O tenente-general romeno Ion Mihai Pacepa (1928—2021), ex-agente do ditador comunista romeno Nicolae Ceausescu (1918—1989), denúncia no livro, Desinformação, como Stálin e toda a máquina comunista soviética, utilizando o que hoje chamamos de fake news, desconstruíram a imagem do Papa Pio XII, fazendo o mundo acreditar que o Papa era aliado de Hitler. Do mesmo modo, Stálin forjou a imagem dos judeus e dos Estados Unidos como inimigo da Europa através da publicação do livro Os Protocolos dos Sábios de Sião. Notícias falsas, criação de personagens fictícios, manipulação dos meios de comunicação para enganar, trapacear e deturpar; a propaganda comunista se espalhou pelo mundo, ela não ficou restrita somente à URSS, ela se propagou pela Europa, Américas, África e Ásia. A Romênia é um exemplo tácito, pois, o ditador Ceausescu fez uso intensivo da propaganda para construir a imagem do governante exemplar a ponto de iludir a Europa e os EUA. Portanto, o uso dos meios de comunicação para fins políticos, distorcendo a verdade e criando uma realidade inventada, demonstra o triunfo da mentira sobre a verdade.

Na primeira parte do livro Pacepa descreve como ele foi recrutado pela Securitate, a polícia política da Romênia, e se tornou o braço direito do ditador comunista Nicolae Ceaușescu. Dado a sua importante posição no governo romeno, ele pôde ver e ouvir coisas que seria quase impossível para a maioria que apoiava direta ou indiretamente o comunismo no mundo. “de fato, por ser a Romênia um país relativamente pequeno, acredito que eu, como o seu mais alto funcionário da inteligência, muito provavelmente tinha uma imagem mais clara como o Kremlin e sua dezinformatsiya de fato funcionavam do que os demais”.

Pacepa revela que não tinha nenhuma simpatia pelos métodos e nem pela pessoa do ditador Ceausescu, assim como também não tinha consciência do quanto um governante era capaz de mentir e matar para atingir os seus objetivos políticos e pessoais. “Nessa época, eu já era um agente do bloco soviético. Não tinha, contudo, consciência de que a imagem de um líder soviético era importante a ponto de ir longe quando fosse necessário – até mesmo ao ponto de matar ou aprisionar milhões de pessoas, reescrever a história, destruir instituições, manipular a religião e modificar tradições. – no esforço de verificar a si próprio ou de demonizar seus competidores e inimigos”, revela Pacepa.

Desapontado por um regime que ele não concordava, mas se via obrigado a seguir, ganhou cada vez mais simpatia pelo estilo de vida e pela política dos norte-americano. Ao se opor ao regime comunista Pacepa colocava em risco a própria vida, o Kremlin e a Securitate o queriam morto e poucas não foram a tentativa para assassiná-lo. Pacepa revelou que quase sucumbiu às bombas de Carlos, o chacal. Foi nessa época que ele ficou conhecendo todo o processo de desconstrução da imagem de indivíduos e instituições. Por outro lado, foi também uma grande experiência, onde ele descobriu as reais intenções dos líderes comunistas, explica, Pacepa.

Pacepa explica que o Ceausescu utilizou muito bem a engrenagem do governo para construir a imagem do bom governante e do paraíso comunista, apesar de que ele estava mais preocupado com a própria imagem do que a soberania do partido. Ele foi o primeiro que fez uso do termo glasnost (abertura) antes de Mikhail Gorbachev, este utilizado como instrumento a favor da mentira, afirma Pacepa. Neste contexto, percebe-se que a desinformação era largamente utilizada dentro e fora da alta cúpula dos partidos comunistas do bloco dos países socialistas. A mensagem que Ceausescu tentava passar ao mundo era a mesma que Gorbachev, lembra Pacepa: “para longe do estado totalitário e em direção à democracia, à liberdade, à abertura”. Pacepa afirma que o termo glasnost era utilizado para santificar o líder do país. “Glasnost é um dos segredos mais secretos do Kremlin e certamente uma das principais razões para manter os arquivos da inteligência estrangeira da KGB ainda hermeticamente fechados”, escreve Pacepa. A frase proferida pelo chefe da KGB Iúri Andropov contida na presente obra revela o teor maquiavélico da propaganda comunista: “Deixe que os tolos crédulos acreditem que você quer perfumar o seu comunismo com um pouquinho de democracia ocidental, e eles irão cobri-los de ouro“. Ceausescu conseguiu, pois, se tornou o queridinho de Washington.

A Rússia estava infiltrada em todos os lugares no mundo. Os seus tentáculos eram chamados de “aldeias de Potemkin“, termo que significava Organização Internacional, cujo objetivo era espionar e escrever inverdades em jornais próprios. O Kremlin gastava milhões de dólares para manter a sua extensa rede dessas organizações internacionais de espionagem e manipulação de informação. Pacepa serviu em uma delas, confessa. Entre elas, destacou uma com um nome bastante curioso: Conselho Mundial da Paz ou WPC – foi a primeira dessas organizações, fundada em 1949, explicou Pacepa. A maior função dessas aldeias era espalhar mentiras e Pacepa revela que a principal função da WPC era publicar que “os Estados Unidos eram um país sionista provocador de guerras, financiado com dinheiro judeu e governado pelos Conselhos dos Sábios de Sião”. Segundo Pacepa, o objetivo era criar medo, espalhando notícias falsas sobre uma suposta aliança entre os Estados Unidos e os judeus para iniciar uma nova guerra objetivando transformar o resto do mundo num feudo judeu.

A técnica de apagar uma personalidade e pôr outra no lugar se chamava enquadramento, um dos instrumentos favoritos do Kremlin na arte da desinformação. Uma pessoa “enquadrada” tinha a sua reputação destruída ou prestígios garantidos de acordo à conveniência do Kremlin e seus subordinados. Esta técnica, explica Pacepa, consiste em alterar o passado da pessoa, transformando-a, muito rapidamente, numa personalidade de alcance mundial, ou destruindo a sua reputação completamente. A desinformação foi intensamente utilizada contra a religião pela propaganda política soviética, pois, destruir a religião era necessário. Mais que demolir igrejas e assassinar padres e freiras, era necessário acabar com a reputação do Papa.

A força da desinformação revelou-se em toda a sua dimensão quando Stálin resolveu desconstruir a imagem do Papa Pio XII, um exemplo tácito do poder e alcance da máquina de desinformação soviética. O referido Papa foi a vítima maior desse assassinato de reputação. A desinformação, semelhante à propaganda nazista, era um instrumento refinado e de incrível precisão, uma vez que o alvo estava estabelecido, o destino do Papa estava selado.

Marxistas como Stálin sabiam que um povo sem religião podia ser dominado com mais facilidade. Isto porque na falta da Fé transcendente, o povo encontra no Estado o suporte espiritual ao vazio deixado pela ausência da religião. Em vista disso, o objetivo de Stálin era a extinção das igrejas e destruição total do cristianismo, conforme explica Pacepa. Stálin planejou bem a destruição do cristianismo na URSS e nos países do Leste Europeu. Ele autorizou a demolição das igrejas e de todos os símbolos cristãos. Segue-se a isso o assassinato de milhares de padres, freiras, bispo e a condenação de muitos sacerdotes aos Gulags. Contudo, era preciso atingir mortalmente o seu principal representante da igreja e o alvo estava fora dos territórios comunistas: o Papa Pio XII. Neste sentido, o enquadramento é instrumento perfeito e o objetivo era mostrar que o Papa estava associado ao plano dos judeus para dominar o mundo. A imagem do “Papa de Hitler” precisava ser cuidadosamente criada e sistematicamente publicada nos quatro cantos do mundo.

Pacepa explica que o Papa Pio XII era, até então, o santo homem responsável por salvar a vida de milhares de judeus e que o fazia em silêncio. Todavia, Stálin pretendia provar, segundo Pacepa, que o Papa apoiava os judeus e o ato humanitário do Papa era uma fachada. De certa forma, isso criava vínculos com os judeus e poderia ser utilizado como prova contra a imagem do pontífice. O resultado de toda a trama é que até hoje se fala e escreve sobre o “Papa de Hitler”. Ainda que nenhuma evidência prove que o “enquadrado” cometeu o que lhe acusa a propaganda soviética, a sua imagem pública estava para sempre desacreditada. Mas, a estratégia também tinha outro lado: se o “enquadramento” era utilizado para prejudicar a reputação do indivíduo, também era usado com extrema habilidade para construir a imagem do líder carismático preocupado com a “salvação” do povo. Stalin usou a desinformação para passar para o mundo a imagem de um líder visionário, carismático e responsável pelo futuro glorioso do seu povo.

Pacepa mostra como Stálin enganou o mundo forjando uma personalidade que nem os Estados Unidos resistiram ao teatro: “outrora tendo se negado as relações diplomáticas com a maior parte do mundo livre, agora Stálin se junta ao clube privado dos vencedores. Foi indicado para o prêmio Nobel da paz e estava pronto para tomar o mundo”. O mundo foi enganado pelo mecanismo da desinformação da KGB. Nos próximos 10 anos, Stálin se nutriria desta imagem forjada sob os escombros formados pelos ossos das suas vítimas. Até hoje Stálin é visto como um grande líder não compreendido. Mas, sem sombra de dúvidas, uma das maiores façanhas da desinformação foi a desconstrução da imagem do Papa.

Pacepa conta que “no dia 3 de junho de 1945, a Rádio Moscou declarou oficialmente que o líder da Igreja Católica, o Papa Pio XII, tinha relações políticas com o nazismo e tratou de o chamar de o “Papa de Hitler”, assim, insinuando de maneira mordaz que ele fora um aliado dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Foi a primeira descarga de tiros de uma operação calculada da SMERSH para manchar aos olhos do mundo a reputação do pontífice”. A partir do momento que soube que lhe acusavam, o Papa Pio XII se lançou numa batalha pessoal para limpar a sua reputação. Muitas personalidades como Einstein saíram em defesa do Papa, ressaltando a dedicação do Papa na salvação de milhares de judeus dos campos de concentração nazistas, muitas vezes com recursos próprios. Muitos judeus livres foram testemunhas deste fato, e quando pode, saíram em defesa do Papa. Pacepa descreve que o Papa Pio XII e a Santa Sé foram responsáveis por salvar mais de 860 mil judeus das garras do nazismo.

Apesar de até hoje ainda haver gente que acredita na narrativa do “Papa de Hitler”, Stalin teve apenas um sucesso relativo em sua empreitada. Contudo, ele estava comprometido com a expansão da sua guerra contra religião e estava disposto a direcionar toda a inteligência da máquina comunista soviética para expurgar a religião naquilo que Pacepa chamou de guerra global contra a religião. Sem obter o êxito logrado na sua investida contra o Papa, Stálin aponta a sua arma, a desinformação, para outro alvo.

Os Estados Unidos acompanhavam os episódios de difamação do Papa com apreensão e demonstravam preocupação com a geopolítica de Stálin. Os americanos tinham reais motivos para preocupação. Com efeito, Stálin utilizou a desinformação para atacar a reputação dos americanos. Pacepa revela que “ele [Stalin] estava convencido de que o ódio aos judeus tinha raízes profundas na Europa, e que queria voltá-lo contra o seu novo inimigo. Assim, Stálin decidiu retratar os Estados Unidos como um reino sionista comprado com dinheiro judeu e governado por um ganancioso Conselho dos Sábios de Sião, assim chamado por Stálin, cujo mandachuvas militaristas queriam transformar o resto do mundo em um feudo judeu”. Stálin arquitetou um plano que além de atingir os americanos, desviaria a atenção do mundo para os judeus, deixando-o livre para levar adiante o seu plano pessoal de poder. O plano ficou conhecido sob a forma de um livro como Os Protocolos dos Sábios de Sião. Segundo KGB, os judeus pretendiam dominar o mundo se infiltrando em todas as organizações mundiais, controlando o sistema financeiro mundial e tendo sob o seu controle a geopolítica. Até hoje há pessoas que acreditam em cada linha do comentado livro. O diabólico livro é uma construção da inteligência da KGB quando um agente da KGB plagiou uma peça atribuída ao escritor francês Maurice Joly que retrata um “Diálogo no Inferno entre Maquiavel e Montesquieu”. Portanto, o livro condensa mais uma mentira.

Stálin tinha outras nações comunistas empenhadas na trama para destruir Os Estados Unidos e os Judeus. Pacepa esclarece que “a principal meta da dezinformatsiya da Securitate nessa nova terceira guerra mundial era ajudar Moscou a reavivar o anti-semitismo na Europa Ocidental espalhando milhares de cópias de uma antiga falsificação Russa, Os Protocolo dos Sábios de Sião, naquela região do mundo”.

Após a morte de Stalin, Nikita Kruschev (1894—1971) assume a dianteira no comando da hegemonia do Comunismo no mundo. Os líderes totalitários quando queriam dominar a massa da população pobre e analfabeta, sua primeira medida era proibir qualquer manifestação religiosa. Foi o que Stalin fez. Nikita Kruschev, ciente disso, empreendeu uma campanha na América do Sul com este objetivo. Mas, diferente de Stalin, ele optou por desconstruir a religião e remontá-la à luz do comunismo. Em 1968 a KGB convenceu alguns bispos latinos americanos de esquerda a sediar uma conferência em Medellín na Colômbia, nasce decorrente deste evento A Teologia da Libertação. Pacepa esclarece que “nos anos 1950 a 1960, a maioria dos latino-americanos era pobre, camponeses religiosos que aceitavam o status quo, Kruschev estava confiante que poderia ser convertidos ao marxismo através de uma manipulação hábil da religião”, e continuando “o propósito oficial da conferência era ajudar a eliminar a pobreza da América Latina. Sua meta não declarada era legitimar um movimento político criado pela KGB, apelidado de teologia da libertação, cuja missão secreta era incitar manobras latino-americano contra a violência institucionalizada da pobreza gerada pelos Estados Unidos”.

O Papa João Paulo II também foi submetido a desinformação. Pacepa mostra como John Cornwell, após escrever “O Papa de Hitler”, debruçou-se na criação dos livros “Rompendo com a Fé” e “O Papa no Inverno”, ambos de teor difamatório contra a pessoa do Papa João Paulo II.

“O Trabalho Liberta”, frase emblemática gravada no portão de entrada de Auschwitz. Falsa promessa para os mais de um milhão de judeus que cruzaram o portão para o “inferno”. A mentira, ou seja a desinformação, foi amplamente utilizada pelos nazistas, tanto para ter o total controle sob os presos em campos de concentração, como também para engrandecer a imagem de Hitler. Joseph Goebbels (1897—1945), ministro da propaganda nazista, dizia que “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. Entretanto, mentir nunca foi uma característica apenas dos comunistas. Em toda a história da humanidade a mentira sempre teve um lugar de destaque, sobretudo, na vida política. Os grandes governantes, mas não só eles, sempre utilizaram a mentira para conquistar mais poder, para ter as massas sob os seus domínios e eliminar opositores e qualquer ameaça aos seus interesses públicos e pessoais.

A mentira sempre foi e sempre será uma instituição política e social. Se há sociedade civil, então a mentira é o corolário. Pessimismo a parte, hoje a mentira como forma de assassinato de reputação não só está institucionalizada como também se tornou um lugar-comum e de alcance global graças ao advento das redes sociais. A desinformação agora passou a se chamar, na vanguarda ideológica, de “fake news”, cujo objetivo é o mesmo: destruir ou construir imagens de pessoas públicas e não públicas. A técnica que antes se chamava “enquadramento”, que como vimos neste breve artigo, consiste em apagar a imagem de uma pessoa e colocar outra em seu lugar, hoje ganhou uma irmã conhecida por “cancelamento” ou “ostracismo social” que nada mais é que destruir a reputação de pessoas e instituições através das redes sociais com uma grande participação das massas. Como se vê, a coisa saiu dos laboratórios das polícias políticas dos regimes fascistas, nazistas e comunistas e se encontra agora nas redes sociais, na imprensa, na política, nos movimentos sociais, nas ONGs e nos grandes órgãos globais como ONU, OCDE, UE etc.