim os socialistas, racistas e comunistas, e suas retóricas. Somente o preparo através dos estudos  rigorosos, observando os princípios basilares ensinado pelas grandes personalidades do conservadorismo é capaz de perpetuar e fortalecer a comunidade de conservadores.  Neste sentido, a comunidade deve se inspirar na estratégia dos radicais: entrar nas instituições públicas, se inserir na imprensa, produzir uma boa literatura e ser militante. 

Pois, é desta maneira que as ideias conservadoras fincarão raízes profundas no solo fértil da sociedade e darão frutos que farão frente opositora ao pensamento socialista radical. João Pereira Coutinho em seu livro As Ideias Conservadoras postula “todos nós somos conservadores pelo menos no que se refere à família, aos amores e livros”. O consagrado autor está  corretíssimo, porém, precisamos querer muito mais que navegar nas ondas do momento se quisermos que as palavras do conservador ecoem.