O Milagre da Igreja. Desde que Jesus Cristo fundou a Igreja Cristã quando dirigiu ao apóstolo Pedro as seguintes palavras: “Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Mt 16:18”, se passaram dois mil anos de predestinação. Ao construir esta aliança, Jesus Cristo incumbiu os apóstolos e todos aqueles que o seguiam à missão de anunciar o Reino de Deus aos quatro cantos do mundo. A partir deste ponto está fundada a comunidade cristã e solidificada as bases para a criação da Igreja Católica e os fundamentos para o cristianismo.

Nesta peregrinação muitos cristãos morreram por defender e levar a Palavra de Deus todos. Carregaram a sua cruz. Tiveram o seu calvário. A Igreja Cristã primitiva teve os seus mártires. Com efeito, a história mostra o quanto de sangue cristão fora derramado para que a Igreja de Jesus Cristo continuasse firme em seu propósito. Homens poderosos como o imperador romano Diocleciano (244 ─ 311 D.C.) foram protagonistas desses massacres. Entretanto, a inabalável fé cristã superou todas as adversidades e cresceu forte antes à oposição de homens que, muitas vezes, agiam no próprio seio da Igreja. Não foi a fé a única responsável pela sobrevivência e desenvolvimento da comunidade cristã, ela foi fundamental como elemento de resistência, mas havia outros fatores que favoreceram a multiplicação dos cristãos.

Segundo o historiador australiano Geoffrey Blainey (1930), em seu livro “Uma Breve História do Cristianismo”, a epidemia de varíola entre os anos 160 e 180 D.C. e a de Sarampo, 70 anos depois, muito contribuiu para a expansão do cristianismo. Isto é atribuído à disposição dos cristãos para ajudar e amparar os doentes dando-lhes toda a espécie de apoio. Um milagre, visto que os próprios cristãos sucumbiam às epidemias. Entretanto, a ajuda definitiva e a principal alavanca para a disparada dos cristãos, veio de onde era pouco provável, entre os seus carrascos.

Entre os seus algozes, nasceu aquele que mudaria tudo e que seria de fundamental importância para a propagação do cristianismo: imperador Constantino, o homem responsável pela ascensão do cristianismo. Foi ele que pós fim a perseguição aos cristãos, pois influenciado por Helena, sua mãe, se tornou cristão e oficializou o cristianismo como a única religião em todos os lugares que estivesse sob o seu domínio. O seu édito de Milão (313 D.C.) finda a perseguição aos cristãos nos seguintes termos: “Os cristãos e todos os outros devem ser livres para seguir a religião que preferirem, de modo que o Deus que habita o céu possa ser propício a nós e aos que estiverem sob nossas ordens”. Desta maneira, ao pôr fim a perseguição, Constantino inaugurava uma nova era de florescimento do cristianismo. A Igreja, antes restrita às várias e pequenas comunidades cristãs, agora tomava uma dimensão universal. Isto representou muito mais que o dia de domingo reservado para o descanso e adoração a Deus, conforme decretava Constantino em 321, mas o início do milagre da Igreja.

Para o padre francês Antonin-Dalmace Sertillanges (1863 ─ 1948) a história da Igreja Católica foi um milagre. Mas trata-se aqui de um outro milagre. Aquele que a comunidade cristã estabeleceu, desde o início com Cristo. Sertillanges escreveu em seu opúsculo “O Milagre da Igreja” suas reflexões sobre o humano, a igreja e Deus. Para Sertillanges, o milagre explica-se pela profunda comunhão que o homem estabeleceu com Deus ao longo dos séculos. Ele escreveu que “propriamente, esse milagre novo consiste na existência entre nós de um organismo social humano-divino e que leva uma vida humano-divina, mostrando, portanto, Deus em sociedade com o homem e o homem em sociedade com Deus”. O milagre está representado na aliança entre Deus e o homem. A aliança é a força que manteve a Igreja e a sua universalidade dogmática como uma mensagem de Deus nos corações das pessoas. Nesta aliança expressa-se toda a razão e fé do ser humano inserido na comunhão com Deus.

O sentimento da presença de Cristo estaria, segundo Sertillanges, presente desde o início, nas primeiras comunidades primitivas que em torno da crença do Deus Único e criador de tudo o que há, dava significado a vida dos fiéis. Sertillanges retorna à vida da Igreja antes que ela se manifestasse em Jesus Cristo: “Toda a questão, para nós, está em definir sob que formas históricas essa vida espiritual, que Cristo preside e que é a vida da Igreja, pôde manifestar-se antes que a própria Igreja fosse deste mundo na sua forma presente”. Cristo estava com os homens desde o início, no coração das primeiras comunidades. A Igreja deve se colocar numa posição entre Deus e o homem. Sertillanges chama os fiéis à reflexão sobre o milagre da perpetuação da Igreja sob a Glória do Deus Todo-Poderoso. “Apliquemos o nosso exemplo, e, ao invés da humanidade em relação ao globo e a tudo o que encerra, encaramos a Igreja em relação à humanidade”.

A dureza da estrada não pode desanimar os cristãos. Pelo contrário, devemos avançar no fortalecimento da sua estrutura, atentos às mudanças que ameaçam os seus princípios, e o que ameaça a Igreja (a comunidade cristã) é uma afronta a Deus. Sertillanges lembra que “a Igreja circula entre os acontecimentos como sonâmbulo à beira do telhado. O sonâmbulo não cai, guiado que é por um espírito interior, numa feliz ignorância do perigo que tangencia…” e assim, representa o próprio Deus. Não cabe ao homem, que deve cuidar da obra de Jesus Cristo, constituir ideias contrárias a Vontade do Pai e do Filho. A Igreja é um ente vivo que resplandece em Deus e guia o homem nas sendas da retidão e da obediência ao Criador. Lembra Sertillanges que “a Igreja é o vivente imortal que seu Cristo predisse ao constituí-la; ela recebeu a imortalidade com o ser, e é por isso que afronta o tempo; é por isso que, por assim dizer, devora os ferozes acontecimentos feitos para devorá-la, e prossegue através de tudo os seus destinos tranquilos. Isso não são hábitos de homem”.

A Igreja, como escreveu Sertillanges, foi ungida por Deus para a sua Santa Missão e fez dela a pedra angular das suas palavras. Assim, a Igreja se fez forte e poderosa. Resistiu a todas as formas de maldade, graças a Vontade de Deus. O nosso Soberano Deus quer que sejamos soldados do seu exército e que estejamos prontos para lutar contra os excessos do secularismo que adoece a Igreja e minam a fé dos cristãos. Deus nos deu uma missão, executemo-la com ardor, com dor se for necessário, mas sempre movidos pelas poderosas palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo.


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