21 LIÇOES PARA O SÉCULO 21

Em sua terceira obra, 21 Lições para o Século 21, o jovem historiador israelita Noah Yuval Harari prevê que a vida das pessoas será controlada por algoritmos capazes de analisar bilhões de dados sobre nossos hábitos, crenças, preferências, visões ideológicas, propor caminhos e alternativas para as nossas escolhas. Eles serão capazes de saber mais sobre nós do que nós mesmos. Não se trata de ficção ou algo que ocorrerá daqui a centenas de anos, mas de situações que se encontram no cotidiano sem que percebamos que não estamos tomando as nossas decisões por conta própria. Os algoritmos, segundo Harari, estão em toda parte nos influenciando e criando regras das quais não podemos abrir mão se quisermos viver num mundo conectado, e não isolado como um ermitão. Inteligência Artificial, Biotecnologia e Big Data e uma rede de internet com velocidade cada vez maior conduzirão a humanidade a um mundo realmente novo, fantástico e, ao mesmo tempo, assustador, na medida que estaremos sempre assombrados pela possibilidade de um dia ser dominados por máquinas como no filme O Exterminador do Futuro. Essas são as previsões que encontramos em “21 Lições para o Século 21”.

Harari argumenta que os algoritmos já estão no controle há muito tempo, no celular, no computador, no carro, em toda parte, auxiliando-nos nas nossas escolhas, nos observando e aprendendo sobre nossos hábitos e preferências. Os algoritmos sabem antes de nós do que gostamos e podem descobrir em nosso íntimo o que nem o mais hábil psicólogo é capaz de realizar. Tudo isso com o nosso consentimento. Harari assinala que “quando estiver Navegando na internet, assistindo a vídeos no YouTube ou lendo mensagens nas suas redes sociais, os algoritmos vão discretamente monitorá-lo, analisá-lo e dizer à Coca-Cola que, se ela quiser lhe vender alguma bebida, melhor seria usar o anúncio com o rapaz sem camisa e não o da garota sem camisa”. Isso se deve sobretudo aos avanços da biotecnologia e da Inteligência Artificial que devido aos avanços viveremos mais e melhor, supõe Harari. Em seu outro famoso livro, Homo Deus, ele escreveu que as doenças serão tratadas antes mesmo do menor sinal da sua manifestação. Assim sendo, a fome, doenças, pobreza não serão mais problemas, uma vez que se ainda existe fome no mundo, por exemplo, é muito mais por uma questão de política do que a ausência de recursos naturais e tecnologia na produção de alimentos em escala global. A nova era promete ser um tempo de fartura alimentar, controle de todas as doenças, e senão o fim da pobreza pelo menos a sua drástica redução, explica Harari.

Harari estima que até o ano de 2050 já estaremos vivendo esta nova era. Essa impressionante revolução causará notáveis mudanças no comportamento humano que refletirá na forma como fazemos negócios, nos relacionamos uns com ou outros, assim como modificará os nossos comportamentos diante das nossas necessidades mais básicas, capaz até em certa medida de inverter até a pirâmide de Abraham Maslow. Harari adverte que apesar de toda a maravilha que estas invenções representam para a humanidade, teremos sérios problemas de adaptação uma vez que implicará em mudanças de culturas e crenças. Neste sentido o futuro da humanidade parece ser assustador, tendo em vista que mudanças culturais quase sempre culminam em catástrofes sociais. Harari explica que à medida que avançarmos para um mundo de altíssima tecnologia, a capacidade humana não acompanhará na mesma velocidade e eficiência. O resultado disso, alerta Harari, será que devido ao fato da AI substituir o ser humano em quase todas as funções que ele exerce quanto indivíduo na sociedade, o trabalho humano será dispensável para um número de afazeres profissionais cada vez maiores. Força física em nada contribuirá neste Admirável Mundo Novo, fazendo um trocadilho com a obra de Aldous Huxley. Apenas poucas áreas, na maioria das vezes relacionadas a área de TI, precisará das habilidades humanas. As consequências disso será o desemprego de bilhões de pessoas, prever Harari. Para ele não haverá políticas públicas que sejam capazes de prover o sustento de tanta gente que supostamente não terá utilidade alguma (estaria aí a origem da preocupação das autoridades mundiais com o crescimento populacional e as teorias sobre os mais drásticos métodos para freá-lo?).

Num cenário mais otimista, Harari explica que mesmo os mais especializados nas poucas áreas em que o homem poderá atuar, dificilmente estaremos em condições de atender as velozes demandas de uma sociedade tão fugaz. Se não quisermos procurar alguma caverna para viver, teremos que ser especialistas em múltiplas áreas do conhecimento humano e teremos que ter uma tremenda capacidade de mudar de profissão, pois, elas não durarão mais que uma década, argumenta Harari. Outras profissões surgirão, esclarece, mas quase sempre seremos substituídos por um algoritmo que fará o trabalho humano muito melhor e mais rápido. Penso que, após refletir sobre o conteúdo de “21 Lições para o Século 21”, talvez a única profissão que esteja livre do controle da AI seja a de filósofo, pois, alguns atributos como imaginação, emoção estão muito longe do alcance da Inteligência Artificial.

Recentemente assisti o filme Passageiros que narra a história de um grupo de pessoas que faz uma viagem interestelar que duraria 120 anos. Durante todo esse tempo os passageiros dormem em suas cápsulas de hibernação. Ocorre que depois de alguns poucos anos de viagem o sistema que mantinham todos em estado de hibernação entra em pane e acorda um passageiro mais de 100 anos antes. Após entender a sua condição o passageiro entra em desespero e tenta a todo custo voltar a cápsula de hibernação, pois, o futuro que o aguardava era terrível: morrer sozinho com um sistema de AI que tudo provia, menos a ausência de outro ser humano com quem pudesse tornar o destino que o aguardava menos amargo. Desesperado, ele escolhe uma passageira e a retira da hibernação, mas não conta para ela a verdade até que ela descobre que foi ele o causador da desgraça dela. No final o filme mostra que se eles não tivessem saído da hibernação antes do tempo previsto todos os passageiros e tripulação da nave morreriam devido à falha do sistema. O filme nos revela muito desse mundo sombrio proposto pela AI. No final, os dois resolvem viver juntos fora da cápsula, envelhecem e morrem enquanto a nave continua em direção ao seu destino. Entretanto, eles deixam um jardim cultivado não por AI, mas por mãos humanas para o fim da jornada daqueles passageiros. Não podemos entregar nossas vidas em sua totalidade às tecnologias. Elas existem para nos proporcionar conforto, prosperidade e paz, na medida em que ela pode fazê-lo sob o nosso total controle. Ao deixar as máquinas no total controle das vidas poderá ter consequências desastrosas para a humanidade.

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A GRANDE MENTIRA

           Em nossos dias, está em voga entre muitas pessoas de viés esquerdista o abominável gesto de apontar como fascista qualquer pessoa que pensa diferente delas. No geral, essas pessoas acusam os outros de fascistas sem conhecer a origem e significado do termo “fascista”. Elas não sabem, ou não levam isso em consideração, que desde o seu nascimento o fascismo vem oscilando no espectro político entre a esquerda e a direita, adquirindo significado e origem conforme as conveniências predominantes. Há muita literatura sobre o fascismo. Também há muita desinformação em torno da sua origem e aplicação. Sem sombra de dúvidas, ler muitos livros a respeito é a maneira mais adequada e segura para, então, se formar a mais leve credibilidade sobre o que se diz acerca do fascismo. Do contrário, não passa de mero ato irresponsável contra a História e a Etimologia, evidenciando assim total ignorância sobre o assunto com consequências desastrosas para o convívio social. Todavia, em meios a tantas obras boas e ruins sobre o fascismo, como saber quais expõe fatos e não narrativas? Não é fácil. O melhor, na medida do possível, é ler todos os livros que estiverem ao alcance, a exemplo do livro A Grande Mentira, do indiano naturalizado americano Dinesh D’Souza. 

           O livro A Grande Mentira contém graves revelações sobre a verdadeira origem do fascismo e fornece uma visão ampla sobre a origem esquerdista do fascismo e as suas raízes nazistas. Dinesh D’Souza procurou mostrar em A Grande Mentira que a esquerda americana, representada pelo Partido Democrata, serviu de inspiração para o nascimento do nazismo assim como extraiu de suas ideias os fundamentos para o fascismo. Segundo o autor, o nazismo traz em sua base ideológica crenças semelhantes às que deram origem, por exemplo, a KKK (Ku Klux Klan), não por acaso, fundada pelos membros do Partido Democrata. O racismo, o mais abjeto sentimento nutrido pelos democratas no início do século XIX, tendo como corolário o KKK, a sua obra prima, encontra concordância com o mesmo tipo de racismo protagonizado pelos nazistas. Com efeito, argumenta o autor, a ideologia nazista extraiu da história inicial dos democratas o caminho necessário para o social-nacionalismo alemão. Por outro lado, o autor assinala que o Partido Republicano, na mesma época, defendia os direitos dos escravos e clamavam pela abolição. Atualmente, os democratas apontam a direita e os conservadores como fascistas, quando na verdade, ainda hoje, considerando os seus atos, são eles os verdadeiros fascistas.

           O autor revela que após o mundo ficar conhecendo os horrores nazistas, sobretudo no que tange o holocausto judeus com 6 milhões de vítimas e compreender que o nazismo estava diretamente relacionado ao socialismo, os democratas passaram a se autointitular de progressistas, numa tentativa desesperada de ocultar o seu passado comprometedor. Para Dinesh D’Souza, essa é mais uma das grandes mentiras da esquerda americana, pois de acordo às suas argumentações eles são socialistas em todos os aspectos. Sem hesitar, ele enfatiza que o progressismo nada mais é que um socialismo que cultua em seus dogmas o nazismo, o fascismo e o comunismo. 

           Para o autor, os progressistas ficaram com todo o crédito dos movimentos dos direitos civis. Desde o século 19 que eles vem trabalhando ardentemente em todas instituições para fazer deles o defensor desses direitos e os republicanos os culpados por todas as desgraças do povo americano. Na verdade é típico da esquerda acusar o outro dos seus erros. Obama e Hillary são o ícone da mentira, sustenta Dinesh D’Souza. Qualquer pessoa que queira publicamente defender suas ideias conservadora é rechaçadas pela esquerda militante. Grupos articulados estão sempre de prontidão para atrapalhar e até fazer uso da violência quando encontra resistência. A esquerda é revolucionária por definição, portanto, o padrão da esquerda é a violência. Muitos autores esquerdistas defendem o uso da violência quando visa defender os seus interesses e não veem nada demais exceder os limites da boa convivência e partem para a agressão verbal ou então para a violência física depredando patrimônios públicos e privados e, não raro, com agressão extrema aos seus opositores. Os atos da esquerda vem disfarçados de movimentos sociais, luta de classes e todo tipo de atitude militante. Por outro lado, qualquer que seja um ato público da direita, a esquerda estará lá com seus grupos dispostos a tudo para tumultuar, com o uso sistemático da violência. Dinesh D’Souza chama isso de relativização da violência. Eles podem tudo, o outro nada. Condena no outro as suas próprias práticas. Portanto, analisando o conjunto da obra,  quem são os verdadeiros fascistas? O autor responde tacitamente: os democratas, é claro. É só olhar para a trajetória deles desde que o partido foi criado e as evidências transbordam.

“Aqueles que se autodeclaram oponentes do ódio, são estes os verdadeiros praticantes das políticas de ódio. Por meio de um processo de transferência, os esquerdistas culpam a vítima de ser e fazer o que eles próprios são e fazem. Numa inversão doentia, os verdadeiros fascistas da política americana disfarçam-se de antifascistas e acusam os verdadeiros antifascistas de fascistas”(Dinesh, 11)

           A todo o custo a esquerda procura impor os seus valores e princípios.  As suas verdades tem como filosofia o relativismo, de maneira que não é diferente nos Estados Unidos, pelo contrário, embora disfarçado de progressistas, é evidente a verdadeira ideologia dos democratas. Infiltrados em todas as instituições, as ideias esquerdistas dominam a imprensa, a política, os intelectuais e as academias. Para Dinesh D’Souza, “a esquerda busca autoridade governamental para impor e institucionalizar valores progressistas como o aborto e os direitos iguais para gays e transexuais, tudo sob financiamento do governo federal”. De onde ele conclui que:

“Então, se a “direita”, na América, significa um governo limitado e não intrusivo com amplo alcance para a busca individual da felicidade, a “esquerda”, na América, significa um poderoso Estado centralizado que implementa valores esquerdistas e é controlado pela esquerda.” (Dinesh, 44)

“Consequentemente, pode-se dizer que, como planos ideológicos para a sociedade, o fascismo e o nacional-socialismo ainda não fracassaram, porque nunca foram completamente experimentados. No progressismo moderno, portanto, vê-se uma tentativa de reavivamento e ressurreição. Obviamente, este avivamento deve estar sob um nome diferente, e a esquerda certamente precisará de alguma camuflagem antifascista. (Vejam, não temos nenhum fascista por aqui! Você não percebe que estamos lutando contra o fascismo?) Mesmo assim, para pessoas que sabem como reconhecê-los, a esquerda de hoje ainda é o partido do fascismo e do nacional-socialismo, velhas ideologias marchando agora em um diferente continente sob novas cores e diferentes roupagens; um fascismo para o século XXI(Dinesh, 73)

           O problema do fascismo da esquerda, demonstrado por Dinesh D’Souza no que tange a origem e suas verdades, é um problema de ordem mundial. A esquerda sempre escondeu os seus erros e soube muito bem como encontrar um culpado. Acusa o outro daquilo que pratica e não invariavelmente culpa o outro por seus fracassos. Sempre sob a justificativa da igualdade e progresso da humanidade põe-se a destruir qualquer valor que não esteja de acordo aos seus valores e crenças. A esquerda radical escamoteia tudo. Se não deu certo, tenta reconstruir sob outras perspectivas sem jamais perder a ideia original. Isso não se vê apenas nos EUA e em um tempo específico. Há séculos a esquerda, sob a luz do iluminismo, trouxe benefícios e malefícios. As ideias progressistas que nasceram das suas bases foram capazes de iluminar o caminho para a ciência, tecnologia e justiça, por outro lado, nas questões sociais suas teorias fizeram mais mal que bem. 

           No Brasil, onde as ideias de esquerda predominam há pelo menos 35 anos, é evidente o estrago que suas ideologias causaram na educação, segurança e saúde. Os resultados de décadas de uma educação falaciosa, de cegueira da justiça que sob a bandeira do politicamente correto aprisiona e oprime o cidadão de bem, de descaso com a saúde pública, ficam claros nas estatísticas. O que somos hoje é frutos de aplicações de ideias ruins no desenvolvimento da sociedade brasileira. A esquerda em nossa pátria chama o outro de fascista, mas na prática os seus atos revelam que são eles os verdadeiros fascistas, Aqui entre nós, a esquerda radical é contra qualquer um ou ideias que se opunham às suas diretrizes. Dona da verdade, a esquerda não aceita ponderações ou discordâncias nem mesmo das minorias que alega defender. Para a militância esquerdista, ser homossexual e negro de direita, por exemplo, é visto como crime hediondo. Essa é a esquerda, aqui e em qualquer lugar do planeta terra, na tentativa de destruir ordens seculares e estabelecer utopias.

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12 REGRAS PARA A VIDA

Em seu segundo livro, 12 Regras para a Vida, o psiquiatra conservador canadense Jordan B. Peterson propõe doze recomendações para se alcançar uma vida com menos sofrimento. São regras simples em seu enunciado, mas que se aplicadas com cuidado, viver pode ter um sentido mais significativo. O livro não se destina a autoajuda, pelo contrário, sugere alternativas para uma vida que faça sentido em meio a um mundo tão conturbado. As regras propostas por Peterson dão uma direção, apontam onde dói e, se não elimina o sofrimento, ajuda a compreender que a origem das dores e angústias humanos residem dentro de cada um de nós, expressadas na forma como nos relacionamos com outras pessoas e das expectativas que temos da realidade mesma. Não é uma cartilha com orientações do que fazer para alcançar a felicidade, mas um meio que pode levar à reflexão sobre o que somos e, acima de tudo, nos conduzir a compreender que somos os únicos responsáveis pelas nossas angústias e desgraças. 

A vida é simples e devemos ter comportamentos sustentados pela temperança e resiliência para que, diante dela, possamos compreendê-la e, assim, construir uma vida com Sentido e Fé, erguidos sobre rochas, resistentes às intempéries. O único lugar no universo em que há um caos, no sentido literal, é no íntimo de cada um. Falta-nos a coragem necessária para explorar este interior, vencer os seus abismos e levar a luz onde há trevas. Certamente, não é possível sairmos do fosso na nossa alma sozinhos. Precisamos de uma mão que nos puxe e outra que nos mostre a saída. Estas mãos estão o tempo todo conosco e atende por um nome, Deus. Vamos conhecer brevemente algumas das 12 regras para vida.

Seja firme em suas decisões, tenha atitude, reconheça o seu potencial e não tenha medo de arriscar. Quem vai à batalha com medo da derrota já a perdeu, ensina Jordan. Seja uma pessoa de costas eretas e ombros para trás, eis o capítulo. Evite as atitudes terroristas. Isto é uma questão de hierarquia de dominância. Aqui Jordan aconselha as pessoas que carregam aquele ar de eterno derrotado, fazem-se de coitados e vítimas. São covardes, que na ausência de força interior, se entregam sem lutar ou então assumem a perda da batalha já na primeira derrota. Ele aconselha a essas pessoas a liberarem serotonina através da atitude proativa. Pessoas com baixos níveis de serotonina, segundo Jordan, se mantêm em posições inferiores na sociedade. Para ser vencedor é necessário ter uma postura de vencedor. Os vencedores são as pessoas que atraem as melhores oportunidades simplesmente porque elas existem para pessoas de alta capacidade de sobreviver em ambientes hostis. Pessoas com essa postura têm potencial para ser uma fonte de inspiração e de oportunidade. 

Hierarquia de dominância é um sistema mestre de controle ajustando nossas percepções, valores, emoções, pensamentos e ações. Ele afeta poderosamente cada aspecto do nosso Ser, tanto consciente quanto inconsciente“.  (Peterson, 14)

Jesus Cristo ensinou que não se deve fazer a outrem aquilo que não quer para si. Em outras palavras, fomos ensinados por Cristo a cuidar do próximo. Em sua mensagem de amor ao próximo Jesus Cristo nos evoca para largar tudo e segui-lo. Largar significa o desapego às coisas materiais e aos vícios. A princípio parece que quando Jordan Peterson, na segunda regra, aconselha que as pessoas cuidem de si mesmo como cuidaria de alguém sob a sua responsabilidade pode parecer que prega o egoísmo. Mas, veja que as mensagens têm os mesmos propósitos. Peterson assevera que para se tornar uma pessoa positiva e vencedora é necessário se cuidar como se tivesse cuidando de alguém sob a sua responsabilidade. A ideia por trás desse pensamento é simples: como amar o próximo se não se amar primeiro? Somente a compreensão da própria vida permitirá a valorização da vida do outro. O sofrimento da alma vem muitas vezes da falta de conhecimento de si. Jordan nos diz que apenas o homem infligirá o sofrimento para fim de sofrimento. Não conseguimos amar uma pessoa com profundidade e pureza porque nos achamos incapazes de reconhecer os nossos fracassos e aceitá-los como um caminho para a nossa salvação. Nos envergonhamos das nossas imperfeições e nos refugiamos nos ressentimentos quando deveríamos superá-las.

Você precisa saber quem é para que entenda suas armas e fortaleça a si mesmo em respeito às suas limitações. Você precisa saber aonde está indo para que limite a extensão do caos em sua vida, reestruture a ordem e traga a força divina da Esperança para o mundo.” (Peterson, 64)

Aqui o autor apresenta a regra de ouro para a felicidade. Nada é mais nocivo para a felicidade que nos relacionarmos com pessoas negativas, invejosas e fracassadas. Você deve, recomenda Jordan Peterson, nutrir amizade que lhe engrandeça como ser humano, que seja amigo de pessoas que queiram o melhor para você. Pessoas ruins atraem coisas ruins. Afaste-se de pessoas invejosas, preguiçosas, mesquinhas, maldosas e despeitadas. Elas só querem que você seja uma pessoa fracassada igual a ela. Procure se juntar a quem lhe tem algo de elevado para oferecer, que lhe respeita, que lhe quer bem e que sabe lhe dizer as verdades que você precisa ouvir. Este é o primeiro passo para quem quer ser uma pessoa de bem com a vida e de sucesso. 

Mas o próprio Cristo, você pode objetar, fez amizade com os coletores de impostos e com as prostitutas. Como eu ousaria julgar os motivos daqueles que estão tentando ajudar? Porém, Cristo era o arquétipo do homem perfeito. E você é você. Como você sabe que suas tentativas de puxar alguém para cima não o levarão — ou você — mais para baixo?” (Peterson, 79)

Como corolário nasce a quarta regra de Jordan Peterson. Compare a si mesmo com quem você foi ontem, não com quem outra pessoa é hoje. Há uma crença profundamente enraizada nas mentes das pessoas de que devemos ignorar o passado e olhar para frente e, sobretudo, nos compararmos com as pessoas que nos rodeiam. O autor ensina que este não é  o caminho adequado para se construir um espírito forte. Quando analisamos quem fomos ontem, tiramos as lições que nos mostram nossos erros e acertos, assim como, o que fizemos de bom e a quem machucamos. Das reflexões nascidas desta viagem ao nosso passado, medimos nossas ações e temos melhores formas de reconhecer nossas fraquezas e buscar, se não eliminar o mal, tentar conter o seu avanço. A cada reflexão sobre nossos erros passados, crescemos. A melhor forma de crescer é ser autocrítico. Compare-se sempre a si próprio, orienta Jordan Peterson, e procure identificar os pontos da sua vida que são reflexos de um passado que está a sua disposição para fazer as mudanças necessárias no presente da sua vida.

Ouse ser perigoso. Ouse ser verdadeiro. Ouse articular a si mesmo e expressar o que realmente justificaria sua vida. Ser feliz ao realizar a jornada pode ser muito melhor do que chegar ao destino com sucesso”. (Peterson, 93)

Peça e receberás. Bata e a porta será aberta. Se pedir com vontade e bater, como se quisesse entrar, pode ser que lhe seja oferecida a chance de melhorar a sua vida um pouco; muito; completamente”. (Peterson, 114)

Não deixe que seus filhos façam algo que faça você deixar de gostar dele. A incapacidade dos pais de mostrar para a criança quem está no comando e a quem elas devem obedecer dão origem a crianças egocêntricas e mimadas. Os pais atuais, principalmente os mais jovens, não sabem impor limites para os seus filhos. A permissividade dos pais, aliada às leis que tiram a autoridade dos pais sobre a educação dos filhos e a transfere para Estado, destroem a estrutura familiar e inverte os papéis da relação pais e filhos. Por conta disso, os pais estão “criando” adultos incapazes de enfrentar a vida,  formando pessoas ressentidas com alta incapacidade de se relacionar com os outros. São adultos infantis e mimados que não estão preparados para a vida. Consequentemente, são adultos que não respeitam autoridade, são vaidosos e egoístas. Enfim, os pais modernos têm dificuldades de impor limites para as suas crianças porque eles próprios não conseguem impor limite a si próprio.

 “Pais que se recusam a assumir a responsabilidade pela disciplina de seus filhos acham que podem simplesmente optar por evitar o conflito necessário para uma criação adequada de uma criança. Eles evitam ser os vilões (em curto prazo). Mas de forma alguma isso resgata ou protege seus filhos contra o medo e a dor. É exatamente o contrário: o mundo social mais amplo, crítico e indiferente infligirá conflitos e punições muito maiores do que os provocados por um pai consciente. Você pode disciplinar seu filho ou delegar essa responsabilidade ao mundo cruel e indiferente — e a decisão pela segunda opção nunca deve ser confundida com amor.” (Peterson, 138)

 Atualmente, todos nós não só queremos um mundo melhor como somos capazes de mudá-lo. Quase todo mundo conhece uma fórmula para a salvação da humanidade, tanto quanto estão dispostas a irem à luta em direção ao tão sonhado mundo melhor. Mas, como podemos querer mudar o mundo se não somos capazes de mudar uma vírgula no que somos e como vemos a vida? Queremos revoluções. Há elementos dentro de nós implorando por uma reforma. Entretanto, esperamos que as mudanças ocorram nos outros, não em nós. Temos dificuldade em olhar para dentro de nós e dizer “preciso pôr ordem nesse caos“. É  neste sentido que Jordan Peterson nos orienta  em sua sexta regra que devemos deixar sua casa em perfeita ordem antes de criticar o mundo e querer transformá-lo. Arrumar o seu interior primeiro e depois, quem sabe, você continue querendo mudar o mundo. 

Não culpe o capitalismo, a esquerda radical ou a iniquidade de seus inimigos. Não reorganize o estado até que você tenha ordenado sua própria experiência. Tenha um pouco de humildade. Se você não pode levar paz para sua casa, como ousa tentar governar uma cidade?” (Peterson, 165)

Mas é difícil conhecer a si próprio quando vive uma vida sem sentido. O problema, segundo Jordan, é que falta nas pessoas o profundo senso de significado. Se não encontramos um significado para a vida passamos a ter dela uma percepção niilista e a modelamos conforme as nossas conveniências. Na sétima regra Jordan Peterson pede que se busque o que é significativo, não o que é conveniente. Quase sempre, os caminhos daqueles que trilham uma vida repleta de significado são difíceis. Mas há  grandes recompensas para quem chega ao fim da jornada. Na luta entre o bem e o mal o bem não prevalecerá se não houver objetivos superiores pelos quais vale a pena lutar. Deus guarda aquele que tem a Sua Verdade como regra de vidas. Para estes, Deus reservou recompensas futuras que estão no Seu Reino. Por outro lado, viver segundo os ditames da conveniência é abraçar um mundo só seu em que Deus não faz parte dele. Neste mundo, manda o mal que domina todas as vontades humanas.

Por fim, em tempos difíceis como estes, impulsionado por uma pandemia, agravada por um terrível crise econômica, potencializado por graves conflitos de visão política e social, nos perguntamos: o que está acontecendo com o mundo, com as pessoas? Por que tanta angústia, ressentimento? A humanidade, que tanto avanço tem registrado na ciência e tecnologia, parece regredir no que tange a sua própria humanidade. As pessoas parecem que estão mais arrogantes, hipócritas, narcisistas, e principalmente, mimadas. A covardia cresce na falta de valores que lhes honre a condição de pessoas. Todos vivemos numa redoma, apesar de nos colocarmos contra o individualismo. Por qual motivo nós nos escondemos por trás de edifícios fictícios da nossa imaginação? Qual a origem das nossas fragilidades de caráter e egoísmo? Estas são questões cuja resposta não se encontram senão dentro de cada um de nós.

Se o mundo que você está vendo não é o que quer, está na hora de examinar seus valores. Está na hora de se livrar de suas pressuposições atuais. É hora de abrir mão. Pode até ser hora de sacrificar aquilo que mais ama para poder se tornar quem você puder se tornar em vez de ficar sendo quem é”. (Peterson, 179)

Como podemos querer uma vida de significado se bebemos o cálice doce da mentira? Quem mente para si e para o outro, mente primeiro para Deus. Portanto, busque dar significado a sua vida trilhando o caminho da retidão, da Verdade. Este é o único caminho que nos leva para os braços de Deus. Impressiona como fugimos de nós mesmos. O futuro não parece delinear novas linhas de progresso interior humano. Certamente haverá mais conquistas científicas e tecnológicas, mas continuaremos sendo o que somos há séculos: nada. Um vazio interior terrível. Continuaremos numa busca frenética por entendimento sobre quem somos e para onde vamos, mas olhando para fora, para o infinito, nunca para dentro. Talvez este seja o nosso maior erro.

O caminho para Deus, para uma vida digna e honrada é construído  pelas virtudes. Jesus Cristo nos ensinou e deu exemplo de que o Reino de Deus pertence aos humildes. Eis aqui, então um dos maiores desafios que tantas almas tem quebrado: ser verdadeiramente humilde de coração e de espírito e não nas aparências.

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A ARTE DE LER

A Arte de Ler, do professor e crítico literário, Émile Faguet, é um daqueles livros que fazem parte das grandiosas obras primas e suas lições preciosas sobre como ler bem com o corpo e a alma em perfeita sintonia entre a obra e seu autor. Faguet diz que saber ler é uma arte e que há arte na leitura. Para o insigne autor a arte da leitura repousa sobre a tríade: o leitor, a obra e o autor. Com efeito, a verdadeira compreensão do que se lê ocorre quando a mente do leitor dialoga em sintonia perfeita com a obra. Certa vez, Locke escrevera queler fornece ao espírito materiais para o conhecimento, mas só o pensar faz nosso o que lemos. É verdade. Não se alcança a satisfação do espírito sem tornar nosso as ideias trocadas com os autores através das nossas reflexões. Destarte, veremos que, conforme assinala Faguet, para cada tipo de leitura há uma maneira de ler e refletir. 

Ler devagar

Uns leem porque precisam se informar, mas não necessariamente porque precisam saber. Outros leem porque precisam do conhecimento per si e se consagram a uma vida de estudos. Para este, Faguet aconselha a ler devagar, para aquele, o folhear das páginas basta. Quem quer de fato aprender sobre o que ler, precisa fazê-lo devagar. Somente a leitura lenta e rigorosa é capaz de nos fazer refletir sobre as ideias do autor, e assim, construir as nossas próprias ideias. Ler devagar é o primeiro mandamento do leitor excepcional, ensina Faguet. Devemos ler sempre nos perguntando: é isso mesmo? 

Precisamos saber se as ideias que aprendemos são realmente do autor, ou se não são conjecturas criadas pelas nossas percepções e crenças. Faguet nos ensina a não nos deixar levar pelas impressões imediatas, superficiais – geralmente traiçoeiras, e desconfiar do primeiro sentido e das conclusões precipitadas a que nos conduz a leitura apressada. A pressa na leitura não é atributo das mentes privilegiadas, é antes, a artes dos preguiçosos. 

 “É preciso ler com um espírito muito atento e desconfiado da primeira impressão”.

Mesmo sem a intenção de escrever, é preciso ler com lentidão, o que quer que seja, se perguntando sempre se compreendeu bem e se a ideia que você apreendeu é de fato a do autor, e não a sua”.

“A leitura é uma vitória do tédio sobre o amor-próprio”.

Os livros de ideias

Há uma arte de ler para cada gênero dos saberes, ensina Faguet. Para cada um tipo de saber há um tipo de leitura. A arte de ler livros de ideias políticas e filosóficas difere muito da arte de ler livros de poemas e poesias. No capítulo Os livros de ideias,  Faguet examina as principais características dos autores dos clássicos políticos como Platão, Montesquieu, Descarte, Rousseau e Proudhon no tocante a compreender a ideia geral que há no livro, como capta-la e como associa-la a vida do autor. Faguet sublinha que ler livros de ideias é uma arte de comparação e aproximação contínua. Quer o primoroso autor dizer que é necessário penetrar profundamente no universo do autor sem perder a conexão com o mundo exterior ao leitor. 

Preciosas lições para toda uma vida de estudo. Faguet ensina que para ler os clássicos é necessário conhecer os autores além das suas obras. Conhecer a origem do autor e a época que ele viveu revelará muito da sua obra e muito sobre o próprio. Como exemplo desta asserção, cita o autor os cuidados necessários ao se ler as obras de Platão e argumenta que quem o lê terá como primeira impressão a ideia de que Platão odeia a democracia. Contudo, após repetidas leituras atentas da obra, o leitor perceberá que se encontrará no fato do Platão ser um aristocrata a origem da sua manifesta recusa pela democracia. Outro exemplo trazido por Faguet é o de Montesquieu e a sua obra prima Do Espírito da Leis. O insigne pensador nasceu na época do reinado de Luiz XIV, governo caracterizado por um forte despotismo que despertou no jovem Montesquieu um latente ódio pelo absolutismo e tudo o que ele representava.

Ler livros de ideias é um enorme desafio para o intelecto, porém é bem mais prazeroso para quem aprecia o pensar. Livros de ideias como os clássicos da filosofia conduzem o leitor a um mundo de diálogo e reflexão trocados com os autores em que ousa-se questionar, criticar, enaltecer a obra e o seu autor. Neste contexto, Faguet assente que para ler os filósofos é essencial ter prazer pelo ato de pensar, pois o universo do filósofo é permeado por ideias e mais ideias que desafiam o leitor, tirando-o do lugar comum. Ler autores da filosofia, assegura Faguet, leva ao leitor a um debate que também encontra equivalência na vida privada. Todos nós podemos ser críticos dos clássicos. Basta para isso que estejamos inserido profundamente no mundo das ideias do autor, estudando-o com zelo e respeito. 

“É preciso, então, à medida que se completa e se esclarece, levar em conta, sem cessar, para se compreender o que se lê hoje, aquilo que se leu ontem, e para melhor compreender o que seu leu ontem, o que se lê hoje”.

Escritores obscuros

Há tantos escritores obscuros, assinala Faguet. A obscuridade nas palavras do autor equivale aos livros difíceis de compreender diante da falta de clareza do escritor para expor temas voltados para as ideias – não nos referimos aqui aos livros ruins, estes Faguet aconselha ignora-los. É muito comum abandonarmos um livro nas primeiras páginas pelas suas exigências. Uma grande parte de leitores não consegue distinguir e compreender os sabores que provam nos livros difíceis e se deixa encantar pelo raro e exótico prato limitando-se a falar das suas qualidades inventadas, mas os sabores lhe são completamente estranhos. Outros leitores, apesar de todo empenho para vencer o desafio da leitura de livros difíceis, deixam-se vencer, abandonam a leitura nas primeiras páginas. Mas, há aqueles que interrompem a leitura, reconhecendo quão difícil é a jornada, tão-somente para se fortalecer, retomando a leitura mais tarde para avançar com segurança por terrenos antes nebulosos. Esses levantarão o troféu da vitória na escalada da leitura. 

Faguet admite a necessidade de ler autores difíceis,  mas tão-somente para simplificá-lo, provando para este que o mesmo pode ser escrito para todos os mortais. Admite-os e os repudia. Quem não desejou ler aquele livro do seu escritor preferido para descobrir que o livro é tão complicado que não vê alternativa a não ser reservar para ele apenas um lugar decorativo na estante? Concordamos com Faguet. Alguns autores, são realmente obscuros. Fazem da sua obra um complexo de códigos como se escrevesse apenas para a sua consciência. Não fazem questão de ser compreendidos. Pelo contrário, deleitam-se no sacrifício daqueles que se arriscam a decifrar seus emaranhados literários. Para alguns que pensam compreendê-los, fazem do seu pensar o do autor, na medida que vêm apenas a partir das suas percepções. Dessarte, colocam-se assim longe do autor. Porém ao decifrar o universo dos escritores difíceis e suas obras quase impenetráveis o leitor estabelecerá um diálogo frutífero com eles e não raramente descobrirá a beleza das ideias e que há luz naquela penumbra. 

Portanto, essa não é uma batalha que não pode ser vencida. Pelo contrário, com perseverança e muito trabalho é possível penetrar no universo desses escritores. Se o livro é difícil, se o autor é obscuro, leia-o e releia-o até o fim, ainda que não haja a devida compreensão das ideias.

Os maus autores 

Tão necessário quanto ler os escritores obscuros é ler os maus autores, escreve Faguet. Apesar de perigoso, pode ser bom, afirma. Entretanto, qual proveito há na leitura de livros ruins? É necessário saber que na concepção de Faguet os maus autores podem, as vezes, escrever livros de boa qualidade. Em suas palavras, “é possível que a leitura dos livros maus seja uma catarse de preciosa utilidade moral”. Haja vista existam tantas obras que não merecem ser publicadas alguns livros devem ser evitados, pois nada nos acresce. Por outro lado, é possível descrever o sabor de algo sem nunca tê-lo provado? Não  é necessário sentir no paladar o seu sabor e textura para que se possa dar a mais sincera opinião? Do mesmo modo é a leitura do livro ruim. Saber que se produz, ainda, obras de tão baixa qualidade literária, não deve ser uma questão de ego, mas de distanciamento. Todavia, há aqueles autores que pela sinopse tem-se o suficiente para jamais abrir seus livros. Nesses casos,  simplesmente, não vale a pena, pois existem uns cem números de bons livros esperando para serem lidos e certamente, toda uma vida é insuficiente para que todos sejam lidos.

Os inimigos da leitura

Assinala Faguet que há os inimigos da leitura. Estes não se posicionam entre aqueles que não gostam de ler ou, ainda, que o subestime a favor dos seus interesses pessoais. Pelo contrário, os inimigos da leitura são categorias encontradas entre os que gostam de ler. Faguet sublinha que os inimigos da leitura são as tendências, são as inclinações, são os hábitos que impedem de ler bem. Com efeito, os inimigos que a maioria das pessoas encontram na leitura vem das suas crenças e falta de tempo, assim como a supremacia dos vícios e prazeres materiais que as acompanha,  impedindo a contemplação, a meditação e a reflexão, tão necessários para o cultivo do bom hábito de ler livros. Alia-se a estas coisas as atribulações e distrações da vida moderna.

Assim, Faguet afirma que os inimigos da leitura são o amor-próprio, a timidez, a paixão e o espírito de crítico.  A vitória a leitura é a vitória do tédio sobre o amor-próprio, assim postula Faguet, pois para ele há  autores que tomados pelo ciúmes não são capazes de admitir críticas às suas convicções e crenças, muito menos às suas obras. Essa postura do autor, põe o leitor reticente à uma leitura em que não é possível uma crítica. Como afirma Faguet, esse ar de superioridade é insuportável para a maioria dos leitores. O homem que ler não tem paixões, observa Faguet. Eu adicionaria, com todo o respeito ao insigne autor,  que o homem que ler tem paixão pela leitura, se consagra aos livros e se desfaz dos outros prazeres. Todavia, é o espírito crítico o maior inimigo da leitura, segundo Faguet. Por que? A expressão  de La Bruyére, o prazer da crítica nos tira o de sermos vivamente tocado pelas coisas belas, tomada de empréstimo por Faguet, pode ser a resposta para tão polêmica questão. Quer dizer o grande autor que o leitor ao debruçar-se sobre a crítica pode não perceber as belas mensagens que a leitura menos crítica traria à luz. 

Entretanto, Faguet mostra-nos que, ainda que sobre essa asserção resida a verdade, há o outro lado que merece consideração. A sisudez do crítico logo se desfaz diante do verdadeiro belo. Quando isso acontece ele se dar por completo e rende-se a perfeição.

A crítica não é outra coisa senão um exercício contínuo do espírito pelo qual nos tornamos apto a compreender onde está o falso, o fraco, o medíocre, o ruim e a ser muito sensível ao falso, ao fraco, medíocre e ao ruim, graças ao qual somos igualmente sensíveis ao verdadeiro e ao belo

É preciso dizer que somente os críticos se alegram vivamente. O leitor crítico é o leitor armado, armado com armas defensivas. Não se o aprisiona, não se o amarra logo de cara, nem facilmente. Mas, precisamente por causa disso, quando se encanta, a embriaguez do prazer o faz largar todas as arma“.

Leitura dos críticos 

E, falando nos críticos, devemos lê-los? Por que? Ler antes da obra original? No capítulo leitura dos críticos Faguet responde que depende: se o autor é um historiador literário ou um crítico. Se for um historiador literário, a resposta, segundo Faguet, é  sim. Se for um crítico, nunca antes de ler o original. Por que? Antes necessário se faz a compreensão da distinção entre o historiador literário e o crítico. Para Faguet, o historiador literário é  aquele que que lhe dará todas as informações que lhe são úteis e que introduz o leitor no mundo do autor. Faguet diz que o historiador literáriodeve apenas conhecer e fazer conhecer os fatos e as relações entre os fatos. Por outro lado, o crítico será um filtro entre o leitor e o autor. Infeliz do leitor que ler a crítica de uma obra antes da leitura da própria obra. 

O crítico, ao contrário, começa onde o historiador literário termina, ou melhor, está sobre um plano geométrico diferente daquele do historiador literário“. 

Portanto, aprendemos com Faguet, que não será a visão do autor original que o leitor terá, donde poderia fazer o seu próprio pensar, mas a percepção do autor original através das reflexões do crítico. Se por um lado, a leitura crítica pode poupar o leitor da leitura decepcionante do original, é verdade que na maioria das vezes isto tende a adiar o objetivo de ler o original ou então jamais será lido. Porém, se a intenção do leitor é conhecer a história da obra e do autor para saber acerca do contexto e a época sob a qual ela se desenvolveu, é  recomendado a leitura da história da obra.

No fundo, não se deve dizer que os críticos jamais se alegram. É preciso dizer que somente os críticos se alegram vivamente

Conclusão 

O nosso cérebro não foi feito para leitura. Passamos mais de dois milhões de anos usando o nosso cérebro apenas para a fuga, o ataque e o acasalamento. Somente nos últimos dez mil anos começamos a ler. Logo, é fácil concluir que estamos engatinhando. Isso explica porque tão poucos gostam de ler e tantos tem repúdio pela leitura. A arte de ler de Émile Faguet abre os horizontes da leitura, classificando-a com beleza, mostrando que mais que uma arte cultural, ler é  uma arte do prazer para o espírito.

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O FIM DA REVOLUÇÃO

O maior ícone da Revolução Comunista da América Latina da atualidade está ruindo. Depois de mais de 60 anos sob regime de opressão e servidão, ouve-se nas ruas de Cuba o clamor pela liberdade. É o fim da revolução. Revoltado com a incompetência do governo de Miguel Díaz-Canel no combate à pandemia da Covid-19 e com a continuidade do regime ditatorial comunista que arrasta os cubanos para a pobreza cada vez mais acentuada, o povo vai às ruas e exige mudanças já. Perdido, o sucessor tupiniquim do ditador Fidel Castro, insufla os revolucionários, apoiadores do regime, irem às ruas, com a sua milícia, para rechaçarem a justa insurgência. O mundo está perplexo diante da reação popular frente ao regime de Fidel Castro. Alguns manifestantes cubanos chegam a expressar a sua indignação pondo abaixo a crença no socialismo. Por outro lado, a imprensa esquerdista assim como o próprio Canel, sustentam que isso é fruto de uns poucos contra-revolucionários financiados pelos EUA e afirmam que este é o culpado pela miserável vida do povo cubano.

Como não poderia deixar de ser, “os esquerdistas caviar” (lembrando aqui o Rodrigo Constantino) vêm com as mesmas e insustentáveis retóricas da esquerda: o comunismo é lindo e a culpa de todos os problemas de Cuba é dos Estados Unidos. Incompetente, frente a uma situação que lhe foge o controle, e sem conseguir perceber que a ilha cubana não suporta mais essas desculpas esfarrapadas, Canel convoca os revolucionários, apoiadores do castrismo e da revolução para ir à rua e defender a democracia cubana e, diga-se de passagem, a convocação não tem o intuito de dialogar. É na base da porrada mesmo. É desta maneira que o governo de Canel pensa resolver os graves problemas sociais e econômicos de Cuba causados por ele e seus ídolos: colocando os seus apoiadores e a polícia sob o seu controle para massacrar o povo cubano e no final culpar o tal do imperialismo americano. Velhas retóricas, nada mais.

O fato é que o povo cubano, sem a presença hipnótica do Fidel Castro e os seus longuíssimos discursos retóricos, tomou coragem e se insurge clamando por liberdade e justiça. Exige, enfim, o fim das perseguições políticas e suas prisões arbitrárias, e “paredões ocultos”. O povo cansou e finalmente depois de um longo período em sonambulismo vai às ruas para por fim o governo ditatorial dos Castros. 

O povo foi enganado durante 60 anos. A revolução foi traída. Depois que Fidel assumiu o poder, o que se viu foram mortes, perseguições a intelectuais, artistas, empresários e todos aqueles que discordavam o mínimo possível da revolução e dos ditames do Fidel Castro. Ele conseguiu de fato a tão sonhada igualdade: deixou todos os cubanos igualmente pobres e fez de Cuba o ícone da mentira. Graças ao comunismo Cuba se tornou um dos países mais pobres da América Latina. Vitória do comunismo.

A esquerda, sobretudo no Brasil, ainda acreditando que o comunismo é viável, é testemunha atônita, sem acreditar no que os seus olhos veem, o povo cubano iniciar uma nova Revolução. Não se sabe como tudo isso vai terminar. Já se fala em fuga dos Castros para outros países. Mas, a verdadeira revolução é essa. De fato, genuína e legítima, a Revolução está agora nas ruas cobrando liberdade e o fim da ditadura. Com efeito, independente de qualquer coisa há uma mudança irreversível na consciência do povo cubano que o impele a avançar cada vez mais nos caminhos que conduzem à liberdade. Esse é um momento histórico que, guardando as devidas proporções, assemelha-se ao fim da URSS e à queda do muro de Berlin. Essa é a primavera Cubana que anuncia o fim da revolução que se iniciou há mais de 60 anos e nunca terminou.

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1964 O ELO PERDIDO

Todas as estratégias do partido comunista da Tchecoslováquia para arregimentar novos agentes no Brasil, com disposição e dinheiro para corromper várias autoridades, sobretudo, as do alto escalão do Governo, visando consolidar a concepção comunista no Brasil estão detalhadamente descritas no livro 1964 O Elo Perdido, fruto de um intenso trabalho de pesquisas nos arquivos secretos da StB empreendido pelos pesquisadores Mauro Abranches Kraenski e Vladimir Petrilák.

Em 1952 agentes da polícia política da Tchecoslováquia se infiltraram no Brasil com a missão de avaliar as condições para tornar o Brasil a sede do comunismo na América do Sul. Nesse período, Josef Stálin (1878–1953) buscava a hegemonia da URSS através de poderosas campanhas de espionagem com infiltração intensiva de seus agentes em países de viés comunista, assim como mostrava disposição para financiar grupos revolucionários e guerrilhas em prol do Stalinismo. O objetivo do Stálin era levar o comunismo além do Leste Europeu. Os alvos principais eram os países com políticas frágeis e povos que não tivessem o espírito democrático acostumado à liberdade de expressão e à liberdade política. Nesse contexto, o Brasil parecia ser um terreno fértil para a germinação das sementes comunistas e stalinistas.

Por seu turno, o Brasil não demonstrava firmeza nas suas convicções políticas quanto ao comunismo. Para os partidos comunistas de Praga e Moscou, o Brasil tinha um posicionamento ambíguo, além de não haver uma organização política confiável. Com poucas exceções, como alguns incipientes partidos comunistas locais e figuras de destaque como Luís Carlos Prestes, faltava, geralmente, a inteligência política necessária para a luta comunista, assim como a organização e espírito revolucionário. Porém, diante da sua posição como país em desenvolvimento e de possuir uma política fragilizada pela falta de governo forte que possuísse objetivos acima dos interesses pessoais e, mais ainda, por ser o maior país na América do Sul, Moscou acreditava que tornar o Brasil a base comunista na América do Sul significaria a conquista de um continente inteiro. Portanto, cabia à Tchecoslováquia executar os planos de conquista com todo o empenho possível.

O livro 1964 O Elo Perdido revela o quanto de caos político rondava o Brasil, com desorganização administrativa que deixou os agentes da StB impressionados. As raízes comunistas estavam plantadas desde antes da era Vargas, mas não germinava, logo um comando superior era tudo o que o Brasil precisava. Sendo assim, bastava obedecer às ordens do Kremlin. Como escreveu o filósofo Olavo de Carvalho no prefácio da edição brasileira de “1964 O Elo Perdido”, o comunismo tinha infectado todas as cabeças pensantes, todas as instituições muito antes de 1964: “este livro se debruça no contexto da influência da StB no Brasil na segunda metade da década de 1950 e nos anos 60, pois, é justamente durante esse período que a polícia política comunista da Tchecoslováquia obteve seus maiores êxitos no exterior. Eram tempos em que o bloco socialista irradiava autoestima e uma potência incrível, com um sentimento de possibilidades infinitas que pôde ser confirmado a partir dos vários feitos tchecoslovacos e soviéticos”.

A polícia política da Tchecoslováquia, a StB, pretendia aproveitar o viés comunista de João Goulart (1919–1976) para acelerar o processo de reestruturação da sociedade brasileira para o paraíso comunista, ainda que às vezes ele tivesse postura politicamente duvidosa para os interesses soviéticos. Para alcançar o objetivo, bastavam seus agentes burlarem o frágil mecanismo de Segurança Nacional do Brasil. Segundo os autores de 1964 O Elo Perdido, a Polícia Secreta do Brasil era de uma incompetência absurda, mesmo para os padrões de segurança de países subdesenvolvidos da época. De fato, ao chegarem no Brasil, antes do início do período do governo militar, os agentes não tiveram problemas para atuar, pois, diante da insignificante segurança provida pelas forças de inteligência e segurança nacional, eles não se sentiam ameaçados. O resultado é que um grande volume de informações dos arquivos secretos brasileiros foi arrancado, com relativa facilidade, do Brasil pela StB e entregue para Praga e Moscou.

Sendo assim, do ponto de vista logístico, a implantação da base comunista no Brasil não seria difícil, visto que os agentes não tinham dificuldade alguma em se infiltrar nas altas cúpulas do poder estatal brasileiro. Do mesmo modo, os agentes podiam frequentar as repartições públicas sem serem incomodados, assim como podiam andar nas ruas tranquilamente, pois, eles eram bem pouco importunados pela ineficiente polícia política brasileira. Quando, às vezes, um agente brasileiro entrava no encalço de um agente tcheco, geralmente, a propina ponha fim na frágil vigilância.

Os autores informam que após a Revolução de Veludo em 1989, evento que provocou a renúncia do então presidente comunista Gustáv Husák (1913–1991), sob o comando de oposicionistas como o Václav Havel (1936–2011), a Tchecoslováquia passou por diversas reformas cujo objetivo principal se apoiava sob três divisas, conforme explicam os autores: descomunização, restituição e privatização. Para eles, este fato e a queda do sistema totalitário em 1989 contribuíram para que eles tivessem acessos aos arquivos secretos que antes estavam sob o domínio da StB e que agora se tornaram de domínio público. Kraenski e Petrilák investigaram o material disponível, sobretudo, os do período entre 1952 e 1971.

A confiança na veracidade dos dados fica expressa na asserção dos autores: “Nenhum serviço de inteligência gosta de ser enganado e todos eles tentam adquirir informações verdadeiras para poder, pelo menos, mentir com sucesso e manipular o adversário“. Kraenski e Petrilák examinaram vários documentos, entre eles as pastas secretas com nomes de brasileiros a serviços do governo comunista da Tchecoslováquia. Tudo reunido, revelava um esquema poderoso para colocar o país definitivamente na direção do comunismo.

Por outro lado, Moscou andava desconfiado com o rumo que a política no Brasil tomava. O comunismo que predominava no Brasil era da linha maoísta. Isto era um problema, pois, Mao Tse Tung (1893–1976) rompeu com o comunismo de Stálin. Entretanto, o esforço para trazer o Brasil para o lado comunista dos soviéticos era válido devido aos objetivos estratégicos de Moscou e Praga. Os partidos de esquerda que viviam na clandestinidade careciam de legitimidade. Tanto é verdade que a StB evitava trazer para o seu lado pessoas ligadas ao PCB. Apesar da importante participação do jovem Brizola (1922–2004) no processo de aquisição de armas, havia sempre um ponto de dúvidas sobre as intenções ambíguas dos comunistas brasileiros, afirmam os autores. Além de muitos nomes famosos da política, que além de políticos incluíam empresários e intelectuais, nos arquivos também constavam muitas empresas brasileiras importantes.

Os autores evidenciam como a StB chegou ao então presidente João Goulart e teve em suas mãos informações sigilosas. Eles contam que o agente Alexeyev (da StB) conheceu Jânio Quadros antes de João Goulart e que este contato fora fundamental para a aproximação ao Jango. Segundo os autores Jango já era conhecido e atuava a tempo nos serviços de inteligência tchecoslovaco. Até então, o Brasil mantinha fortes relações econômicas com os EUA e o presidente Goulart pretendia abrir comércio com o oriente e reduzir, no que lhe concerne, às atividades comerciais com os americanos. Isso agradava Moscou e à Praga. Entretanto, em 1964 os militares derrubam o João Goulart e assumem a direção do país. Os militares no poder criaram sérios obstáculos para os planos da StB. Os autores esclarecem que “o golpe militar de 31 de março de 1964 interrompeu bruscamente o desenvolvimento das promissoras, segundo o serviço de inteligência da Tchecoslováquia, relações com os políticos”.

Contas Kraenski e Petrilák que em 1952 Praga enviou para o Rio de Janeiro o misterioso oficial da StB, o camarada Honza, que iniciou o processo de espionagem em terras brasileiras e fez um trabalho que encheu de orgulho o comando da StB. Além disso, havia também registros de fatos curiosos como o relatório feito pelo Honza em que relatava o estilo de vida dos brasileiro que era contrastante com o do povo da Tchecoslováquia. Para Honza os brasileiros eram selvagens vivendo numa terra generosa. Após Honza muitos outros chegaram ao Brasil. O maior objetivo desses agentes era recrutar e preparar os “colaboradores ideológicos”. Estes eram comunistas encontrados em todas as instituições públicas com capacidade para se tornar espião a serviço dos soviéticos.

Os colaboradores ideológicos deram um pouco de trabalho devido à falta de disciplina e obediência, mas mesmo assim, ainda que 1964 tenha sido um período difícil para o trabalho da StB, os agentes lograram êxito na maioria das vezes. Isso porque eles eram extremamente competentes no recrutamento de espião nas terras estrangeiras. O resultado é que eles enviaram para a Tchecoslováquia muitos relatórios sobre todas as atividades políticas internas no Brasil e as relações diplomáticas que mantinha com outros países, inclusive os Estados Unidos.

O comunismo está inserido na sociedade brasileira praticamente desde a Revolução Russa (1917). Engana-se quem pensa que ele está morto. O comunismo resiste ao tempo porque sofre metamorfoses que lhe dão nova face sem modificar a sua essência. O livro 1964 O Elo Perdido é uma revelação e uma denúncia. Ele revela as estratégias para firmar a hegemonia comunista em qualquer parte do mundo e denuncia os revolucionários de ontem e que hoje estão no poder. Fica, assim, demonstrada as estratégias e a capacidade do comunismo de se perpetuar nas estâncias do poder. O Brasil precisa estar alerta, pois, é uma questão de vida para a democracia brasileira.

O livro 1964 O Elo Perdido” ajuda a compreender a escalada do comunismo no Brasil. Mais que isso exige que o Brasil esteja alerta, pois, nos últimos 35 anos o comunismo se enraizou em todas as instituições brasileiras, públicas e privadas. Muitos que clamaram por uma democracia no fim do governo militar chegaram ao poder e desde então trabalharam para que toda a sociedade brasileira tivesse uma só visão política: a da esquerda.

É recomendado que a leitura desse livro seja acompanhada de outro livro revelação, Desinformação.

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DESINFORMAÇÃO

O tenente-general romeno Ion Mihai Pacepa (1928—2021), ex-agente do ditador comunista romeno Nicolae Ceausescu (1918—1989), denúncia no livro, Desinformação, como Stálin e toda a máquina comunista soviética, utilizando o que hoje chamamos de fake news, desconstruíram a imagem do Papa Pio XII, fazendo o mundo acreditar que o Papa era aliado de Hitler. Do mesmo modo, Stálin forjou a imagem dos judeus e dos Estados Unidos como inimigo da Europa através da publicação do livro Os Protocolos dos Sábios de Sião. Notícias falsas, criação de personagens fictícios, manipulação dos meios de comunicação para enganar, trapacear e deturpar; a propaganda comunista se espalhou pelo mundo, ela não ficou restrita somente à URSS, ela se propagou pela Europa, Américas, África e Ásia. A Romênia é um exemplo tácito, pois, o ditador Ceausescu fez uso intensivo da propaganda para construir a imagem do governante exemplar a ponto de iludir a Europa e os EUA. Portanto, o uso dos meios de comunicação para fins políticos, distorcendo a verdade e criando uma realidade inventada, demonstra o triunfo da mentira sobre a verdade.

Na primeira parte do livro Pacepa descreve como ele foi recrutado pela Securitate, a polícia política da Romênia, e se tornou o braço direito do ditador comunista Nicolae Ceaușescu. Dado a sua importante posição no governo romeno, ele pôde ver e ouvir coisas que seria quase impossível para a maioria que apoiava direta ou indiretamente o comunismo no mundo. “de fato, por ser a Romênia um país relativamente pequeno, acredito que eu, como o seu mais alto funcionário da inteligência, muito provavelmente tinha uma imagem mais clara como o Kremlin e sua dezinformatsiya de fato funcionavam do que os demais”.

Pacepa revela que não tinha nenhuma simpatia pelos métodos e nem pela pessoa do ditador Ceausescu, assim como também não tinha consciência do quanto um governante era capaz de mentir e matar para atingir os seus objetivos políticos e pessoais. “Nessa época, eu já era um agente do bloco soviético. Não tinha, contudo, consciência de que a imagem de um líder soviético era importante a ponto de ir longe quando fosse necessário – até mesmo ao ponto de matar ou aprisionar milhões de pessoas, reescrever a história, destruir instituições, manipular a religião e modificar tradições. – no esforço de verificar a si próprio ou de demonizar seus competidores e inimigos”, revela Pacepa.

Desapontado por um regime que ele não concordava, mas se via obrigado a seguir, ganhou cada vez mais simpatia pelo estilo de vida e pela política dos norte-americano. Ao se opor ao regime comunista Pacepa colocava em risco a própria vida, o Kremlin e a Securitate o queriam morto e poucas não foram a tentativa para assassiná-lo. Pacepa revelou que quase sucumbiu às bombas de Carlos, o chacal. Foi nessa época que ele ficou conhecendo todo o processo de desconstrução da imagem de indivíduos e instituições. Por outro lado, foi também uma grande experiência, onde ele descobriu as reais intenções dos líderes comunistas, explica, Pacepa.

Pacepa explica que o Ceausescu utilizou muito bem a engrenagem do governo para construir a imagem do bom governante e do paraíso comunista, apesar de que ele estava mais preocupado com a própria imagem do que a soberania do partido. Ele foi o primeiro que fez uso do termo glasnost (abertura) antes de Mikhail Gorbachev, este utilizado como instrumento a favor da mentira, afirma Pacepa. Neste contexto, percebe-se que a desinformação era largamente utilizada dentro e fora da alta cúpula dos partidos comunistas do bloco dos países socialistas. A mensagem que Ceausescu tentava passar ao mundo era a mesma que Gorbachev, lembra Pacepa: “para longe do estado totalitário e em direção à democracia, à liberdade, à abertura”. Pacepa afirma que o termo glasnost era utilizado para santificar o líder do país. “Glasnost é um dos segredos mais secretos do Kremlin e certamente uma das principais razões para manter os arquivos da inteligência estrangeira da KGB ainda hermeticamente fechados”, escreve Pacepa. A frase proferida pelo chefe da KGB Iúri Andropov contida na presente obra revela o teor maquiavélico da propaganda comunista: “Deixe que os tolos crédulos acreditem que você quer perfumar o seu comunismo com um pouquinho de democracia ocidental, e eles irão cobri-los de ouro“. Ceausescu conseguiu, pois, se tornou o queridinho de Washington.

A Rússia estava infiltrada em todos os lugares no mundo. Os seus tentáculos eram chamados de “aldeias de Potemkin“, termo que significava Organização Internacional, cujo objetivo era espionar e escrever inverdades em jornais próprios. O Kremlin gastava milhões de dólares para manter a sua extensa rede dessas organizações internacionais de espionagem e manipulação de informação. Pacepa serviu em uma delas, confessa. Entre elas, destacou uma com um nome bastante curioso: Conselho Mundial da Paz ou WPC – foi a primeira dessas organizações, fundada em 1949, explicou Pacepa. A maior função dessas aldeias era espalhar mentiras e Pacepa revela que a principal função da WPC era publicar que “os Estados Unidos eram um país sionista provocador de guerras, financiado com dinheiro judeu e governado pelos Conselhos dos Sábios de Sião”. Segundo Pacepa, o objetivo era criar medo, espalhando notícias falsas sobre uma suposta aliança entre os Estados Unidos e os judeus para iniciar uma nova guerra objetivando transformar o resto do mundo num feudo judeu.

A técnica de apagar uma personalidade e pôr outra no lugar se chamava enquadramento, um dos instrumentos favoritos do Kremlin na arte da desinformação. Uma pessoa “enquadrada” tinha a sua reputação destruída ou prestígios garantidos de acordo à conveniência do Kremlin e seus subordinados. Esta técnica, explica Pacepa, consiste em alterar o passado da pessoa, transformando-a, muito rapidamente, numa personalidade de alcance mundial, ou destruindo a sua reputação completamente. A desinformação foi intensamente utilizada contra a religião pela propaganda política soviética, pois, destruir a religião era necessário. Mais que demolir igrejas e assassinar padres e freiras, era necessário acabar com a reputação do Papa.

A força da desinformação revelou-se em toda a sua dimensão quando Stálin resolveu desconstruir a imagem do Papa Pio XII, um exemplo tácito do poder e alcance da máquina de desinformação soviética. O referido Papa foi a vítima maior desse assassinato de reputação. A desinformação, semelhante à propaganda nazista, era um instrumento refinado e de incrível precisão, uma vez que o alvo estava estabelecido, o destino do Papa estava selado.

Marxistas como Stálin sabiam que um povo sem religião podia ser dominado com mais facilidade. Isto porque na falta da Fé transcendente, o povo encontra no Estado o suporte espiritual ao vazio deixado pela ausência da religião. Em vista disso, o objetivo de Stálin era a extinção das igrejas e destruição total do cristianismo, conforme explica Pacepa. Stálin planejou bem a destruição do cristianismo na URSS e nos países do Leste Europeu. Ele autorizou a demolição das igrejas e de todos os símbolos cristãos. Segue-se a isso o assassinato de milhares de padres, freiras, bispo e a condenação de muitos sacerdotes aos Gulags. Contudo, era preciso atingir mortalmente o seu principal representante da igreja e o alvo estava fora dos territórios comunistas: o Papa Pio XII. Neste sentido, o enquadramento é instrumento perfeito e o objetivo era mostrar que o Papa estava associado ao plano dos judeus para dominar o mundo. A imagem do “Papa de Hitler” precisava ser cuidadosamente criada e sistematicamente publicada nos quatro cantos do mundo.

Pacepa explica que o Papa Pio XII era, até então, o santo homem responsável por salvar a vida de milhares de judeus e que o fazia em silêncio. Todavia, Stálin pretendia provar, segundo Pacepa, que o Papa apoiava os judeus e o ato humanitário do Papa era uma fachada. De certa forma, isso criava vínculos com os judeus e poderia ser utilizado como prova contra a imagem do pontífice. O resultado de toda a trama é que até hoje se fala e escreve sobre o “Papa de Hitler”. Ainda que nenhuma evidência prove que o “enquadrado” cometeu o que lhe acusa a propaganda soviética, a sua imagem pública estava para sempre desacreditada. Mas, a estratégia também tinha outro lado: se o “enquadramento” era utilizado para prejudicar a reputação do indivíduo, também era usado com extrema habilidade para construir a imagem do líder carismático preocupado com a “salvação” do povo. Stalin usou a desinformação para passar para o mundo a imagem de um líder visionário, carismático e responsável pelo futuro glorioso do seu povo.

Pacepa mostra como Stálin enganou o mundo forjando uma personalidade que nem os Estados Unidos resistiram ao teatro: “outrora tendo se negado as relações diplomáticas com a maior parte do mundo livre, agora Stálin se junta ao clube privado dos vencedores. Foi indicado para o prêmio Nobel da paz e estava pronto para tomar o mundo”. O mundo foi enganado pelo mecanismo da desinformação da KGB. Nos próximos 10 anos, Stálin se nutriria desta imagem forjada sob os escombros formados pelos ossos das suas vítimas. Até hoje Stálin é visto como um grande líder não compreendido. Mas, sem sombra de dúvidas, uma das maiores façanhas da desinformação foi a desconstrução da imagem do Papa.

Pacepa conta que “no dia 3 de junho de 1945, a Rádio Moscou declarou oficialmente que o líder da Igreja Católica, o Papa Pio XII, tinha relações políticas com o nazismo e tratou de o chamar de o “Papa de Hitler”, assim, insinuando de maneira mordaz que ele fora um aliado dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Foi a primeira descarga de tiros de uma operação calculada da SMERSH para manchar aos olhos do mundo a reputação do pontífice”. A partir do momento que soube que lhe acusavam, o Papa Pio XII se lançou numa batalha pessoal para limpar a sua reputação. Muitas personalidades como Einstein saíram em defesa do Papa, ressaltando a dedicação do Papa na salvação de milhares de judeus dos campos de concentração nazistas, muitas vezes com recursos próprios. Muitos judeus livres foram testemunhas deste fato, e quando pode, saíram em defesa do Papa. Pacepa descreve que o Papa Pio XII e a Santa Sé foram responsáveis por salvar mais de 860 mil judeus das garras do nazismo.

Apesar de até hoje ainda haver gente que acredita na narrativa do “Papa de Hitler”, Stalin teve apenas um sucesso relativo em sua empreitada. Contudo, ele estava comprometido com a expansão da sua guerra contra religião e estava disposto a direcionar toda a inteligência da máquina comunista soviética para expurgar a religião naquilo que Pacepa chamou de guerra global contra a religião. Sem obter o êxito logrado na sua investida contra o Papa, Stálin aponta a sua arma, a desinformação, para outro alvo.

Os Estados Unidos acompanhavam os episódios de difamação do Papa com apreensão e demonstravam preocupação com a geopolítica de Stálin. Os americanos tinham reais motivos para preocupação. Com efeito, Stálin utilizou a desinformação para atacar a reputação dos americanos. Pacepa revela que “ele [Stalin] estava convencido de que o ódio aos judeus tinha raízes profundas na Europa, e que queria voltá-lo contra o seu novo inimigo. Assim, Stálin decidiu retratar os Estados Unidos como um reino sionista comprado com dinheiro judeu e governado por um ganancioso Conselho dos Sábios de Sião, assim chamado por Stálin, cujo mandachuvas militaristas queriam transformar o resto do mundo em um feudo judeu”. Stálin arquitetou um plano que além de atingir os americanos, desviaria a atenção do mundo para os judeus, deixando-o livre para levar adiante o seu plano pessoal de poder. O plano ficou conhecido sob a forma de um livro como Os Protocolos dos Sábios de Sião. Segundo KGB, os judeus pretendiam dominar o mundo se infiltrando em todas as organizações mundiais, controlando o sistema financeiro mundial e tendo sob o seu controle a geopolítica. Até hoje há pessoas que acreditam em cada linha do comentado livro. O diabólico livro é uma construção da inteligência da KGB quando um agente da KGB plagiou uma peça atribuída ao escritor francês Maurice Joly que retrata um “Diálogo no Inferno entre Maquiavel e Montesquieu”. Portanto, o livro condensa mais uma mentira.

Stálin tinha outras nações comunistas empenhadas na trama para destruir Os Estados Unidos e os Judeus. Pacepa esclarece que “a principal meta da dezinformatsiya da Securitate nessa nova terceira guerra mundial era ajudar Moscou a reavivar o anti-semitismo na Europa Ocidental espalhando milhares de cópias de uma antiga falsificação Russa, Os Protocolo dos Sábios de Sião, naquela região do mundo”.

Após a morte de Stalin, Nikita Kruschev (1894—1971) assume a dianteira no comando da hegemonia do Comunismo no mundo. Os líderes totalitários quando queriam dominar a massa da população pobre e analfabeta, sua primeira medida era proibir qualquer manifestação religiosa. Foi o que Stalin fez. Nikita Kruschev, ciente disso, empreendeu uma campanha na América do Sul com este objetivo. Mas, diferente de Stalin, ele optou por desconstruir a religião e remontá-la à luz do comunismo. Em 1968 a KGB convenceu alguns bispos latinos americanos de esquerda a sediar uma conferência em Medellín na Colômbia, nasce decorrente deste evento A Teologia da Libertação. Pacepa esclarece que “nos anos 1950 a 1960, a maioria dos latino-americanos era pobre, camponeses religiosos que aceitavam o status quo, Kruschev estava confiante que poderia ser convertidos ao marxismo através de uma manipulação hábil da religião”, e continuando “o propósito oficial da conferência era ajudar a eliminar a pobreza da América Latina. Sua meta não declarada era legitimar um movimento político criado pela KGB, apelidado de teologia da libertação, cuja missão secreta era incitar manobras latino-americano contra a violência institucionalizada da pobreza gerada pelos Estados Unidos”.

O Papa João Paulo II também foi submetido a desinformação. Pacepa mostra como John Cornwell, após escrever “O Papa de Hitler”, debruçou-se na criação dos livros “Rompendo com a Fé” e “O Papa no Inverno”, ambos de teor difamatório contra a pessoa do Papa João Paulo II.

“O Trabalho Liberta”, frase emblemática gravada no portão de entrada de Auschwitz. Falsa promessa para os mais de um milhão de judeus que cruzaram o portão para o “inferno”. A mentira, ou seja a desinformação, foi amplamente utilizada pelos nazistas, tanto para ter o total controle sob os presos em campos de concentração, como também para engrandecer a imagem de Hitler. Joseph Goebbels (1897—1945), ministro da propaganda nazista, dizia que “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. Entretanto, mentir nunca foi uma característica apenas dos comunistas. Em toda a história da humanidade a mentira sempre teve um lugar de destaque, sobretudo, na vida política. Os grandes governantes, mas não só eles, sempre utilizaram a mentira para conquistar mais poder, para ter as massas sob os seus domínios e eliminar opositores e qualquer ameaça aos seus interesses públicos e pessoais.

A mentira sempre foi e sempre será uma instituição política e social. Se há sociedade civil, então a mentira é o corolário. Pessimismo a parte, hoje a mentira como forma de assassinato de reputação não só está institucionalizada como também se tornou um lugar-comum e de alcance global graças ao advento das redes sociais. A desinformação agora passou a se chamar, na vanguarda ideológica, de “fake news”, cujo objetivo é o mesmo: destruir ou construir imagens de pessoas públicas e não públicas. A técnica que antes se chamava “enquadramento”, que como vimos neste breve artigo, consiste em apagar a imagem de uma pessoa e colocar outra em seu lugar, hoje ganhou uma irmã conhecida por “cancelamento” ou “ostracismo social” que nada mais é que destruir a reputação de pessoas e instituições através das redes sociais com uma grande participação das massas. Como se vê, a coisa saiu dos laboratórios das polícias políticas dos regimes fascistas, nazistas e comunistas e se encontra agora nas redes sociais, na imprensa, na política, nos movimentos sociais, nas ONGs e nos grandes órgãos globais como ONU, OCDE, UE etc.

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A POLÍTICA DA PRUDÊNCIA

Ideologia e conservadorismo, uma distinção

Conservar é manter as coisas num estado em que elas estão depois de percorrerem uma longa estrada, adicionando experiências de maneira seletiva e pragmática. Tudo aquilo que dentro do seu universo conhecido pode ser chamado de experiências, ao longo do tempo, servirá de colunas para sustentar as realidades futuras. Para criar é preciso preservar. Nada na história da humanidade começou do zero. Exceto o Criador, que não tem início e nem fim, tudo mais que existe, teve início e foi melhorando num processo seletivo contínuo. Todo o ser humano teve, obrigatoriamente, que se apoiar no passado, seja como fonte de inspiração, seja como um modelo que delineia as novas direções. Idealizar o novo mundo e o novo homem é utopia, é ideologia. Essa é a essência de A Política da Prudência, livro que reúne textos das conferências e palestras apresentadas por Russel Kirk entre 1986 e 1991.

O que tem a ver ideologia com as ideias conservadoras? Se entendermos que o ideólogo busca a destruição do passado e das coisas permanentes em detrimento a um futuro incerto, sonhador, utópico, enquanto o conservador pensa e age de maneira oposta, tendo nas coisas permanentes a sua filosofia de vida, então ambos se encontram em lados antagônico, portanto, no âmbito político e cultural divergem em ideias.

Contudo, não é tão simples ver essas noções apenas como uma dicotomia, pois, para compreender as suas diferenças, é preciso compreender o significado de um e de outro. Primeiro a ideia de conservar não é algo inerente ao conservador. Na verdade, somos todos conservadores. A esquerda é conservadora em seus princípios ou os livros de Karl Marx devem ser queimados e esquecidos por dormirem no passado? Podem argumentar alguns: as teorias marxistas são renovadas todos os dias na mente de homens que sonham com um futuro glorioso para a humanidade. Mas isso não significa que os marxistas acordam todos os dias sob a luz de novas ideias utópicas. Se isso fosse verdade, do ponto de vista conservador, as ideias de Marx seriam coisas do passado, portanto, deveriam ser esquecidas ou remodeladas sob novos prismas. Mesmo quando o marxismo adquire uma nova semântica, ainda assim, é do marxismo que se está falando. Dessa maneira, o passado vive naquilo que derramou sobre si o verniz do novo e se aplica tanto ao pensamento conservador como ao pensamento de esquerda. O mais convicto progressista é na alma um conservador, pois, sob uma ideia concebida lutará por ela até a morte. Por acaso aquilo que nasce já não pertence ao passado? Hoje presente, amanhã não será passado?

A Política da Prudência nos mostrará essas diferenças de ideias e princípios. Numa visão muito clara daquilo que Russell Kirk chama de coisas permanentes, a obra é uma crítica às ideologias e uma defesa contundente aos princípios conservadores, bem como oferece proposições que sustentam que a política dos conservadores fundamenta-se no terreno da prudência.

O que é ideologia

Antes de escrevermos a respeito de alguns capítulos de A Política da Prudência convém entendermos o que é ideologia, uma vez que há uma confusão tremenda a girar em torno da tão polêmica palavra. Segundo a Wikipédia, o termo foi criado em 1801 pelo conde de Tracy que deu a ela o significado de ciências das ideias. Segundo o portal Significados, ideologia é “conjunto de ideias, pensamentos, doutrinas ou visões de mundo de um indivíduo, ou de determinado grupo, orientado para suas ações sociais e políticas”. Portanto, é fácil perceber que a ideologia é matéria do idealismo, dado que “idealismo é a qualidade do que é ideal. É a representação das coisas sob a forma ideal. É a propensão ou inclinação do espírito para o devaneio, para o ideal. O ideal é o que existe somente na ideia, no imaginário, é o fantástico, o modelo sonhado”, descreve o portal Significados. Uma vez compreendido o significado da palavra ideologia, adentramos então no universo de ideias de Russell Kirk e sua obra.

A Política da Prudência

No capítulo “Os erros da ideologia” Russell Kirk explica a diferença entre o conservador e o ideólogo. O primeiro, acredita que “a política é a arte do possível” e contextualizando conclui, “ele [o conservador] pensa nas políticas de Estado como as que intentam preservar a ordem, a justiça e a liberdade”. Ao passo que o segundo [o ideólogo], “pensa na política como um instrumento revolucionário para transformar a sociedade e até mesmo a natureza humana”, e mais adiante afirma: “o ideólogo promete a salvação neste mundo, declarando, ardentemente, que não existe outra realidade”.

É nisso que consiste a A Política da Prudência a que Kirk se refere na presente obra. Para Kirk, o conservador tem a prudência como princípio. Ele acredita que o fato da humanidade ter chegado até aqui é tão-somente fruto das experiências boas ou ruins que foram fundamentais para formação dos nossos valores, bem como a fundamentação das nossas instituições. A humanidade não evolui aos saltos. Pelo contrário, as experiências de uma geração serviram de inspiração para as subsequentes. O que somos e o que sabemos não surgiu num passe de mágica, o nosso conhecimento em todas as áreas é o acúmulo bem-sucedido das experiências de pessoas que viveram antes de nós e adicionaram às experiências daqueles que viveram em gerações anteriores às suas. O que somos e pensamos, herdamos dos que não se encontram mais entre nós, mas que os degraus que eles construíram nos permitiram chegar até aqui.

Neste contexto, a mudança prudente é bem-vinda desde que ela seja absolutamente necessária e não fruto dos devaneios ideológicos. Não se pode mudar por mudar. Quando as instituições e valores são sólidos a evolução é permitida a fim de tornar melhor o que já era bom. A ideologia seduz pelo seu discurso fácil e cheio de apelos emocionais. O seu efeito sobre as massas que de alguma forma nutre alguma revolta contra o sistema é latente, pois, conforme esclarece Kirk “a ideologia pode atrair os entediados da classe culta, que se desligaram da religião e da comunidade, e que desejam exercer o poder. A ideologia pode encantar o jovem parcamente educado, que, em sua solidão, se mostra pronto a projetar um entusiasmo latente em qualquer causa excitante e violenta”.

Conforme citado anteriormente, todos somos conservadores. Entre nós, há um tipo genérico de conservador que Kirk evidencia em A Política da Prudência denominado de “conservadorismo popular”, o qual subdivide em mais dois tipos de conservadorismo nos Estados Unidos, distinguindo-os em “conservadorismo populista” e “conservadorismo popular”. Este caracteriza-se pela convicção elementar de que a cura para a democracia é mais democracia, aquele pelo fato dos indivíduos serem conservadores nos costumes e tradições, assim como primam os seus valores e princípios na religião, família, propriedade e liberdade. Do mesmo modo o conservador popular sabe que é imperfectível e que o nosso papel é viver da melhor maneira possível tendo como alicerce os princípios aqui enumerados.

No primeiro, há o Império das minorias (e não o despotismo da maioria como temia Alexis de Tocqueville) e a sua crença de que pode transformar o mundo a partir do ativismo utópico socialista. No segundo, o intuitivo sentimento que a vida não é perfeita, que o melhor mundo é aquele que nos é real e que aquilo que venceu o teste do tempo deve ser preservado, assim como o novo deve ser submetido ao teste do tempo. Neste último, nos ensina Russell Kirk, reside a essência do conservadorismo popular, aquele que despido de qualquer interesse político, histórico e filosófico se entrega aos ditames da natureza.

Este fenômeno se espelha de maneira semelhante aqui no Brasil. Porém, em nossas terras, há uma diferença marcante: se nos Estados Unidos o conservador o é por natureza, aqui o conservador o é por ignorância e conveniência. Lá, o americano traz consigo um espírito conservador que resiste à aproximação com a política. Aqui, o brasileiro pensa que é um conservador na política, porém, na realidade não tem o espírito conservador que se vê em terras yankees, portanto, é conservador apenas nas aparências.

Um outro tipo considerado por Kirk é o dos “conservadores culturais”. Cultura e religião são a base do pensamento e da atitude do conservador. Ele herda da comunidade os princípios que o fazem ter profundo respeito pela tradição, costume e busca preservá-los. Ele encontra na religião o elo espiritual que dá a comunidade um sentido transcendental que é Deus. Infelizmente a Igreja deixou-se corroer pelo progressismo e se distanciou da cristandade conforme Christopher Dawson (1889–1970) demonstra em seu livro Progresso e Religião em que investiga historicamente essa relação. Anota Russell Kirk que “a sobrevivência das igrejas como organizações humanitárias ou políticas não significa a sobrevivência da fé religiosa”. De outro modo, a decadência do Ocidente está diretamente relacionada com aquilo que T.S. Eliot chamava de: A Ideia de uma Sociedade Cristã. A cultura do cientificismo, segundo visão de Russell Kirk (1888–1865), que predomina em todas as ações humanas, é responsável pela decadência do ocidente uma vez que atinge a sociedade em seus valores morais. Para T.S. Eliot, salvar a cristandade não vem antes de repensar os valores e fé cristãos. Com efeito, o resgate da humanidade das garras do secularismo passa antes pela necessidade de uma reforma na Igreja e a aproximação desta com as expectativas e percepções dos fiéis.

Neste sentido, os conservadores culturais, são um forte aparato contra o secularismo que subverte moralmente a sociedade cristã. Aqui entra o importante papel dos conservadores culturais. Para Russell Kirk “os conservadores culturais esforçam-se em apoiar as melhores características da civilização norte-americana, da vida que conhecemos e vivemos reconhecendo, é verdade, que nem tudo na cultura de hoje merece estima e que a mudança prudente e gradual pode ser a melhor maneira de se preservarem as coisas permanentes”. Continuando, esclarece, “a cultura, a civilização, que os conservadores culturais esperam revigorar é, em grande parte, a manifestação norte-americana do que se chama de civilização cristã, aquela grande cultura originária do pequenino culto de alguns galileus de dois mil anos atrás”.

Há um grupo especial na história dos americanos que não encontrou nenhuma sintonia com a cultura norte-americana. São os proletariados. Neste capítulo Kirk reflete sobre a perspectiva do proletariado na visão conservadora. Este capítulo é de nosso interesse porque ele espelha a realidade brasileira.

Conforme Kirk, o proletariado, em sua maioria nunca chegou a se familiarizar com o pensamento, a cultura e os costumes norte-americano. Ele julga que os proletariados “tornaram-se desculturados, em vez de aculturados, e os demagogos fizeram deles presas fáceis”. Kirk mostra que Detroit representa o berço do proletariado americano e como eles surgiram nesta cidade. Não há como não comparar com as origens dos nossos proletariados aqui no Brasil. Cá, o nascimento das favelas tem, de certa forma, algum parentesco com Detroit. Contudo, não parece ser assim tão de fácil explicação quanto para o caso de Detroit.

Por exemplo, no Brasil temos alguns bairros, outrora nobre, que cederam lugar para a migração da classe mais pobre (entre eles muitos proletariados no contexto kirkiano). Porém, não foi a industrialização a causadora do nascimento dessa classe como no caso de Detroit. Aqui houve a migração das pessoas de maior poder aquisitivo para áreas mais afastadas, causada por outros fenômenos migratórios. Parte da população migrou porque certos grupos, antes importantes centros financeiros e comerciais, viram-se obrigados a migrar para outras áreas porque a atual não comportava a crescente demanda gerada pelo crescimento econômico, por conseguinte não só mantendo como também atraindo das periferias uma população carente em todos os aspectos. Além disso, o crescimento do setor de serviços aliado a infraestrutura arcaica que data do Brasil colônia-Império contribuíram para o aceleramento migratório.

Como exemplo cito o caso do bairro do Comércio e do Centro Histórico, ambos na cidade de Salvador, localizada no estado da Bahia. Estes dois bairros, outrora lugar da nobreza e pessoas abastadas e comércio pujante, hoje é habitado pela classe menos favorecida social e economicamente. Situações como essa ajudaram no agravamento da desigualdade social no Brasil e é muito provável que estejam nestes fatos as origens das favelas, dessa maneira, temos um contingente bem maior de proletariados e o terreno de altíssima fertilidade para os políticos demagogos como nos lembra Kirk.

Conclusão

Russell Kirk sustenta que “o que precisamos transmitir é a política da prudência, não beligerância política”. O conservador é um prudente por natureza. Não dá passo em terreno movediço. Sua segurança ao avançar na vida advém das suas experiências passadas e dos princípios criados por aqueles que se dedicaram a pensar antes de nós. O tempo foi o maior juiz das ideias desses gigantes e o indivíduo aquele que as pôs a prova. Por outro lado, o ideólogo é um sonhador perigoso, pois, para eles os fins sempre justificam os meios. Para eles, a morte de 100 milhões de pessoas está legitimada pelas causas revolucionárias e é diretamente compensada em função da criação do paraíso terrestre.

Que não se confunda o conservador legítimo com o imobilista e reacionário, este último é utopista tanto quanto o é os ideólogos, pois, aquele vive um passado que só existe na cabeça dele, este quer desconstruir a civilização atual para levantar uma nova idealizada civilização que será habitada por um novo tipo de seres humanos. Já o imobilista recusa qualquer ideia de mudança. Este paralisou-se no tempo e pensa que tudo tem que ficar exatamente como está. Ambos, irracionais em suas ideias e crenças. Por outro lado, o conservador legítimo sabe que progresso é inexorável, sobretudo os de cunho científico. O que o conservador legítimo se opõe, veementemente, é a ideia de desmantelar instituições, valores e princípios que nos trouxeram até aqui, que passaram pelo teste do tempo, que é a sustentação da sociedade ocidental.

 

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LIBERDADE ACADÊMICA E OPÇÃO TOTALITÁRIA

Não é segredo para ninguém minimamente informado e que tenha algum grau mínimo de inteligência, de que há uma massiva ideologizacão esquerdista nas faculdades brasileiras, principalmente nos cursos de humanas ministrados nas universidades estaduais e federais. Alguns alunos dessas instituições têm demonstrado o seu repúdio e protesto através das redes sociais. Consequentemente, os alunos que não concordam com o conteúdo das aulas são perseguidos pelos colegas de sala de aula e não é incomum, pelos professores e corpo administrativo.

Com efeito, o conteúdo das aulas de humanas é o que mais impressiona. Os assuntos são escolhidos para mostrar unilateralmente apenas um lado da realidade política, social e econômica, tanto do ponto de vista histórico e filosófico quanto político, ao passo que a outra vertente é esquartejada e incinerada visando a eliminação total de qualquer pensamento opositor.  Além dos professores terem sido massivamente influenciados pelo marxismo, o próprio conteúdo das disciplinas é preparado de maneira a mostrar apenas um lado da moeda. Feito tábula rasa, as cabeças dos alunos vão sendo preenchidas paulatinamente com ideias que futuramente exercerão o papel de propagadores delas com elevada incapacidade de aceitar argumentos em contrário. Isso não só acontece nas universidades particulares e públicas, como em todo o sistema de ensino desde o infantil. Assim, o aluno é preparado para se posicionar apenas de duas maneiras: ou contra os opositores da sua ideologia ou a favor daqueles que pensam como ele, sendo que como opositor é incapaz de aceitar que o outro lado pode estar com a razão.

A preparação ideológica de mentes jovens como forma de dominação não é um fenômeno novo. Desde que os Militares assumiram o comando do país, em 1964, que esse processo vem evoluindo sistematicamente ao longo do caminho  gerando situações de conflitos que algumas vezes se localizam além da dicotomia esquerda e direita. É exatamente isso que veremos num dos maiores debates acadêmicos que aconteceu aqui no Brasil, posto a público através do livro Liberdade Acadêmica e Opção Totalitária, do consagrado professor e filósofo Antônio Paim.

Em 1979, segundo relata o consagrado professor, a então professora Anna Maria Moog Rodrigues pediu demissão do Departamento de Filosofia da PUC-RJ por não aceitar a censura ao texto extraído do livro Pluralismo e Liberdade do professor Miguel Reale pelo chefe do Departamento de Filosofia da PUC-RJ. Ao pedido de demissão da professora Maria Moog, seguiu-se o do seu marido e do próprio autor da supracitada obra, Antônio Paim. O que se viu, muito diferente dos debates de hoje, foi um debate que na expressão do próprio Antônio Paim foi  “um debate memorável”. De um lado, os que saíram em defesa da professora Ana Moog, de outro, os que defenderam a instituição.

Antes de mais nada, uma nota de suma importância e de alta pertinência: vale ressaltar que o grande debate em Liberdade Acadêmica e Opção Totalitária deveria servir de exemplo de como realizar um debate de alto nível. Vergonhosamente, os debates da atualidade são permeados de desrespeito ao oponente em que, aos gritos furiosos de ambos os lados, o que importa é a “verdade” de cada um debatedor. Mas, retomamos a linha dorsal do texto para expor como a ideologia vem ao longo do tempo ocupando espaços nas academias. Neste sentido, o livro Liberdade Acadêmica e Opção Totalitária retrata bem este fenômeno.

Tudo começou quando o Jornal do Brasil público a carta da professora Anna Maria Moog Rodrigues endereçada ao chefe do Departamento de Filosofia da PUC-RJ, na qual protestava contra a censura de um texto do professor Miguel Reale que seria incluído como material didático no curso da disciplina História do Pensamento, conforme narra o professor Antônio Paim na página 12, capítulo 1 (O evento). Sustenta o professor Antônio Paim, que o texto foi discriminado pelo chefe do Departamento sob a alegação de divergências políticas com a história de vida do professor Miguel Reale. A professora Anna Maria Moog Rodrigues, por sua vez, “por considerar este ato arbitrário e cerceador da liberdade acadêmica”, descreve Paim, “apresentou o seu pedido de exoneração ao Corpo Docente da PUC“: Estava armado o palco para o grande debate que agitou intelectuais, acadêmicos e pessoas comuns, num Brasil que ainda respirava os últimos ares do período da ditadura militar no Brasil.

Antônio Paim aponta que “explicando as razões da censura, o chefe do Departamento de Filosofia da PUC indicou que não havia conveniência de realçar uma figura controvertida nos meios universitários, especialmente entre alunos. E como se incumbiu de explicitar um dos defensores da censura, o caráter controvertido do autor censurado prender-se-ia à sua condição de ex-integralista”. O grande problema aqui não é a obra do autor censurado, mas a sua condição de ex-integralista (Ação Integralista Brasileira). A AIB foi um movimento político brasileiro ultranacionalista, corporativista, conservador e tradicionalista católico de extrema-direita fundado por Plínio Salgado (1895―1975) ao qual o professor Miguel Reale se filiara. Vê-se então que a censura recai tão-somente em função ideológica. Isto porque já na época do episódio as universidades  brasileiras estavam impregnadas pelas ideias marxistas. 

O pensamento de Karl Marx estava (e ainda está) presente em todos os momentos da vida acadêmica nos cursos de humanas. Sendo um ex-integralista o texto do professor Miguel Reale não  era bem visto e daí a censura do departamento de filosofia. Destaca o professor Antônio Paim que  “emergiu, de modo destacado, a preocupação com a influência marxista em muitas Universidades e na Igreja católica. Essa preocupação é compreensível, porquanto, sabidamente minoritários, os grupos marxistas ganham uma caixa de ressonância muito grande com a circunstância indicada.” O professor Antônio Paim esclarece ainda que “o cerne da liberdade acadêmica é a liberdade de cátedra, assegurada pela Constituição e pela tradição brasileira. Isto significa que nenhum Departamento tem o direito de imiscuir-se na matéria, que é da responsabilidade individual do professor. A Universidade pode, certamente, divergir da orientação que determinado professor tenha decidido imprimir à disciplina de sua responsabilidade e, neste caso, dispensar os seus serviços. Mas há de fazê-lo às claras”

O professor Antônio Paim argumenta que “a crise da PUC serviu para evidenciar que, mais uma vez, em nossa contemporânea história, os intelectuais brasileiros facilmente se deixam empolgar pela opção totalitária“. O que se viu à época, é o que se vê na atualidade brasileira. Para a esquerda militante, aqueles que gritam por liberdade são os primeiros cerceia-la nos outros quando as ideias divergem das suas. Na sua pesagem vale a regra dois pesos e duas medidas, acrescida de que os fins sempre justificam os meios. O totalitarismo está de tal maneira instituído, sorrateiramente, que muitas vezes não se percebe que estamos sempre concordando e defendendo ideias e fazendo exatamente o que os radicais (na linguagem de Russell Kirk) querem, sem nos apercebermos que estas ideias não são nossas e que não nos foi permitido contradizê-las pelo simples fatos de não termos aprendidos a pensar de outro modo.

Não vamos nos aprofundar nas discussões e posições antagônicas dos debatedores. Por ora, a exposição feita sobre a obra, denuncia de imenso valor histórico do professor Antônio Paim,  é o suficiente e a revelação de que a censura a liberdade de pensamento, principalmente no ambiente acadêmico, redundando em perseguições e retaliações a quem ousasse ter uma visão que não correspondesse ao pensamento dominante, lança luz ao estado em que se encontra o Brasil atualmente.  

Nos últimos 50 anos a esquerda fincou suas raízes no solo acadêmico e paulatinamente foi tornando dominante a sua visão de mundo. Ela aplicou e implantou a estratégia gramsciana de ocupação das instituições acadêmicas e desta, após formado hegemonicamente os intelectuais orgânicos que deu voz ao clamor da nova esquerda, que mais tarde estariam controlando os meios de comunicação, administrando instituições governamentais, atuando na política, tornando dominante o pensamento marxista e desconstruindo toda a forma de pensamento de direita como bem expôs o saudoso Sérgio Coutinho em seu livro A Revolução Gramscista no Ocidente. Segundo esclarece Sérgio Coutinho, a concepção revolucionária  de Antônio Gramsci para a tomada do poder não poderia, em países em que o imperativo da liberdade é nota dominante, ter sucesso conforme fora em países socialistas. Portanto, era necessário mudar o curso da revolução armada para a ocupação da coisa pública através de três frentes: a cultura, a educação e as instituições. Assim, era necessário plantar as sementes que ao germinarem dariam origem às novas sementes cada vez mais encorpadas com os princípios em questão. E assim foi feito, com assombroso sucesso no Brasil.

Segundo Sérgio Coutinho, “administrativamente, o arcabouço institucional do Estado deve ser preservado, entorpecer consciências e aliciar defensores inocentes de uma ação insuspeitada. As modificações visando à revolução marxista devem ser sutis e adotadas pacientemente, utilizando instrumentos legais e constitucionais, tais como consultas à sociedade civil organizada (sindicatos, ONGs etc.], referendos, plebiscitos e outras formas da chamada “democracia direta”, bem como programas de caráter político, mas apresentados como de índole social, popular e de defesa dos direitos humanos.” Desta maneira, ao longo do tempo nasceu silenciosamente, segundo a estratégia gramsciana de tomada do poder, a hegemonia do pensamento de esquerda de princípios marxista com o claro objetivo de implantar o comunismo, especificamente no Brasil, cuja índole do seu povo facilitava a empreitada, uma vez que facilmente deixa-se seduzir pelos discursos comunistas.

O resultado final é que os revolucionários dos turbulentos anos 60 se tornaram políticos, intelectuais, empresários, pessoas que uma vez conquistadas posições estratégicas na sociedade cuidaram de manter o primado do pensamento socialista comunista e seus privilégios. O resultado direto das estratégias de tomada do poder pela esquerda reflete diretamente o que vivenciamos em sala de aula nas academias. O mais assustador é que uma vez que a educação superior já se encontrava sob o domínio preponderante da esquerda, tratou-se com a maior brevidade possível de aplicar a estratégia nas bases educacionais, modificando e adequando todo o sistema básico de ensino às agendas comunista. Isto foi feito de tal maneira que décadas depois uma pessoa declarar publicamente que era de direita era como se tivesse assinado a própria sentença de morte social.

De fato, numa nação em que tudo se move no sentido da supremacia das ideias da esquerda a outra vertente tende a desaparecer, fato que no Brasil vem se modificando com o levante direitista sob a égide do bolsonarismo. Porém, as raízes plantadas nos áureos  tempos revolucionários são profundas e como a revolução cultural se inicia sempre pela educação, é através dela que a hegemonia do pensamento de esquerda deve ser desconstruída.

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A IDEIA DE UMA SOCIEDADE CRISTÃ

TS Eliot (1888―1965) é conhecido como um dos mais importantes escritores do século 20. Seus poemas e romances são obras de uma mente brilhante e profundamente centrada no seu tempo. Homem de profunda formação Cristã, nunca foi seu forte escrever sobre política e religião, segundo constam nos anais da crítica especializadas. Entretanto, quando resolvera escrever o fez com tal rigor investigativo que o produto da sua brilhante mente foi a fabulosa obra A Ideia de uma Sociedade Cristã, que contêm a sua visão acerca da religião cristã e a formação da sociedade cristã. Dessarte, o seu ensaio A ideia de uma Sociedade Cristã não é uma obra sobre teologia, mas reflexões acerca da importância da criação de uma sociedade cristã, bem como uma preposição para encontrar os meios sobre os quais seria possível a realização de uma sociedade Cristã. 

Segundo o T.S. Eliot, diferente da ideia de comunidade de cristãos, a proposta de uma sociedade cristã apoia-se sobre a ideia de irradiar o espírito e a filosofia cristã de maneira global de tal maneira que mais que uma comunidade, esta se apresenta como um espaço territorial e espiritual. Logo há nas ideias de T.S. Eliot, uma distinção entre sociedade cristã e comunidade de cristãos: a primeira constitui uma sociedade que tem a consciência cristã que se enraíza na sociedade de maneira homogênea, fazendo parte de todos os seus aspectos, enquanto a segunda, parte apenas do próprio indivíduo que compromissado com a sua fé mergulha no individualismo das comunidade. Ele questiona “em que sentido podemos falar de um Estado Cristão. Se é que podemos, peço que me permitam usar as seguintes funções operacionais do Estado Cristão: a comunidade cristã e a comunidade de cristãos como elementos da sociedade Cristã”.

Para TS Eliot , a ideia de uma sociedade cristã para o indivíduo é uma questão fundamental de pensamento e não de sentimento. Assim ele alerta que devemos tratar o cristianismo com mais respeito intelectual. De outro modo, ele sugere que as bases para a sociedade cristã sejam moldadas racionalmente sobre os aspectos políticos. Não que ele anseie por um retorno aos tempos dos reis escolhidos pelos deuses, mas que os princípios cristãos de amor, trabalho e Deus estejam sempre nas pautas das discussões mais importantes. Caso contrário, comenta TS Eliot: “A outra opção é aceitar o mundo moderno como é e simplesmente tentar adaptar os ideais cristãos a ele esta última esta última de sol visse em uma mera doutrina da consciência que é uma capitulação da fé que o cristianismo em si possa ter qualquer papel na modelagem das formas sociais e ela não requer uma atitude cristã para perceber que o moderno sistema social tem muita esse de inerentemente mau”.

Educação cristã

A educação cristã, para TS Eliot, é o começo da formação da sociedade. Ela não é o único fator, mas TS Eliot dá uma atenção especial a ela. A educação cumpre o objetivo de dar ao indivíduo os meios para sua formação humana baseada na moralidade e fé cristã. Isto não significa, esclarece TS Eliot, que os estudos e saberes científicos ou de qualquer área não Cristã, mas complementar a ela,  não deva fazer parte da educação cristã em si. Ele explica que a realização material e espiritual do indivíduo repousa sobre a Fé cristã. Porém, para formação de uma sociedade cristã é necessário ultrapassar a barreira da meditação, da prática do bem, e pensar a sociedade cristã do ponto de vista histórico e político. 

Para TS Eliot, o humanismo, cuja fonte é o próprio cristianismo, por si só não oferece como forma de educação as condições necessárias para a formação da sociedade cristã. Ele argumenta ainda que a igreja não é mais indicada no papel da formação  da mentalidade cristã. Ela perdeu a capacidade de influência na vida da sociedade devido a sua história que neste  sentido a condena. Além disso, há um fator que tem um significado negativo  para o objetivo: a igreja como um organismo de poder pode ter atitude  totalitária ao se colocar à  frente da educação. Isso já aconteceu antes sob o peso da injustiça, despotismo e corrupção.

Em meio ao caos global

Quando Elliot escreveu sobre A Ideia de uma Sociedade Cristã, eram tempos difíceis. Fruto das suas conferências, ele a escreveu no trágico momento da humanidade, quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial. Tanto mais que havia emergência por respostas que explicassem porque a humanidade atingira aquele estado de coisas. Além do mais, TS Eliot restringe as suas ideias à sociedade britânica, portanto a ideia de uma sociedade Cristã tinha como palco um dos mais tristes episódios da história humana. Neste sentido, explica-se, em parte, e até mesmo justifica-se, a busca por uma sociedade Cristã que traria respostas para o sofrimento e a paz para as nações, sobretudo para a Inglaterra.

As duas guerras mundiais marcaram profundamente a humanidade. Os homens de espíritos desse período clamavam pela paz. Sendo assim, TS Eliot via na sociedade cristã a forma da humanidade viver em paz. Ora, TS Eliot viveu também a guerra fria, quando o mundo apreensivo aguardava a qualquer momento a eclosão da terceira guerra mundial, agora com armas  nucleares que poderiam destruir a humanidade por completo. Deste modo, sendo um cristão e poeta, tomado pela mais profunda sensibilidade sobre os fatos do seu tempo, vislumbra um futuro terrível para as  próximas gerações. Um cenário apocalíptico. 

Uma sociedade cristã na Inglaterra parecia a TS Eliot a alternativa mais viável, pois num mundo destroçado por duas grandes guerras nunca antes imaginada pela mente dos historiadores e romancistas, a religião, mais especificamente, o cristianismo poderia ser, mais uma vez, a salvação para a humanidade.

A sociedade Cristã na atualidade, se fosse possível

Atualmente, segundo o Wikipédia, existem mais de 2,3 bilhões de cristãos no mundo. Com efeito, este é um fato fora de série, considerando que tudo começou há 2.000 anos num local que não estava entre as cidades mais importantes sob o domínio de Roma e com um grupo tão pequeno que os historiadores têm dificuldades em juntar provas dos fatos a respeito do cristianismo primitivo. Em outras palavras, a onda cristã tinha tudo para não passar de um um movimento a morrer na sua incipiência. Entretanto, sob a luz do Messias, o que se viu foi uma expansão nunca vista de uma religião que cresceu e transformou o mundo. Entretanto, o cristianismo passou por várias reformas ao longo deste tempo e que resultou em divisões e dissensões. Embora a reforma protestante tenha causado sérias mudanças no seio da Igreja Católica e por séculos tenha sido a guardiã dos cristão, ela sofreu um abalo visceral em seus alicerces quando o insurgente Martinho Lutero (1483―1546) declarou guerra a Igreja e afixou, em 1517, suas 95 teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg. Nascia a Reforma Protestante e com ela o maior trauma que a Igreja já suportou desde a sua fundação. Entretanto, foi no Iluminismo que a Igreja Católica e o absolutismo sofreram um ataque direto às suas bases e consequentemente a todos os cristãos existentes.

Com o advento do iluminismo  a relação do homem, Estado, Igreja e Deus não era mais a mesma. O absolutismo enfraquecera e os reis começaram a conhecer a guilhotina; a ciência e a razão são a nova religião dos novos tempos, e a tudo ousa explicar, teorizar, conceituar; enquanto o homem, antes que vivam as superstições da sua época, agora ocupava o centro de tudo. Para os pensadores iluministas, de fato e de direito, o homem passou a ser a medida de todas as coisas. Portanto, não havia porque se submeter aos caprichos da Igreja e Deus não ficou desacreditado perante os iluministas, mas não era mais um deus pessoal e sim uma deidade universal que criará magnificamente o universo e agora descansava eternamente. 

Entretanto, era necessário questioná-Lo e combater a religião que agora era vista pelos iluministas no campo da superstição. Para que as novas relações entre o homem e o Estado fossem escritas tendo como base o racionalismo da época era necessário a separação entre Igreja e Estado. Nascia assim o secularismo e o poder cruzado era coisa do passado. Essa grande onda transformadora não arrefeceu desde então. Avançou inexoravelmente pelos séculos com sangue e conquista. Então é necessário perguntar se na atualidade, faz algum sentido a ideia de se construir uma sociedade Cristã imaginada por TS Eliot? Antes de tentar responder a esta questão é preciso refletir sobre a condição atual das religiões no mundo, principalmente as religiões de matriz cristã. 

Primeiro é preciso ter consciência de que as coisas pioraram muito desde a época em que TS Eliot escreveu A Ideia de uma Sociedade Cristã. Hoje, há um elemento que o autor não previra em sua obra. Trata-se do movimento global para a criação de uma religião mundial, objeto da Nova Ordem Mundial. Mas, essa religião de matriz materialista e científica longe está de ser uma religião dotada de um Deus abraâmico ou de qualquer outro deus mitológico. Contrariamente, ela é uma nova religião que reconhece apenas um deus: o Estado Único.

Em seu livro Uma Religião Sem Deus, o Sul-Africano Jean-Marc Berthoud denuncia a estratégia dos grandes órgãos mundiais como ONU, OCDE, aliados aos tecnocratas e bilionários visionários com as suas poderosas  fundações para acabarem com as religiões, sobretudo aquelas de matriz cristã e, em seu lugar, erigir uma nova religião sob os pilares do novo iluminismo (alta tecnologia, ideologia de gênero etc, Estado único, Religião Mundial, fim das tradições e instituições como família). Segundo o autor, este plano visa tão-somente trazer para a sociedade humana profundas transformações eliminando a religião, as instituições seculares, os costumes e tradições e questiona: “o que significa fazer dos direitos humanos os substitutos da lei de Deus, como fonte, fundamento, norma e propósito de vida dos homens em sociedade?”. 

Do mesmo modo, as escritoras Eugenia Roccelia e Lucetta Scaraffia denunciam em seu livro Contra o Cristianismo como a ONU e a União Europeia estão unidas construindo uma nova ideologia no lugar das religiões cristãs. O mais grave é que a corrosão do cristianismo está ocorrendo dentro da própria igreja, principalmente na Igreja Católica,  conforme expõe Monsenhor Marcel Lefebvre em seu livro Do liberalismo à Apostasia. Sendo assim o cristianismo é um imenso desafio para a implantação da religião mundial que apesar de tudo, ainda é  uma considerável barreira, pois reside na crença e fé dos seus fiéis o maior obstáculo para a germinação de um Estado Único e sua Nova Ordem Mundial. Desta maneira podemos pensar que os desafios para implantar uma sociedade cristã no modelo proposto por TS Eliot são  gigantescos, pois os opositores extremamente poderosos e articulados politicamente com tentáculos em todo o mundo ocidental, avança a passos largos em direção ao objetivo. De onde podemos concluir que hoje a ideia de TS Eliot estaria no imaginário apenas, seria uma utopia.

Uma das armas que há muito tempo os defensores da Nova Ordem Mundial estão  usando com eficiência para a realização do seu projeto é o controle da educação. É  a partir da educação básica até a formação acadêmica, sob a tutela do e Estado, que o processo de ideologização das jovens mentes se inicia. As mentes das crianças são tábulas rasas que sistematicamente serão  preenchidas com informações que estarão sempre de acordo às prerrogativas estatais. Assim, essas crianças se tornarão adultos que pensarão que as suas ideias lhes pertencem e que elas estão transformando o mundo. Ledo engano. São apenas marionetes nas mãos de poderosos burocratas e tecnocratas que, por sua vez, estão a serviço de uma sociedade oculta chamada a Nova Ordem Mundial. 

No seu livro Quem Controla a Escola Governa o Mundo o mestre em Teologia Gary DeMar expõe como as poderosas instituições mundiais buscam o poder através do controle dos sistemas educacionais. De maneira mais contundente e munida de um imenso acervo comprobatório é a denúncia que o jornalista Pascal Bernardin faz contra instituições como a OCDE, Unesco entre outros  organismos governamentais mundiais em seu livro Maquiavel Pedagogo. Diz o comentado autor: “Essa revolução pedagógica visa a impor uma ética voltada para a criação de uma nova sociedade e a estabelecer uma sociedade intercultural. À nova ética não é outra coisa senão uma sofisticada reapresentação da utopia comunista. O estudo dos documentos em que tal ética está definida não deixa margem a qualquer dúvida: sob o manto da ética, e sustentada por uma retórica e por uma dialética frequentemente notáveis, encontra-se a ideologia comunista, da qual apenas a aparência e os modos de ação foram modificados. A partir de uma mudança de valores, de uma modificação das atitudes e dos comportamentos, bem como de uma manipulação da cultura, pretende-se levar a cabo a revolução psicológica e, ulteriormente, a revolução social. Essa nova ética faz hoje parte dos programas escolares da França, e é rigorosamente ensinada em todos os níveis educacionais”. Fazendo um adendo à denúncia do autor, hoje, esta é a realidade no mundo ocidental. 

No Brasil, que nunca teve um sistema educacional satisfatório, destruiu completamente a educação escolar ao adotar o método do educador Paulo Freire. Os exames do Pisa são a prova desta triste realidade. O Brasil nunca esteve tão ruim em proficiência em português e matemática, disciplinas básicas e obrigatórias em qualquer sistema educacional, sem as quais é inútil qualquer método de educação. Isso é o produto resultante de ideologias inseridas nas tábulas rasas no lugar de conhecimento puro e disciplinar. TS Eliot explica  que “em uma sociedade Cristã a educação deve ser religiosa não no sentido de que ela exercer a pressão ou tentar a instruir a todos em Teologia mas no sentido de que seus objetivos serão dirigidos a uma Filosofia de vida cristã” e, continuando, finaliza: “uma educação cristã treinaria as pessoas principalmente para que fossem capazes de pensar em categorias cristãs embora ela não possa forçar a criança e não implore a necessidade de uma profissão que cresça insincera”.

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BREVE MANUAL DO CONSERVADORISMO

Russell Kirk (1918-1994) foi um dos mais notáveis conservadores do século XX. Ele foi o tipo de pessoa em que não havia dissonância entre suas condutas pessoais e seus princípios , pelo contrário: vivia de acordo com eles. Russell Kirk foi um conservador no discurso e na prática e tinha o conservadorismo como um imperativo da sua vida. Em um opúsculo escreveu um grande tratado sobre conservadorismo. A obra intitula-se Breve Manual do Conservadorismo. Russell Kirk reflete sobre as condutas e a cosmovisão conservadora aplicadas aos vários temas sociais, bem como desmistifica muitos mitos e desconstrói visões distorcidas de alas liberais e progressistas acerca da filosofia de vida do conservador.

Nos últimos anos vimos a ascensão da direita em países da América do Sul e da Europa. Um presidente americano de direita foi eleito e no Brasil o fenômeno se repete com a eleição presidencial colocando no poder um presidente igualmente de direita. Neste mesmo período, no Brasil, a direita abandona a posição  de timidez e uma onda conservadora toma conta do território brasileiro. Entretanto, apesar disso, o cenário não parece indicar um fortalecimento da direita no Brasil. O que nos leva à seguinte questão: há realmente direita no Brasil? Do mesmo modo, desconfiamos da onda conservadora em ascensão no período supracitado.

No âmbito social e político a palavra conservador quase se viu transformada em um palavrão. Até o início da maré conservadora atual o que se via era uma letargia  intelectual seguida da ausência total de participação  nos segmentos políticos e sociais dos conservadores brasileiros. Enquanto a esquerda se fortaleceu durante mais de três décadas, ocupando as cátedras, imprensa, instituições educacionais, instituições públicas; enquanto a esquerda no mesmo período produziu intelectuais encarregados de propagar sua ideologia para as diversas camadas e segmentos sociais, penetrando e modificando profundamente o tecido social, ao seu turno, a direita calou-se, recolheu-se a condição de expectador e viu o bonde passar, ficou para trás. Agora ressurge das cinzas como a fênix. Mas a coisa parece um pouco confusa, desorganizada. A direita brasileira, se existe, está desorientada. Carece de propósito, de filosofia e de senso de sentido. Portanto, o conservadorismo no Brasil se põe em cheque.

Toda ideologia precisa de uma base teórica forte, projeto das experiências históricas daqueles que se debruçaram na construção das ideias políticas que o sustentem. Sobre essa base teórica desenvolve-se os princípios norteadores nos quais brotam os verdadeiros  insurgentes. A face do conservadorismo no Brasil espelha muito mais as posições pessoais alimentadas por interesses políticos e econômicos do que uma filosofia política. Do mesmo modo, no Brasil, a direita conservadora nunca foi militante, jamais formou movimentos sociais  (salvo em alguns casos como o da marcha da família: famoso movimentos que levou mais de um milhão de pessoas às ruas em prol da família em 1964), criou ou participou parcamente de agremiações, foi fraca na produção  literária (com algumas exceções – Olavo de Carvalho e Alessandro Loiola, são exemplo) e apática nas participações  políticas  no Brasil pós era Vargas. 

Destarte, o conservador brasileiro é um ente não  político e vive apenas voltado para os seus interesses. Porém, como já foi exposto aqui nos últimos tempo, a direita reagiu. Entretanto, pela ausência de princípios norteadores, o que se vê é o ressurgimento de um movimento altamente fragmentado e mais uma vez alimentado pelos interesses pessoais sem base ideológica que o sustente. Portanto, a nova direita brasileira precisa revisitar a sua parca história, estudar os princípios do conservadorismo e atuar como elemento político nas esferas estatais, interagindo nas mudanças sociais com vigor.

Assim, após a exposição de um cenário não muito animador sobre o conservadorismo no Brasil, o caminho para mudar esse cenário e estudar os princípios. Desta maneira, a recomendação é iniciar os estudos por aquele que foi um dos maiores defensores do conservadorismo, o americano Russell Kirk. Dentre as suas obras destacamos Breve Manual do Conservadorismo, estudo obrigatório para quem deseja entender o conservadorismo. Nesta obra, Russell Kirk sintetiza as suas reflexões nos temas mais importantes da sociedade tais como religião, família, comunidade, propriedades, educação, governo, em suma, tudo aquilo que na visão do conservador lhe é tão importante. Russell Kirk se reporta sempre à sociedade americana e ao seu estilo de vida, pois tem nos ideais dos Pais fundadores da nação americana a referência sob as quais nasceu o conservadorismo americano. Porém, a obra é de abrangência global, uma vez que sua base teórica  abarca aquilo que nas origens da humanidade representa a preservação do próprio ser humano.

Todo  ato de consciência é privado, individual, explica Russell Kirk. A consciência não pode ser coletiva porque é algo inerente ao indivíduo. Quando refletimos sobre algo há por trás a nossa consciência que nos indica o que é certo e o que é errado. Como acentua Russell Kirk, por “consciência social” o radical deixa implícita a crença de que o indivíduo deve se sentir culpado por ser de alguma forma superior — e mais, que de alguma forma uma justiça abstrata dita à humanidade o direito e o dever de manter todos num só patamar imóvel de igualdade

Moralmente sabemos como devemos agir graças a este sentimento que nos dita a direção a ser tomada. Se a direção é errada entra a moralidade nos fazendo refletir sobre nossos atos. Neste sentido, Russell Kirk nos mostra que quando o coletivismo se torna o imperativo moral para as ações do indivíduo,  transferimos para outro, neste caso o Estado, a responsabilidade dos nossos atos em troca de um falso sentimento de segurança, tornando-nos servis e obedientes ao sistema. Portanto, para Russell Kirk, a consciência é de domínio particular e afirma que  não existe a tal “consciência pública” ou um “Estado de consciência”. Portanto, ele acredita que “a consciência é simplesmente consciência”. “Ela não é ”social  ou ”anti-social ”. Ela é o senso de certo e de justiça que ensina o ser humano como pessoa moral a conviver com outras pessoas morais. Por isso Russell Kirk defende que a sociedade será boa quando tiver homens e mulheres governados pela consciência, por um forte senso moral de certo e errado, pelas convicções inatas de honra e justiça, seja qual for seu maquinário político. Mas a consciência a que Russell Kirk se refere não é a coletiva. Ele se refere à consciência humana individual que confere ao indivíduo que se encontra na posição de poder, a capacidade de usar o poder com responsabilidade e prudência e tendo como referência o indivíduo e seus anseios por liberdade, direitos e garantias.

Portanto, a essência do conservadorismo está na reflexão rigorosa extraída da observação dos fatos sociais aliada ao sentimento moral de convivência, felicidade, união e defesa dos seus  princípios, como fez o irlandês Edmund Burke (1729-1791) ao fundar as bases política e filosófica do pensamento conservador. Com efeito, a essência do conservadorismo foi construída como base nas  instituições que circundam a sociedade humana. Por isso, observa Russell Kirk, que instintivamente o homem é um conservador. Se assim não o fosse ele não teria evoluído pois ao não preservar aquilo que era importante para a sua sobrevivência o homem estaria condenado a sempre voltar ao começo, uma vez que o que foi construído seria destruído sem nem mesmo aproveitar as experiência históricas que levou a sociedade até àquele ponto. 

Entretanto, preservar por um instinto natural não faz o conservador. Deveras, Russell Kirk esclarece que “o conservadorismo instintivo deve ser reforçado pelo conservadorismo pensado e imaginativo. Este é um importante axioma para reflexão pois sendo o ato de conservar inerente à condição humana  faz-se necessário que se construa o pensamento conservador sobre base histórica e filosófica pois disso depende a sua sobrevivência e posteridade. Com efeito, o estudo profundo dos seus preceitos levará a construção de elementos teóricos capazes de edificar em volta dos ideais conservadores uma nuvem de argumentos sólidos e convincentes.

Russell Kirk também explana suas ideias sobre o conservador e a individualidade. Neste capítulo, ele explica os equívocos e distorções causados pelos socialistas ao propagar que o conservador é um individualista insensível, reacionário, retrógrado, contra o progresso e preso ao passado. O autor lembra o quanto é errônea a ideia de que o indivíduo é inimigo do coletivo. Ideia absurda de quem a apregoa, pois é sabido que não é possível uma coletividade sem indivíduo. A defesa do conservador a favor do indivíduo é um fato por este  entender que é valorizando-se a sua própria essência como pessoa, assim como respeitando a do outro, é que o conservador, ao fazer bem para si estará contribuindo com a felicidade de muitos, pois movido por um sentimento de pertencimento a comunidade humana o homem de bem deseja que todos prosperem e sente-se feliz e recompensado em compartilhar o produto da vitória.

Russell Kirk assevera que o conservador não é individualista no sentido egoísta em que os opositores tentam passar para a sociedade. Outrossim, defende o primado da liberdade individual pois entende que não há coletivo humano sem as suas células, a saber: os indivíduos. Russell Kirk acredita que o indivíduo é o elemento mais importante da sociedade. Portanto, cabe ao governo proteger o indivíduo com ordem e justiça criando as condições necessárias para o seu pleno desenvolvimento sem interferir na sua liberdade. Sendo o indivíduo a menor e nem por isso a menos importante parte do todo social, sem o qual a sociedade humana não existiria, aquilo que for bom para o indivíduo será  também, na maioria dos casos, para a coletividade. Ademais, esclarece Russel Kirk que o conservador, porém, é um individualista no sentido de acreditar na primazia do indivíduo, no direito que a pessoa humana tem de ser ela mesma e conclui o conservador é igualmente contra o “individualismo” como ideologia política radical, e contrário aos sistemas políticos que tornam o indivíduo um mero servo do Estado“.

Assim, o indivíduo, a religião, a educação, a família e a propriedade são temas tratados por Russell Kirk em Breve Manual do Conservadorismo. Essas categorias são as bases sobre as quais o conservador constrói e extrai os princípios norteadores do conservadorismo. Desse modo, os princípios conservadores declaram que o indivíduo é o mais importante elemento para o conservador pois reside no princípio da individualidade o ponto de partida para a existência da humanidade. Logo, declara Russell Kirk: O conservador sempre pensa primeiro no ser humano individual. O que é ruim para indivíduos é ruim para a sociedade.

A família é a segunda coisa que mais importa na vida do conservador. Russell Kirk mostra que é sob a influência  da família que o caráter do indivíduo se desenvolve. Mas uma vez o sentido de pertencimento se faz presente para quem tem na família o alicerce sobre o qual construiu a sua vida. A defesa da família como o elemento basilar formador da sociedade humana não é nova e muitas pessoas dedicaram parte da suas vidas na defesa da família, sobretudo aquelas pessoas cuja família é orientada religiosamente. 

Décadas se passaram e as coisas não mudaram, pelo contrário, só piorou. Desde então o que se viu foi o enfraquecimento da instituição familiar a tal ponto que filhos agridem os pais abertamente e muitas vezes com apoio da justiça legal, como é o caso no Brasil com leis e instituições  que confrontam a autoridade dos pais frente a qualquer queixa dos filhos. Este questionável comportamento estatal é o reflexo da educação moderna cuja dinâmica visa que os pais percam o controle para os filhos e os passe para o Estado. O sistema educacional visa tão-somente doutrinar, é o que nos mostra Russell Kirk: “A pessoa aprende a amar com a família, e o amor se esvai quando a vida em família é comprometida”. Logo, na família em que o imperativo  é o amor, a violência  não encontra terreno para  germinar. A convivência baseada na Fé e no amor a Deus é o melhor tonificante familiar. Neste sentido, é absolutamente desnecessária a interferência do Estado na educação.

A educação e a religião têm um significado peculiar na vida do conservador. O conservador sabe que essas duas categorias, juntas com o ambiente familiar saudável são o alicerce na formação do caráter. Desta maneira, o conservador é um religioso formado em corpo e alma através da educação voltada para o aprimoramento das faculdades intelectuais, enquanto na religião encontra os meios para o crescimento espiritual e aproximação com Deus. Russell Kirk destaca a importância que Edmund Burke dava à religião ao transcrever uma das suas asserções. Para ele: Sabemos e sentimos internamente que a religião é a base da sociedade civilizada, e a fonte de todo bem e todo conforto e adiciona o conservador acredita que o temor de Deus é o princípio da sabedoria.

Russell Kirk faz no seu Breve Manual do Conservadorismo severas críticas  aos sistemas  educacionais em que o Estado assume a responsabilidade de “educar” as crianças e os jovens adultos, pois sabe que a doutrinação das mentes em fase de aprendizagem é o único  intuito do Estado. A isso Russell Kirk adverte: Se tivessem a oportunidade, alguns deles diriam que “a religião da democracia” deveria substituir as convicções religiosas nas quais quase todas as escolas tiveram origem. Eles não querem intelectos reverentes ou inquisitivos, mas mentes submissas e uniformes. O autor não  critica a escola, mas os métodos educacionais  impostos pelo Estado conforme se lê nas suas palavras: Não, a escola é muito mais importante: trata-se de uma instituição que tem por objetivo transmitir disciplinas intelectuais e morais sólidas à nova geração. O que Russell Kirk refuta é o devaneio dos progressistas sociais ao utilizar a máquina estatal, sob o aforismo de que a educação é aquela que transforma o indivíduo, para na realidade incutir ideias unilaterais nas jovens cabeças e colher os frutos posteriormente. Por isso que Russell Kirk assevera: Na opinião do radical, a escola existe para trabalhar em prol da “sociedade”, e não primariamente em favor do indivíduo, e conclui, Assim, o conservador acredita que precisamos falar menos sobre “dinâmicas de grupo” e “reconstrução social” em nossas escolas, e fazer mais para restaurar as velhas e indispensáveis disciplinas como leitura, escrita, matemática, ciências, literatura imaginativa e história.

Por último, a propriedade privada, o maior objeto de cobiça do Estado , sobretudo  nos governos  totalitários, é fruto do trabalho e da conquista individual. A propriedade privada é a recompensa pelas exaustivas horas de trabalho com o intuito de construir um patrimônio com garantias de uma vida plena e feliz. Portanto, aquilo que o indivíduo adquire sob o suor do seu trabalho lhe pertence por direito e ninguém pode usurpar. Neste sentido, Russell Kirk se opõe veementemente à errônea  ideia marxista acerca da acumulação de capital. 

Do mesmo modo, como combatente à ideia de intervenção estatal na propriedade privada ele esclarece que homens e mulheres têm três direitos fundamentais: o direito à vida, o direito à liberdade e o direito à propriedade privada. Sendo o direito à propriedade privada o único  meio de se formar uma família  e prosperar conforme  esclarece: mas se não existisse propriedade privada, não seríamos todos ricos: ao invés disso, seríamos todos pobres. De fato, continuando, a propriedade privada é, em alguma medida, um fim em si mesma, mas também um meio para a cultura e para a liberdade. Assim, para Russell Kirk, a verdadeira  finalidade da propriedade é na visão cristã, a propriedade é outorgada a indivíduos para que possam servir a Deus e o próximo dispondo a propriedade para bom uso.

Ser conservador é mais que se assumir como um, porque está em alta sê-lo. Do mesmo modo, não se pode achar que se é conservador apenas por ter algumas atitudes que são facilmente confundidas com reacionário ou imobilista pelos opositores do pensamento conservador. Ensina Russell Kirk na sua pequena obra, mas de significado imenso para quem deseja conhecer as ideias conservadoras, que o conservador precisa estar preparado para lidar com os radicais, conforme ele chama assim os socialistas, racistas e comunistas, e suas retóricas. Somente o preparo através dos estudos  rigorosos, observando os princípios basilares ensinado pelas grandes personalidades do conservadorismo é capaz de perpetuar e fortalecer a comunidade de conservadores.  Neste sentido, a comunidade deve se inspirar na estratégia dos radicais: entrar nas instituições públicas, se inserir na imprensa, produzir uma boa literatura e ser militante. 

Pois, é desta maneira que as ideias conservadoras fincarão raízes profundas no solo fértil da sociedade e darão frutos que farão frente opositora ao pensamento socialista radical. João Pereira Coutinho em seu livro As Ideias Conservadoras postula “todos nós somos conservadores pelo menos no que se refere à família, aos amores e livros”. O consagrado autor está  corretíssimo, porém, precisamos querer muito mais que navegar nas ondas do momento se quisermos que as palavras do conservador ecoem.

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O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

Na visão do psicólogo e fundador da terceira escola vienense de psicoterapia (logoterapia e análise existencial) Viktor Frankl(1905-1997) cujas piores experiências de vida as conheceu como prisioneiro nos campos de concentração nazista utilizou-se dessas experiências para escrever o livro O Sofrimento de uma vida sem sentido e que mostra que é mais que uma questão de escolhas individuais. Nessa obra, Frankl examina acerca do sofrimento humano e do significado e sentido para a vida. Destarte, o psiquiatra busca respostas para o sofrimento e sugere  caminhos para encontrar razões para viver, ao mesmo tempo que critica a relação médico e paciente dentro da psicologia e da psicanálise. Mais que isso, o livro O Sofrimento de uma vida sem sentido mostra que Deus é a melhor forma de encontrar um sentido para a vida.

Encontrar sentido para a vida tem sido um dos maiores desafios da vida moderna. Corremos feito loucos em direção a lugar nenhum. Disfarçamos a nossa angústia sem nos dar conta que cada vez mais somos tragados por ela. Desde os primórdios da humanidade nos perguntamos: quem somos? qual o sentido da vida? Os filósofos Leandro Karnal e Mário Sérgio Cortella no livro Viver, a que se Destina? explicam que o sentido da vida pode estar nas escolhas que fazemos. Sempre que fazemos escolhas abrimos mão de algo. Para os ilustres filósofos: “Ter que assumir as próprias escolhas nos exige lembrar que toda escolha é uma abdicação. Quando escolhemos algo, estamos deixando de lado todo o restante. Por isso, nenhuma escolha, quando feita com inteligência, é isenta de sofrimento”. Então o sentido para a vida passa antes pelas nossas escolhas? 

É  o que parecem sugerir os dois filósofos. A sociedade  moderna nos cobra a responsabilidade  de criar o nosso próprio destino. Para Karnal e Cortella a sociedade nos impõe pesado fardo ao esperar que o indivíduo construa a sua própria realidade. Ao criar esta expectativa em relação ao indivíduo sem que este tenha o esperado sucesso leva-o a profundas frustrações, deprimindo-o. Eles esclarecem que “todo o moderno conceito de empreendedorismo, toda a noção liberal contemporânea de que o indivíduo constrói sua realidade a partir do seu esforço, enfim toda a base da discussão de meritocracia está na crença racional iluminista de que o indivíduo será a capaz de mudar o seu destino assim que deixar de ser preguiçoso ou tomar consciência”.

Para Frankl cada época tem a sua neurose e para cada uma é necessário a existência de uma terapia específica, pois as expectativas humanas estão sempre à frente da realidade que as circundam. Frankl sustenta que, diferente do passado da humanidade, não sofremos mais com as frustrações  sexuais, somos sim, tomados por um profundo sentimento de frustração existencial, ou como o próprio esclarece: “um sentimento abismal de falta de sentido”. Este vazio existencial, segundo Frankl, ocorre pelo sentimento de vazio interior causado pelo conformismo ou pelo totalitarismo: este por só fazer o que os outros querem, aquele por só fazer aquilo que os outros fazem, pois afirma Frankl, “o homem de hoje não tem mais a tradição que lhe diga o que deve fazer, daí decorre o sentimento de vazio, pois não sabe o que fazer”. Essa observação de Frankl é  muito interessante porque tradição é raiz, história e continuidade. Quando ele considera a ausência de tradição como um complicador na vida do indivíduo  mostra que há um sério  fator de desestabilização interior. Logo, ele entende que o sentido para a vida precisa de um passado que dê significado à vida.

Frankl argumenta que este comportamento deriva de conflitos de consciência, de colisões de valores e de uma frustração existencial. Este tipo de estado psicológico Frankl denomina “neurose noogênica”. Segundo o psicólogo, a neurose noogênica é um profundo  sentimento de frustração que advém, muitas vezes, dos prazeres e diversões que escondem a dor da existência vazia e sem sentido na tentativa  de encontrar razões para viver, dar significado à vida. 

Frankl, em vista disso, recomenda uma humanização da psicoterapia. Para isto é  necessário rever aquilo que ele chama de “psicologismo dinâmico” consumado pelos seus fundadores Freud, Adler e Jung, respectivamente, psicanálise, psicologia individual e psicologia analítica que criam um distanciamento entre médico e paciente. Frankl esclarece que “o que conta muito mais é a relação humana entre o médico e o paciente”, e sustenta que o sonho da possibilidade de se explicar a vida psíquica com base em mecanismos e de um tratamento dos sofrimentos anímicos com ajuda do tecnicismo chegou ao fim pois a relação médico paciente deve estar cada vez mais próxima, mais humanizada. Em outros termos, o autor acredita que a busca por uma resposta aos porquês dos nossos sofrimentos não encontra eco nos mecanismos da técnica.

Essas investigações no ramo da psicologia inspiraram o autor a criar o tratamento chamado logoterapia que consiste na abordagem psicoterapeuta que se fundamenta empiricamente no sentido da vida. A sua base filosófica e científica é extraída da análise existencial que considera uma vida auto-realizável e humana, segundo definição na internet. A logoterapia nasceu a partir da necessidade, vista pelo seu autor, sobre uma melhor compreensão dos motivos que levam as pessoas a desenvolverem as neuroses. 

Ele identificou que a maior parte dos pacientes com estes sintomas pode se livrar da doença em pouco tempo, pois perceberá que a verdadeira causa para tanto sofrimento reside  basicamente na falta de sentido da vida. O que ele propõe é  que o médico tenha a percepção da realidade do paciente ao expor as origens das suas neuroses e mostrar que está no próprio paciente a fórmula para livrá-lo da doença.

Embora muito se transmita pelo livro, fica ainda a pergunta que não há uma resposta conclusiva. Qual o propósito da vida? A que se destina viver? No passado as respostas a estas questões variavam muito por causa das influências culturais e religiosas. Mas, na maioria das respostas encontrar-se-ia um sentido, um significado para a vida. Da antiguidade à Idade Média o propósito maior repousava na crença de uma vida paradisíaca no além vida. Para que o paraíso fosse possível era necessário obedecer os preceitos prescritos por forças transcendentais. 

Um fato incontestável é que nesses períodos viver não era fácil. A vida conspirava para a sobrevivência humana: guerras, doenças, catástrofes naturais, escravidão e barbáries institucionalizadas tornavam a vida insuportável. No entanto, havia razões para viver em meio a tantas cruezas humanas e incertezas da natureza. Estas razões estavam sempre repousadas numa força superior, seja ela encontrada entre os mitos ou no Deus de Abraão.

Saímos da “idade das trevas” e adentramos na era moderna com suas visões iluministas: era da revelação do potencial humano. O homem era a medida de todas as coisas e não bastava questionar e domar as forças da natureza, era necessário compreender os motivos da existência de Deus, questioná-Lo, colocá-Lo no tribunal da arrogância humana. E assim foi feito. Consequentemente, na medida em que nos tornamos mais íntimos das ciências, nos afastamos de Deus e da crença num propósito transcendente para a vida. 

Entramos, em seguida, na era da tecnologia e das ideologias. Os séculos XX e XXI representam a supremacia humana sobre todos as coisas. O homem acredita que está mais  próximo de Deus e que é seu concorrente e não mais o ser feito à sua imagem e semelhança, O “homem ciência” torna-se o próprio deus criador por compreender e transformar a natureza, por ser capaz de criar vida em laboratórios. As revoluções científicas e tecnológicas deram à humanidade um “sentido para a vida”: a busca hedonista pelo prazer máximo imediato. Tecnologia e consumo assumem ares divinos. A vida torna-se um espelho que reflete as distorções da psique humana. Destarte, passamos a ser a nossa maior ameaça e conspiramos contra a vida por não encontrar sentido algum que represente a natureza do novo ser humano.

Encontrar um sentido para a existência humana, em toda história da humanidade, nunca esteve tão distante quanto no presente século.  Com todos os problemas inerentes à sociedade moderna,  vivemos mais e melhor, somos mais livres, mais brilhantes. Mas, jamais experimentamos um vazio tão grande quanto vivemos hoje. Somos infelizes apesar de tudo.

Assim, encontrar um sentido para vida é um dos maiores desafios para os humanos modernos. É preciso um grande conhecimento de si para aceitar-se. Há um abismo grande entre o que somos e oque queremos ser. Na entrada do Delfos está escrito “conhece-te a ti primeiro”. Talvez aqui resida a verdadeira causa da angústia humana: não sabemos quem somos, e se não sabemos quem somos, qual é  o sentido da vida? 

A vida de cada um de nós é um poço de águas paradas, cristalina e reflete a nossa imagem que na maioria das vezes não é a nossa real imagem interior. Ali o que vemos é  um reflexo do que achamos que somos. A água límpida não expressa uma pureza de espírito. Quem tem coragem para mergulhar a mão no poço da sua vida e agitar a “límpida” água? Poucos tem. Aqueles que fazem isso, invariavelmente se decepcionam ao perceber que há muitas impurezas ocultas naquela água parada, límpida. Encontrar um sentido para a vida é  antes de tudo conhecer a si próprios como ensinavam os oráculos de Delfos. A razão para viver, conforme ensina Frankl, está numa aproximação com Deus, no entregar-se ao Criador. A técnica não é capaz de compreender a complexa natureza humana. A fé sempre regará o terreno dos fatos. É o que aprendemos em O Sofrimento de uma vida sem sentido.

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