O QUE SE VÊ E O QUE NÃO SE VÊ

 Para o economista francês Frédéric Bastiat (1801-1850) os governos da sua época ocultavam do povo as suas verdadeiras intenções. Aquilo que era feito à vista, na verdade, escondia os verdadeiros objetivos dos governantes. O povo recebia migalhas enquanto era extorquido, assim observava Bastiat. Suas críticas aos sistemas de exploração vigentes na sua época deram origem a um pequeno livro, que para muitos se tornou um tratado contra a opressão e a exploração do povo, O que se vê e o que não se vê. Atualmente o livro se tornou um clássico nos estudos do liberalismo econômico. Neste contexto, para os economistas, Bastiat observa: Entre um bom e um mau economista existe uma diferença: um se detém no efeito que se vê; o outro leva em conta tanto o efeito que se vê quanto aqueles que se devem prever“.

   O ensaio aborda o tema da economia política e a crítica às falácias econômicas. Bastiat argumenta que muitas vezes os governos e os povos dão atenção apenas aos benefícios imediatos e visíveis das políticas públicas, sobretudo aquelas voltadas para a economia, sem levar em conta, a longo prazo, as consequências não visíveis sobre as pessoas, entenda-se a população. Desta maneira o povo apenas vê  uma ponta do “iceberg” uma vez que ele não tem ciência do custo de certas decisões e escolhas que são feitas com o objetivo de satisfazer as necessidades gerais.

   Em sua famosa analogia da vidraça quebrada fica a vista que o vidraceiro é o beneficiado imediato, nas palavras de Bastiat, “é o que se vê”. Mas, “não se vê” que o dono da janela deixou de investir com o dinheiro que ele pagou ao vidraceiro. O mesmo ocorre com os governantes que parecem beneficiar o povo com a isenção de uma taxa ou um imposto, mas que na verdade recebe de volta o benefício feito ao povo com a cobrança de outro tipos de impostos, de modo que o dinheiro não arrecadado no benefício sempre retorna de outra maneira para o governo. “O que seria dos vidraceiros se os vidros nunca quebrassem”, realça Bastiat. 

   Bastiat não se opõe à aplicação dos recursos públicos de forma equilibrada e necessária, o que ele refuta são os gastos ou cobranças de impostos quando as verdadeiras intenções e beneficiados ficam ocultos aos olhos dos contribuintes. Neste sentido, isso vai além das questões fiscais e tributárias. Governos fazem uma coisa enquanto omite do povo o que de fato estão fazendo. Neste jogo da má política o povo é o único prejudicado. Para Bastiat é necessário que estejamos conscientes dos nossos direitos de fiscalizar como os governos aplicam os recursos oriundos dos impostos que cobram dos contribuintes, para que em suas palavras, “habituemo-nos, pois, a julgar as coisas não somente pelo que se vê, mas também pelo que não se vê”. Na economia e nas funções do governo as más ações têm consequências ruins, ao passo que boas ações têm resultados bons para todos.

   Um tema controverso é a aplicação do dinheiro que o governo destina à cultura. No capítulo Teatro, Belas Artes, Bastiat não se coloca contra o investimento público na cultura, mas protesta contra o que se faz verdadeiramente desses recursos. No Brasil, tivemos como exemplo a captação de recursos e a aplicação destes em todas as esferas da cultura. O que se vê é muita propaganda do governo dizendo-se investir os recursos da Lei Rouanet no auxílio aos artistas itinerantes, no incentivo ao teatro popular, na manutenção das tradições culturais locais. O que não se vê com facilidade é que esses recursos são direcionados para patrocinar grandes eventos de artistas milionários sem que o povo se beneficie com isso. O que não se vê são os acordos secretos pagos com dinheiro público sob a forma da dita Lei.

  No contexto político, povo e Estado estão em lados opostos. O Estado promete segurança para o povo, pois em última instância garantias de paz e de respeito aos acordos é o que os governados esperam. Bastiat argumenta que “o Estado é uma grande ficção através  do qual todo mundo se esforça para viver às custas de todo mundo”, e o povo é a parte que se entrega para a espoliação. É a parte que alimenta o imenso corpo estatal. Para isso é preciso retirar o máximo possível do povo e devolvê-lo o mínimo necessário.  O que se vê se coloca longe dos olhos da sociedade. O que não se vê é o que na realidade é feito às custas do povo.

   Em suma Bastiat, deixou um um legado de grande importância para a liberdade de mercado. Seus estudos são um dos marcos na histórias dos homens que pensaram sobre a economia. Neste contexto, Bastiat veio a influenciar muitos economistas como Ludwig von Mises, Friedrich August von Hayek, todos eminentes membros da Escola Austríaca de Economia, que muito contribuíram para os estudos da teoria subjetiva do valor, o marginalismo na teoria dos preços e o problema do cálculo econômico.

   Os visionários da Escola Austríaca de Economia acreditavam que havia bem mais que números e planejamento na economia. Eles postulavam que o sistema econômico era movido pelas trocas voluntárias em que a lei é a da liberdade econômica. Uma das principais contribuições de Bastiat para a Escola Austríaca foi a sua defesa da liberdade econômica e da propriedade privada como elementos essenciais para o desenvolvimento econômico.

   Por vez, não se vê nas ideias de Bastiat um estudo sobre livre mercado laissez-faire, mas os seus protestos ao governo da época foram inspiradores. Em seu pequeno ensaio O que vê é o que não se vê, Bastiat deixou críticas e argumentos para as futuras gerações de economistas que não concordavam com a excessiva intromissão do governo na vida do indivíduo. Por tudo isso Bastiat se encontra entre os mais importantes economistas e a sua obra está entre aquelas que deram o arcabouço para uma economia de mercado voltada para o indivíduo. Isso faz dele um dos mais importantes defensores do liberalismo econômico.