O pior século da história da humanidade

O século XX foi a era da tragédia humana. Foi século dos genocídios. A era dos extremos, segundo o historiador marxista Eric Hobsbawm (1917-2012). Enfim, o século XX foi o momento da história humana em que o homem, movido pela crença de que era capaz de recriar o homem e o mundo, foi protagonista do fim do mundo. Também foram tempos de ideologias perversas sob as quais, e justificadas por elas, o homem do século XX foi capaz das piores atrocidades. Foram duas Grandes Guerras Mundiais; vimos o nascimento de um novo tipo de guerra: a Guerra Fria. Holocausto; genocídios; gulag e tantos outros fatos que causaram profundas mudanças na civilização ocidental. O mundo estava sob o fio da navalha. Entretanto, no fatídico século XX, dominado pela ideologias de esquerda e de direita, nenhum fato se comparou aos estragos causados pela Revolução Bolchevique na Rússia em 1917. As ideologias criavam os seus revolucionários e tornavam-se a nova religião secular. O escritor conservador liberal brasileiro, José Osvaldo de Meira Penna (1917-2017), em seu livro A Ideologia do Século XX nos apresentou um século doente.“A ideologia é uma espécie de pederastia mental”, conclui Penna.

 A ideologia foi capaz de mostrar que o homem e a sociedade poderiam ser recriados face ao deus homem, criados à sua imagem e semelhança. Os ideólogos estavam dispostos a tudo para a realização da missão de salvar o mundo,  ainda que às custas da vida de milhões de pessoas. O mundo então se curvava ao objetivo supremo dos revolucionário: a comunismo. Os intelectuais europeus se encantaram com a possibilidade de uma renovação na história da humanidade, recriando-a do nada, sem nenhum vínculo com o passado. 

Por certo, nunca é demais enfatizar que, a crença comunista foi responsável por mais de 100 milhões de mortes. Depois do fim da URSS (1991) e a queda do Muro de Berlim (1989) o comunismo se recolheu temporariamente. Desde então a utopia comunista continua com a proposta de salvar a humanidade, recuando em alguns momentos e se renovando em outros, a exemplo de maio de 1968 com o surgimento da nova esquerda. Desta forma, pode-se afirmar que o comunismo nunca morreu, pelo contrário, sofreu metamorfoses, mas se manteve fiel aos seus fundamentos mais elementares. Seus tentáculos, sob outras vertentes ideológicas (como o gramscismo; a social-democracia), espalharam-se com uma força impressionante. Novas bandeiras do socialismo eram hasteadas. Enganou-se quem acreditou que o comunismo estava morto. A luta deixou de ser armada e passou a ser puramente ideológica. A ditadura do proletariado morreu para dar lugar a ditadura das minorias ansiosas por reparações e reconhecimento. Nascia a era dos desfavorecidos, a era dos ressentidos, a era do politicamente correto. O comunismo se fundiu ao globalismo. 

Camarada – Uma história do comunismo mundial

Há algum tempo eu li, Camaradas — Uma história do comunismo mundial. Um interessante livro do historiador britânico Robert Service, especialista em história da Rússia, sobre a história do comunismo mundial. Neste, encontramos rico conteúdo para compreender os fatos e personagens que foram responsáveis pelo criminoso mecanismo ideológico comunista no século XX. Publicado em 2007, o livro  descreve a história do movimento do comunismo por todo o mundo, seus personagens e fatos marcantes na trajetória dos seus líderes.

O autor começa demonstrando as origens do comunismo antes mesmo de Karl Marx (1818–1883) e Friedrich Engels (1820–1895) publicarem o seu Manifesto do Partido Comunista em 1948 até a Revolução Russa em 1917. Neste período, Robert Service dá uma visão sobre os primeiros movimentos comunistas através da Europa. Em sua abordagem sobre a origem das ideias comunistas Robert Service demonstra que Marx e Engels reconheciam três fontes principais de influência: Primeiro se inspiraram nos ideólogos políticos da Revolução Francesa (1789) como Maximilien Robespierre (1758–1794). Segundo, no campo da economia, extraíram suas ideias da doutrina econômica do economista David Ricardo (1772–1823), explorando deste as noções necessárias para construir os alicerces do marxismo científico. Finalmente, nos escritos de G. W. Friedrich Hegel (1770–1831) encontraram a fonte maior da formação filosófica do pensamento marxista. Foi em Hegel, que a doutrina marxista encontrou os fundamentos teóricos para uma reconstrução do marxismo. Neste sentido Robert Service explica que:

“Seu compatriota insistia em afirmar que a história avança por estágios que condicionam a forma pela qual a humanidade pensa e age, e que as grandes mudanças na vida social não são de caráter meramente superficial e cíclico: Hegel considerava os acontecimentos históricos uma sequência progressiva em direção à melhores condições especiais para as pessoas e as coisas.”

Robert Service esclarece que entre 1917 e 1929, período do movimento comunista que ele chama de “experiência”, iniciou por uma série de revoluções em toda a Europa. Destartes, o comunismo encontrou em solo russo o ambiente adequado para a disseminação da doutrina comunismo-marxismo. Robert Service explica que o modelo do comunismo soviético levou a população URSS a um estado de ansiedade geral em que as pessoas buscavam na literatura e na arte a explicação para um fenômeno que nasceu com Lênin (1870–1924): o leninismo.  Tudo era novo e o paraíso era premente.

De 1929 a 1947, período que o autor chama de “desenvolvimento”, o comunismo mundial passa a sofrer as influências do stalinismo. Esta fase, esclarece Robert Service, é marcada por um período negro na URSS com perseguições e assassinatos. Muitos sucumbiram sob o punho forte de Josef Stalin (1878–1953). Uma nova ideologia surgia — O stalinismo. Assim, ascendia a figura do tirano chefe do Estado. O totalitarismo está pronto para mostrar a face das trevas.

Robert Service demonstra que entre 1947 e 1957 o comunismo através do exemplo “bem sucedido” da URSS, é reconhecido mundialmente como o paraíso terrestre e a solução para a desigualdade social, sendo Moscou o exemplo a ser seguido em gestão governamental. Este foi o período de maior “disseminação” das ideias comunistas e do encantamento dos intelectuais. O comunismo não mais conhecia fronteiras. Nações poderosas como a China comunista de Mao Tsé-Tung (1893–1976) adotava a sua vertente do comunismo. De 1957 a 1979 o autor analisa os motivos da queda do comunismo calcado no modelo soviético. É neste período que Robert Service denomina de “mutação”. Um período em que o comunismo começa a se metamorfosear deixando a luta armada revolucionária e movimenta-se para a transformação cultural. A revolução baixou as armas, e arregimentou novos soldados: os intelectuais. Estes fariam a grande mudança pretendida pelos comunistas.

Para o autor, como um náufrago sendo chicoteado pelo mar bravio, desesperado pelo iminente afogamento, os últimos bastiões das ideologias leninistas-stalinista precisaram repensar seus modelos para a própria sobrevivência revolução. Isto passava por reconhecer os seus erros e encontrar culpados pelos excessos, desde que a raiz do comunismo fosse preservada. Portanto, ao assim proceder, marcados pela onda anticomunista na Europa Oriental, a introdução do capitalismo na China comunista e a Perestroika de Mikhail Gorbatchov (1931), a Revolução do Proletariado chega a termo a partir de 1980, conforme mostra o autor. Morre o velho comunismo, nasce o novo comunismo como um vírus que se modifica para, mais forte, destruir as suas vítimas.

O produto de ideologias ruim é a morte

Portanto, em todas as suas formas e vertentes, o comunismo é um mal que precisa e deve ser extirpado da civilização humana. As ideias nucleares contidas em seu motor, na mentes de espíritos totalitários foram responsáveis pela morte de muitas dezenas de milhões de seres humanos. Com efeito, se fosse possível perguntar aos mortos, vítimas deste genocídio, se o comunismo deveria desaparecer da face da terra para sempre, certamente a resposta seria um sonoro “sim” de milhões de vozes. Mas, os mortos não falam. Certamente, eles perpetuam em nossas mentes o signo da nossa maldade que nos lembram permanentemente que as nossas ideias sempre têm consequências.

Desta forma, as ideias dos séculos XX foram desastrosas em todos os sentidos. O professor Richard M. Weaver (1910–1963), autor de uma fabulosa obra As Ideias têm Consequências, nos mostra que muitas vezes temos que pagar um valor muito alto pela nossa cegueira. Desta forma, considera Weaver, “talvez tenhamos de aprender a verdade por uma via dolorosa”. Concordo com a citação do professor Weaver. Porém, o custo do aprendizado foi a vida de 100 milhões de pessoas e o envenenamento das mentes de grande parte da humanidade. Por conseguinte, é um preço muito alto pela busca da “verdade”.


Ver também

A IDEOLOGIA DO SÉCULO XX