“Sopram ventos malignos no planeta azul. Nossas vidas titubeiam no turbilhão de múltiplas crises. Uma crise econômica que se prolonga em precariedade de trabalho e em salários de pobreza. Um terrorismo fanático que fratura a convivência humana, aumenta o medo cotidiano e dá amparo à restrição da liberdade em nome da segurança. Uma marcha aparentemente inelutável rumo à inabitabilidade de nosso único lar, a Terra. Assim, o professor e escritor espanhol Manuel Castells, especializado em análise de como a tecnologia interfere nas nossas vidas de uma perspectiva política, inicia esta visão ensaística em seu livro Ruptura – a crise da democracia liberal, sobre a falência da democracia liberal na era da Internet. 

   Esta obra procura demonstrar como em uma democracia rompemos com certos valores em nome da liberalidade e como isso causou uma fissura na relação de confiança entre as pessoas, os políticos e as instituições.  O livro revela que o poder das mídias, explorados pelas elites governantes tecnocratas, grandes responsáveis por formar a opinião comum, encontra na própria liberdade que o indivíduo possui na Internet um forte elemento agregador dessa quebra de legitimidade das instituições políticas. 

   Neste sentido, a obra rompe com várias estruturas sociais conforme esclarece Manuel Castells: “Uma permanente ameaças de guerras atrozes como forma de lidar com os conflitos; um violência crescente contra as mulheres que ousaram ser elas mesmas; um galáxia de comunicação dominada pela mentira, agora chamada pós-verdade; uma sociedade sem privacidade, na qual nos transformamos em dados; e uma cultura denominada entretenimento, construída sobre estímulo de nossos baixos instintos e a comercialização de nossos demônios”Manuel Castells observa aqui que estamos vivendo tempos sombrios. Tudo isso sob a promessa de uma sociedade justa e democrática.

   Democracia, em princípio, supostamente é o que há de melhor como sistema político e de governança para uma sociedade justa, mas que na prática é pervertida num processo de injustiça coletiva. Deveras, onde todos mandam não há quem obedeça e, portanto, não há ordem e sem ordenamento impera o Instituto da anarquia.

   Neste sentido, alerta Manuel Castells, estamos órfão de um abrigo que nos proteja em nome de interesses comuns. A isto, Manuel Castells chama a atenção para a nossa incapacidade de lidar com as múltiplas crises que envenenam as nossas vidas. Daí ele afirma que há uma ruptura da relação entre governantes e governados. Neste sentido fica evidenciado que o autor não tem como alvo crítico os sistemas de governos, mas a pessoa moral e ética que se encontra no controle destes sistemas. Como ele bem argumenta, não se trata de opções políticas de esquerda e direita, mas de um colapso gradual de um modelo político de representação e governança. Com efeito, Manuel Castells assevera que isso assinala o fim da democracia liberal que se havia consolidado nos dois últimos séculos, à custa de lágrimas, suor e sangue, contra os Estados autoritários e o arbítrio institucional

   Para o autor, no momento estamos vivenciando uma profunda crise de legitimidade política e institucional. Não confiamos nos nossos políticos. Eles, na maioria, não nos representam. Para Castells, na atualidade, a internet é a maior  responsável pelo aumento do desconforto que apresentamos pelos nossos políticos, porque, afirma Castells, a luta pelo poder nas sociedades democráticas atuais passa pela política midiática, passa pela política do escândalo. 

   Manuel Castells, lembra que os lemas “Não nos representam” é um esforço em países que ansiavam por uma verdadeira democracia e um grito contra todos os governantes que pretendiam governar para os seus interesses, ignorando a vontade e crenças do povo. Para Manuel Castells, este grito não é uma rejeição à democracia, mas à democracia liberal tal como existe em cada país, em nome da democracia real”. Desta maneira, adverte o autor, Trump, Brexit, Le Pen, Macron e tantos outros líderes políticos são lideranças que na prática, negam as formas partidárias existentes e alteram de forma profunda a ordem política nacional e mundial”. 

   Note-se às análises de Manuel Castells recai não sobre os Estados Unidos, mas também Europa, América Latina e Ásia e desta forma deixa claro que neste momento a problemática discutida não se restringe a territórios locais, mas ao território mundial, ou ainda mais profundo, fere as bases da democracia e o sistema de governos representativos.

   Em suma, Ruptura – a crise da democracia liberal não é mais um livro que se posiciona à esquerda ou à direita, mas que adverte sobre um grave problema a perpassa a democracia representativa. Aos poucos, o conceito de democracia está sendo modificado para um significado que o mantém distante da sua forma original. Nas suas variadas vertentes, reside o perigo da dissolução dos seus princípios norteadores. 

   O Manuel Castells deixa nesta obra uma advertência às instituições que subvertem os valores democráticos sob o comando de governantes corrupto e déspotas, ao mesmo tempo que lança um alerta  cidadãos do mundo para que se mantenham alertas e gritem sempre que os sistemas representativos em voga não os representem.

Porque quanto mais abstrato se torna o sistema de poder articulado nas redes, mais a defesa do direito a ser se refugia em identidades irredutíveis às lógicas dominantes. Ao poder da Rede opõe-se o poder da identidade.

Nessa situação de crise estrutural e bloqueio institucional, são os movimentos sociais autônomos, como tantas vezes na história, que exploram novas formas de ação coletiva enraizadas na vivência daqueles que produzem, vivem, sofrem, amam e projetam na urdidura da experiência humana.

O Brexit não debilitou somente o projeto europeu, como também, de forma inesperada e indireta, o consenso neoliberal da classe política.

O pertencimento racial foi o indicador-chave dessa reação maciça dos brancos. Parece que a eleição de Obama, em vez de ter apaziguado o racismo, aguçou-o, levando para Trump o voto do ressentimento racial dos brancos, particularmente acentuado entre os brancos de menor instrução, mas igualmente majoritário entre os homens da classe média com qualificação profissional.