Uma Filosofia Política, eis aqui uma sintetização dos pensamentos de Roger Scruton, mais filósofo, mais político. Scruton é  autor de várias obras. Já escreveu sobre o pessimismo, transformou com o seu toque mágico o vinho em filosofia e a filosofia em vinho, buscou uma reflexão filosófica para o verde planeta e construiu grandes argumentos para o conservadorismo.

Uma Filosofia Política, seu livro, sintetiza os pensamentos deste grande filósofo inglês como um dos maiores defensores do conservadorismo. Nesta obra, Scruton mantenhe-se firme na preservação dos valores tradicionais que foram construídos ao longo dos séculos. Ele é  o Edmund Burke do século XXI.

Scruton refaz o caminho que vem trilhando durante toda a sua vida de intelectual. Aqui ele revisita suas idéias sobre Nação, Natureza, Amizades, família, liberdade, leis e direitos. Nesta obra Scruton condensa suas reflexões para a compreensão de um mundo complexo e de caminhos incertos.

 

Território, globalização e nacionalismo

O homem conservador valoriza o seu território como a representação da sua história. Ele constrói vínculos com o local de nascimento. Parte da formação deste homem é resultado de muitos fatores familiares, sociais, políticos e econômico com a cultura local que o envolve e modela. Para Scruton território e tradição são acima de qualquer coisa sentimentos de pertencimento. Somos o que somos porque fazemos parte de algo que nos identifica.

“Temos de escolher se prosseguiremos na direção de uma nova condição ou se retornaremos à soberania do Estado nacional territorial, que já foi experimentada e nos é familiar.”

“Não estou argumentando que o Estado nacional é a única resposta aos problemas do governo moderno, mas que é a única resposta que já se mostrou eficaz.”

“A lealdade nacional exige um amor pelo lar e uma prontidão para defende-lo; o nacionalismo é uma ideologia beligerante que usa símbolos nacionais a fim de recrutar pessoas para a guerra.”

“Cabe a cada nação estabelecer o regime regulatório que maximizará o comércio com seus vizinhos, ao mesmo tempo que protege os costumes locais, os ideais morais e as relações privilegiadas das quais depende a identidade nacional.”

A cultura assim como o território são os elos que unem as pessoas sob interesses comuns. Surge daí a necessidade de preservação. Precisamos fortificar os valores  que em 1968 foram jogados às traças e vem sendo corroídos por uma ordem que distorce a realidade e nos transformam em nada.

“O pós-modernismo se tornou simplesmente a mais recente aventura da “cultura do repúdio” que entrou no palco da história em 1968.”

“Em oposição a isso, eu sugeriria que o jargão afetado e sem sentido é muito mais eficaz na propagação das opiniões de esquerda e progressistas que os argumentos bem fundamentados, pela simples razão de que as opiniões progressistas, quando afirmadas explicitamente, expõem-se à ameaça de refutação, algo a que elas nem sempre sobrevivem. O objetivo do jargão não é encontrar razões inovadoras para a atitude de oposição cultural, mas tomá-la inexpugnável ao coloca-la além do debate racional.”

“Uma cultura é uma forma de pertencimento a uma comunidade, e a alta cultura, que é sua parte autoconsciente, perpetua a memória desse pertencimento e a eleva, transformando-a em algo natural, imutável e sereno.”

“Confrontado com uma classe de adolescentes e consciente da impossibilidade de se juntar à cultura da qual vieram esses jovens, o professor aposta numa nova forma de pertencimento baseada na rejeição sistemática do que é antigo.”

“Em lugar da objetividade, temos apenas a “intersubjetividade” em outras palavras: o consenso. Verdades, sentidos, fatos e valores são hoje tidos como negociáveis. No entanto, o curioso é que esse subjetivismo vago é acompanhado de uma vigorosa censura. Aqueles que colocam o consenso no lugar da verdade passam rapidamente a distinguir o consenso verdadeiro do falso. Desse modo, o consenso adotado por Rorty exclui sem exceção todos os conservadores, tradicionalistas e reacionários. Só os esquerdistas pertencem a ele, assim como apenas feministas, radicais, gays ativistas podem tirar vantagem da desconstrução; assim como apenas os oponentes do “poder” podem usar as técnicas de sabotagem moral de Foucault e assim como apenas os “multiculturalistas” podem se beneficiar da crítica de Said aos valores iluministas. Embora afirme que todas as culturas são iguais e que o juízo entre elas é absurdo, o novo relativismo recorre de forma dissimulada à crença oposta. Quer nos persuadir de que a cultura ocidental e o currículo tradicional são racistas, etnocêntricos, patriarcais e, portanto, estão irrevogavelmente distantes da aceitabilidade política. Ainda que essas acusações sejam falsas, pressupõem a mesma visão Universalista que declaram ser impossível.”

“O mesmo raciocínio que pretende destruir as ideias de verdade objetiva e de valor absoluto impõe o politicamente correto como algo absolutamente obrigatório e o relativismo cultural como algo objetivamente verdadeiro.”

Somos, queiramos ou não, seres religiosos. Na religião encontramos as respostas para as perguntas que não podem ser respondidas. É  uma questão de acreditar. Isto fortalece o espírito da comunidade e nos unem como semelhantes. Scruton esclarece que:

“Essa visão a respeito da religião é dúbia por várias razões. Por um lado, a fé nunca foi nem será a conclusão de um argumento intelectual. Kant, que tinha plena consciência desse ponto, pois havia preservado sua fé depois de ter preparado a mais devastadora refutação de sua superestrutura teológica, argumentou que atacava as alegações da razão a fim de ceder espaço para as da fé. Seria mais honesto dizer que as alegações da fé aparecem em seus escritos, assim como nos escritos de todas as pessoas sinceramente religiosas, ao modo de premissas, e jamais como conclusões.”

“Tão logo percebemos isso, somos seduzidos de forma inevitável pelo projeto nietzschiano de elaborar uma “genealogia” da crença religiosa. De onde surge essa crença, se ela não é resultado de uma especulação intelectual? Como e por quais pensamentos ou experiências ela se modifica? A resposta simples e direta parece ser a correta. A crença religiosa é herdada de uma comunidade de modo geral aquela em que a pessoa nasce e se modifica de acordo com as mudanças dessa comunidade. Naturalmente, ela também é ornamentada pela doutrina e desenvolvida pela investigação racional.“

Wagner pensava que a doutrina religiosa havia perdido seu poder de comunicar a “verdade profunda e oculta” sobre nossa condição. O ceticismo científico e as desordens sociais da modernidade ameaçaram privar as pessoas das crenças religiosas. Mas elas ainda continuariam precisando de seus sentimentos religiosos, pois estes estão profundamente implantados em sua natureza social. Por isso, necessitamos de outro caminho para esses sentimentos, outra maneira de nos mantermos unidos à verdade sobre nossa condição, de modo a encontrar a redenção prometida pela religião.”

“As pessoas religiosas vêem o mundo de uma forma que as pessoas iluminadas talvez não vejam. Elas têm apenas fé, crença no transcendente, esperanças e medos a respeito da providência e da vida após a morte. Seu mundo é dividido pelos seguintes conceitos: o divino, o proibido, o sagrado, o profano e o sacramental. Esses conceitos podem estar ausentes da vida intelectual das pessoas sem fé, mas, se a visão contra-iluminista da religião tem algum grau de verdade, podemos dizer que eles estão enraizados até mesmo nos sentimentos das pessoas sem fé. Por isso, a secularização não atinge apenas os pensamentos e sentimentos das pessoas religiosas. Atinge os pensamentos e sentimentos de todos, provocando mudanças radicais na experiência de pertencimento a uma comunidade, na estrutura do Lebenswelt (mundo da vida), como dizia Husserl, e na maneira como a conduta humana é percebida e descrita.”

“O processo de secularização não se contentava mais em apenas sustentar as antigas instituições com base em recursos puramente humanos. As antigas instituições deveriam ser destruídas e substituídas por mecanismos funcionais, feitos exclusivamente pelo homem, os quais satisfariam as necessidades de uma sociedade que havia se livrado dos grilhões do dogma religioso.”

“Tão logo a Segunda Guerra Mundial (ela mesma um produto das ideias modernistas) chegou ao fim, a segunda onda de secularização avançou rapidamente não como uma forma de crença, mas como uma revisão sistemática do modo como o mundo humano é percebido. O ser humano passa a ser localizado entre suas descobertas tecnológicas; é livre, dotado de poder, mas não tem um destino. Para muitos, essa situação deu origem a uma indefinição e ao cinismo em relação à natureza e ao destino da humanidade. Gerou também uma permissividade em constante expansão, a qual removeu de seu mundo os últimos repositórios do sagrado.”

“E a cidade está sendo implodida por um novo tipo de arquitetura irreverente, que abandonou a disciplina puritana dos modernistas com o objetivo de nos lembrar que não existe permanência, não há eternidade, não há cidade celeste a ser construída com pedras, mas apenas um sorriso jocoso feito de vidro.”

“Encontraremos também uma espécie de tentativa satânica de capturar os últimos relances do sagrado em ações que o destroem. Creio que isso explica o crescimento extraordinário da pornografia infantil , prática que não se limita às imagens disponíveis na internet, mas atinge até o modo como vestimos as crianças e falamos com elas. A menina de oito anos de idade que usa fio-dental e brincos é ao mês? mo tempo inocente e moderna, uma criatura dividida entre dois mundos que está prestes a ser profanada. Ao vestir as crianças desse modo e ao encoraja-las a imitar as danças obscenas e os espasmos sensuais de seus pais, as pessoas estão conjurando do esgoto da profanação a derradeira e triste imagem da forma humana em sua inocência enquanto ela é levada pelas correntes de poluição.”

“É em parte por causa da concepção iluminista de religião que acreditamos ser capazes de resolver os problemas causados pela secularização, bastando para isso permitir a liberdade religiosa. Se a religião é antes de tudo uma questão de crença e doutrina, então, ao permitir a liberdade de crença e a liberdade para debater e fazer proselitismo, pensamos que estamos garantindo que as pessoas farão seus próprios espaços religiosos, que a comunidade poderá adorar a Deus de sua própria maneira e que crenças rivais conviverão lado a lado numa relação de mútua tolerância. Contudo a visão iluminista está profundamente errada. Crença e doutrina são com certeza uma parte da religião; mas há também costumes, cerimônia, ritual, filiação, sacrifício e uma visceral hostilidade para com o sacrilégio.”

Totalitarismo.

Somos inclinados a exercer o poder de forma absoluta. Quem governa, sob o manto da democracia ou do socialismo, disfarçar sobre estes princípios, embrigado pelo poder que estes proporciona, a vontade autoritária de conduzir as massas. O resultado das idéias construídas sobre estes princípios estão gravados na História.  Todo o governo que reivindica para si o poder de mudar o destino de um povo demonstra alguma simpatia pelo totalitarismo. Sobre este tema Scruton sustenta:

“Os que foram influenciados por Hegel podem expressar o argumento de outro modo, afirmando que um governo totalitário é aquele que não respeita ou não reconhece a distinção entre sociedade civil e Estado. O Estado é a autoridade suprema em tudo que diz respeito às escolhas sociais, e nada limita seu poder do modo como poderia ser limitado por uma legislatura representativa ou por um sistema legal baseado na jurisprudência. Sob um regime totalitário, a sociedade torna-se uma criação do Estado, não o contrário, e aqueles que reivindicam a proteção do Estado têm uma vantagem insuperável sobre seu próximo na competição por recursos escassos.”

“A experiência recente do totalitarismo na Europa foi prefigurada na Revolução Francesa, quando o Comitê de Salvação Pública agiu do mesmo modo que os partidos nazista e comunista, estabelecendo “estruturas paralelas” para controlar o Estado e exercer uma tirania microgerencial sobre todos os aspectos da vida social. Estudos acadêmicos recentes têm seguido a tendência de analisar a Revolução Francesa sem o olhar otimista característico dos defensores da liberdade e dos direitos do homem do século XIX. Além disso, chegaram à conclusão de que seu significado tem mais relação com o terror que com os slogans liberais que o mascararam.”

“Ora, sem dúvida alguma a ideologia totalitária está repleta de confusões intelectuais, e o marxismo é responsável por muitas delas. Mas nem tudo em Marx é falso, e uma de suas teorias é particularmente relevante para a compreensão do totalitarismo: a própria teoria da ideologia. Marx entendia “ideologia” como um conjunto de ideias, doutrinas e mitos que existem devido aos interesses que promovem, e não às verdades que contêm.”

“As ideologias totalitárias são adotadas porque racionalizam o ressentimento e unem os ressentidos em torno de uma causa comum. Os sistemas totalitários surgem quando os ressentidos, depois de tomarem o poder, incumbem-se de abolir as instituições que deram poder a outros: instituições como a lei, a propriedade e a religião, as quais dão origem a hierarquias, autoridades e privilégios, e permitem que os indivíduos sejam soberanos em relação a sua vida. Os ressentidos acreditam que essas instituições são a causa da desigualdade e, portanto, de suas próprias humilhações e falhas. Na verdade, elas são canais que possibilitam o enfraquecimento do ressentimento. Logo que a lei, a propriedade e a religião são destruídas é importante observar que a destruição delas é o resultado habitual de um governo totalitário -, 0 ressentimento assenta raízes e torna-se o princípio diretor do Estado.”

“Uma das funções da ideologia é contar uma história elaborada sobre o grupo que será alvo de ataques, tentando mostrar que ele é desumano, injustamente bem-sucedido e intrinsecamente merecedor de punição. Não há nada mais reconfortante para os ressentidos que esta ideia: as pessoas que possuem o que eles invejam possuem-no injustamente. […]Por trás da retórica apaixonada do Manifesto Comunista, da pseudociência da teoria do valor-trabalho e da análise da história humana à luz da luta de classes, há uma única fonte emocional: o ressentimento em relação àqueles que controlam as coisa.”

“A lição que devemos aprender com os movimentos totalitários do século XX é a de que o totalitarismo não é a forma natural de uma visão patológica das coisas; ao contrário, é a forma patológica de uma visão natural das coisas.”

 

Uma obra leve que nos conduz a pensar sobre os caminhos que trilhamos e para onde estamos sendo conduzidos.

 

Leitura recomendada

COMO SER UM CONSERVADOR