Em que medida a desobediência civil pode ser considerada um instrumento legítimo de reivindicações populares? Quando um indivíduo faz uso dessa manifestação, ele tem mesma responsabilidade civil que quando é praticado por um grupo? O cidadão civil se revolta contra o líder público quando este deixa de cumprir suas obrigações e age em benefício próprio em detrimento da provisão de conforto e segurança para o povo. Os cidadãos e as cidadãs têm o direito e a responsabilidade de se envolverem em um diálogo crítico com o poder político, questionando a legitimidade de suas ações e defendendo seus direitos e interesses. A desobediência civil, nesse sentido, pode ser vista como um ato de resistência e afirmação da liberdade e da justiça, que implica um compromisso ético com a ação política e a transformação social. 

     Por que obedecer às leis que longe dos benefícios que se pretendem nos impõe pesados ônus?  De que maneira que os cidadãos esperam que seus governantes cumpram seu papel de criar um espaço onde as pessoas possam viver felizes, seguras e prósperas – este espaço sendo a nação e o território, nele o indivíduo nutre o sentimento de pertencimento e amor pelo solo pátrio. Neste contexto, as leis são um instrumento pelo qual a ordem é garantida. A lei não pode oprimir o indivíduo. Leis que implicam em prejuízo para quem elas deveriam proteger é um corolário do despotismo. Diante dessa perspectiva, é compreensível que a população se revolte quando confrontada com a opressão dos déspotas. Consequentemente, esses fatores dão legitimidade à desobediência civil.

     Em 1846, Emerson David Thoreau, um inglês insatisfeito com a guerra que seu país empreendia contra o México, revoltado com a escravidão e o tratamento dado aos índios, protestos contra o governo não pagando os impostos e por isso foi preso por um dia. Em seu opúsculo, A Desobediência Civil, Thoreau questiona a legitimidade do poder político e afirma a importância da autonomia individual em relação ao Estado. Para ele, a desobediência civil é uma forma de resistência pacífica que permite ao indivíduo demostrar o seu repúdio e independência moral contra as manobras políticas. Thoreau destaca a importância da consciência individual e do questionamento crítico como elementos fundamentais da ação política e da luta pela justiça social.

O Estado nunca confronta intencionalmente a consciência intelectual ou moral de um homem, mas apenas seu corpo, seus sentidos, Ele não está equipado com uma inteligência superior ou honestidade, mas com força física superior. Não nasci para ser forçado. (Thoreau)

     “Para todo o direito há deveres”, essa é uma regra aprendida no início do curso de direito. O indivíduo comum traz essa noção implicitamente em sua vida. Do mesmo modo, “o direito de um, implica o dever do outro”, de maneira que  sem essas distinções simples a vida em sociedade se torna insustentável. Pagar os impostos, não infligir as leis, é fundamental para a vida em sociedade. Sem esses atributos de civilização seria, nas palavras de Thomas Hobbes, “a luta de todos contra todos”, em outras palavras, o caos social. Todavia, as leis não podem tirar a liberdade do cidadão de bem e os impostos não podem ser cobrados de maneira injusta. O objetivo primordial das suas existências e aplicações é proporcionar aos indivíduos em sociedade segurança e bem-estar.

     Os impostos são importantes porque é através deles que o Estado desenvolve um espaço onde possamos desfrutar da nossa liberdade, criar e educar os nossos filhos e proteger as nossas propriedades. As leis são importantes porque é através delas que reivindicamos nossos direitos, geramos a relação de confiança nos acordos e contratos e evitamos a desordem através do estabelecimento e aplicação de regras de convivência. Contudo é contra os excessos dos impostos e o abuso na aplicação das leis que os cidadãos e cidadãs se revoltam, pois cobranças exageradas e desnecessárias de impostos é uma extorsão. Do mesmo modo, leis criadas com o propósito de atender a interesses particulares são injustas e desumanas.

     O povo não pode aceitar que o político abuse dos recursos que nós, quando o escolhemos para governar esperávamos que estes fossem aplicados em nosso proveito. Por isso a desobediência civil é o meio pelo qual o indivíduo ou a comunidade pode,  sem o uso de meios violentos, reivindicar os seus direitos, pois é verdade, o Estado não pode impor os seus imperativos políticos sem que o povo esteja em total consonância com estes.

Se uma planta não pode viver de acordo com sua natureza, ela morre; o mesmo vale para o homem. (Thoreau)

     Um governo justo é aquele que é depositário da fé do seu povo. Agir de maneira diferente aos interesses do povo é traí-lo. O povo não escolhe seus líderes políticos para serem traídos por eles. O povo os escolhe para serem representantes legítimos dos seus interesses. Sendo assim, senhores governantes, conduzam a nação do povo para o povo. Não pense que vocês sabem o que o povo quer porque não sabem. Mas o povo sabe o que quer. Isso fica latente quando a voz do povo é realmente ecoada nos palácios. Quando o povo cede um pouco da sua liberdade  e recursos para viver em ordem e segurança é porque espera que o governante crie um espaço para a sua prosperidade.

     Em resumo, a desobediência civil pode ser vista como uma forma de ação política e ética que reivindica a autonomia individual, a liberdade e a justiça social. Entretanto, numa democracia conduzida por governantes justos, a desobediência civil deve ser o último instrumento que o cidadão deve utilizar como manifestação contra a espoliação dos seus governantes, pois ao agir assim pode criar as condições necessárias  para a desordem civil, sérios riscos de levar a sociedade para a anarquia.