OS LIMITES DA AÇÃO DO ESTADO

A Covid-19 e as ações do Governo

A pandemia da Covid-19 (infecção pelo vírus Coronavírus – Sars-CoV-2) está dizimando milhões de pessoas em todo o mundo. Absolutamente, isto faz deste fato o maior evento do século XXI com profundo impacto na economia mundial. A infecção pelo Coronavírus (Covid-19) começou  em novembro de 2019 em Wuhan, na China, e se estende até o presente momento, portanto são 18 meses que o mundo trava uma terrível batalha contra um inimigo minúsculo e poderoso. Neste contexto faremos uma investigação acerca dos limites da ação dos governos na obra Os Limites da Ação do Estado de Wilhelm von Humboldt.

Por conseguinte, além do dos imensos problemas econômicos, em âmbitos gerais, fala-se em mudanças na vida política, social e econômica em escalas globais. Há  muitos nomes para o fenômeno: “novo reset”, “novo normal”… Dito de outra forma, se acredita que o mundo não será mais o mesmo após a pandemia da Covid-19.

Alarmismo à parte, em alguns segmentos da sociedade, a Covid-19 veio para derrubar certos paradigmas. Neste sentido, no âmbito da política, destaca-se a questão da intervenção do governo na economia. Como medida de contenção do avanço do Coronavírus, os governos tiveram que, primeiro, injetar bilhões de dólares para atender a crescente demanda na área de saúde, e segundo, fechar importantes setores da economia como o de comércio e serviços, o chamado lockdown. O resultado é que estas duas grandes medidas afundaram o mundo numa crise financeira sem precedentes. Contudo, o que aconteceria com as empresas e as pessoas, sobretudo para a faixa da população que vive na pobreza e tem o mercado informal como o único meio de sobrevivência se não tivessem auxílio do governo?

O lockdown obrigatório fechou  o comércio, paralisou a indústria  e parou os serviços. Milhares de médias e pequenas empresas fecharam as portas e outras milhões acumulam prejuízos altíssimos. Os governos por sua vez, diante deste imenso  desafio saíram em socorro a população e as empresas através de auxílios financeiros e benefícios fiscais, assim como movimentaram bilhões de dólares se estruturando para combate à disseminação do vírus e imunização da população.  Assim sendo quem em em sã consciência faria critica a intervenção do Estado em situações como esta?

Com efeito, seria quase um consenso geral que em situação semelhante é necessário intervir pois as micros e as médias empresas não dispõem de reservas para tanto tempo de economia parada. Do mesmo modo, nestas condições, a crise econômica mundial não deve encontrar barreiras ideológicas ou teóricas a respeito da intervenção do Estado na economia. Fato é que sem o auxílio dos governos o impacto negativo na economia causado pelo Coronavírus seria muito maior e de consequências imprevisíveis.  

Sendo assim este é o momento propício para uma investigação teórica  acerca dos limites da ação do Estado. O cenário atual nos fornece elementos que nos permitem uma análise mais acurada sobre os fenômenos econômicos por parte dos governos, como disponibilidade de recursos financeiros; desenvolvimento de vacinas; logísticas de distribuição da vacina e, principalmente, a criação de um ambiente para a corrupção política.  Neste aspecto, convém lembrar certas atitudes de governadores e prefeitos frente ao combate a Covid-19 no Brasil. Em suma, perguntamos: diante da crise na saúde e na economia causada pela pandemia do coronavírus qual é o limite da ação do Estado? Para refletir sobre os limites da ação do Estado faremos uma análise sobre a obra Os Limites da Ação do Estado do linguista e filósofo alemão Wilhelm von Humboldt (1767―1835), pois o pensamento de Humboldt sobre a intervenção do governo não se restringe a economia, mas a uma ampla reflexão teórica sobre papel do Estado.

De Mises a Humboldt

Ludwig von Mises(1881―1973), um dos maiores nomes do liberalismo econômico do século XX, afirmava em seu magistral tratado As Seis Lições que o Estado tem o dever de proteger as pessoas dentro do país contra investidas violentas e fraudulentas de bandidos, ou seja, neste princípio Mises mostra que num sistema de economia de mercado há situações em que o governo precisa intervir. Do mesmo modo, ele esclarece que essa deve ser a atitude do governo em tempo de guerra e calamidades públicas (como a pandemia da Covid-19). Aqui, o pensamento do renomado autor parece coadunar com os fatos. Se o governo não interferir numa situação pandêmica, por exemplo, haverá o caos econômico e por conseguinte altíssima instabilidade social e tudo o mais que pode decorrer de possíveis recessões econômicas. 

Vale ressaltar que Mises é um crítico do intervencionismo (ver o seu livro Uma Crítica ao Intervencionismo). Mises argumenta que a gestão da economia e o controle da vida das pessoas não devem ser atribuições do Governo. Para Mises o governo deve ser um fomentador e nunca um controlador da economia. Ele deve criar as condições para estimular a economia e nunca usar o poder político para intervir nos mecanismos naturais da economia de mercado, ou pior, impor uma economia planificada socialista. Ao agir sem freios o governo extrapola os seus deveres e obrigações. Para Mises o intervencionismo é o caminho mais curto para o totalitarismo conforme se viu no início do século XX entre os países do bloco socialistas.

Já para Murray Rothbard(1926―1995), outro famoso economista da Escola Austríaca,  em seu livro Anatomia do Estado, o Estado ideal é aquele que deixa que o mercado econômico siga as suas próprias regras sem nenhuma interferência do governo, pois sempre que houver crises econômicas o próprio sistema se reorganiza e pune a ganância e restabelece o equilíbrio.

Entretanto, diferente de Mises, Rothbard acreditava que o Estado é uma instituição desnecessária em todos os aspectos imagináveis. Escreve Rothbard em sua obra aqui citada: o Estado nunca foi criado por um contrato social; ele sempre nasceu da conquista e da exploração. Para Rothbard a relação entre o Estado e o indivíduo sempre foi o primeiro explorando o segundo, portanto, o Contrato Social é unilateral e beneficia apenas o próprio Estado. De certa forma, Mises e Rothbard defendem menos Estado e mais liberdade econômica, sendo que este último, de maneira mais radical, propõe o Estado zero, ou seja, ausência total da abstração chamada Estado. 

No outro lado do espectro das teorias econômica e totalmente a favor do intervencionismo temos os princípios de John Maynard Keynes(1883―1946) que foram capazes de (uma vez aplicados após a grande depressão econômica de 1929) restaurar positivamente a economia dos EUA comprovando que a sua Escola estava certa. Na época, este fato econômico catapultou Keynes ao status de estrela da economia. Keynes defendia o intervencionismo como o meio mais eficaz para acelerar o crescimento econômico e melhorar as condições de vida da população — e conseguiu isso durante décadas, rivalizando diretamente com a Escola Austríaca. Entre altos e baixos na disputa pela hegemonia das teorias econômicas, se hoje vivo, Keynes estaria mais uma vez sendo reverenciado.

Porém há outros estudiosos que se lançaram sobre as questões dos limites da ação do Estado com uma visão mais ampla sobre as ações do Estado na vida privada. Uma dessas personalidades foi Wilhelm von Humboldt em seus ensaios intitulado Os Limites da Ação do Estado.

As investigações de Humboldt acerca dos limites de atuação do Estado.

Como reflexão vale citar a frase do Bastiat quando diz “o Estado é a grande ficção  através da qual todo  mundo se esforça para viver à custa de todo mundo” pois ela tem o tom e cor daquilo que o Humboldt defende. Em 1852 Wilhelm von Humboldt escreveu Os Limites da Ação do Estado, um tratado sobre os limites de ação do Estado e suas prerrogativas. Em suas reflexões Humboldt vai investigar sobre dois conceitos antagônicos: a ideia de bem-estar positivo do cidadão versus o bem-estar negativo do cidadão.  O primeiro caso pode ser entendido como tudo aquilo que o Estado faz pelo cidadão que parece lhe fazer bem, enquanto o segundo caso refere-se a certeza que a intervenção do governo no privado é sempre nociva. Diante disso, ele analisa liberdade individual, segurança nacional, educação nacional, religião, moralidade, leis entre outros temas da sociedade da sua época.

Em sua obra Humboldt afirma que “qualquer interferência do Estado em assuntos particulares em que ocorra qualquer violência aos direitos individuais deveria ser absolutamente condenada”. Para o consagrado autor a liberdade e respeito aos direitos individuais são princípios básicos que devem nortear um Contrato Social. Isto porque para Humboldt o maior objetivo do Estado é a felicidade do seu povo. Portanto, não se trata de protecionismo, mas de criar as condições para que o povo tenha condições de viver de forma justa. Neste sentido, felicidade aqui é identificada no seu significado mais amplo, em outras palavras, aquilo que os alemães chamam de volksgeist (espírito do povo) ― termo cunhado pelo grande jurista alemão Savigny(1779―1861) que significa restauração dos direitos do povo através de uma consciência cultural e histórica comum. 

Humboldt chega a afirmar em sua obra que “um Estado possui duas metas em vista: ele procura ou promove a felicidade ou simplesmente previne os males; no último caso, os males que advêm de causas naturais ou aqueles que derivam do próprio homem. Veja que na segunda meta dentro do pensamento de Humboldt os males de causas naturais eram vistos pelo grande linguístico como uma obrigação do governo. Sendo assim Humboldt é taxativo ao inferir que “à  medida que cada cidadão se entrega à ajuda diligente do Estado, ele estará igualmente abandonando a esse último o destino de seus compatriotas

Consequentemente, quando o Estado assim age ele cria uma ruptura na relação  entre o Estado e o indivíduo de tal maneira que o indivíduo não passa apenas parte da sua necessidade de segurança para o Estado, mas toda a responsabilidade que deveria caber ao cidadão e não ao Estado, criando uma espécie de Servidão conforme explicita Mises (O Caminho da Servidão) e Étienne de La Boétie (1530-1563) (Discurso da Servidão Voluntária). Neste âmbito, a própria família do indivíduo passa a ser responsabilidade do Estado com total anuência desta permitindo que o Estado controle a família e a propriedade destruindo a liberdade do indivíduo. Humboldt descreve em sua obra que “sempre que o cidadão se torna indiferente aos seus semelhantes, assim atuará o homem em relação à sua mulher, e o de família em relação aos membros do seu seu lar”. De fato, vemos isso nos dias atuais, sobretudo nos países  subdesenvolvidos, em que as pessoas em todas as classes sociais “vendem sua liberdade” em troca de benefícios que os tornam mais servis ao Estado. 

Parâmetros para a Educação Nacional segundo Humboldt

Acreditamos que quando o Estado tenta subjugar o seu povo, espoliando-o, há duas formas altamente eficazes de realizar tal empresa: ou deixando o povo na absoluta ignorância ou tomando o controle da educação pelos mais diversos meios. No primeiro caso, movido pelo sentimento de justiça, o povo se rebela pois só há um culpado por tal condição de penúria em que o povo se encontra: o Estado ― este não tendo a quem culpar, pois é senhor de todas as “verdades”, está  diretamente submetido ao julgamento do povo. 

Neste caso, as evidências da exploração são tão óbvias que o menos instruídos do cidadão  se insurge contra o governo. No segundo caso, o Estado se utiliza de sutis estratégias para trabalhar ainda na infância a mente daqueles que serão servis ao Estado para o resto das suas vidas. Em outras palavras, através da educação o governo não só assume toda a responsabilidade em educar as crianças e jovens adultos no lugar da família como busca aplicar métodos educacionais criados para preparar o indivíduo que não terá outra alternativa que não seja aceitar o sistema que lhe for imposto, vez que ele não terá meios para por si próprio julgar a realidade que o cerca. Este indivíduo viverá sempre a ilusão de que tudo o que o governo faz visa o benefício dele e não  seu contrário. Portanto, a sua visão do mundo será aquela determinada pelo Estado.

Assim, nesta condição transforma-se toda a sociedade sem a consciência desta do que de fato está acontecendo ao seu redor. Neste sentido, quando o governo assume toda a responsabilidade na educação da população ele está tirando a liberdade de pensamento do indivíduo pois não conhecerá outra que aquela imposta pelo Estado. Vejamos o que pensa Humboldt a respeito.

Neste tema, como se vê em seu postulado mais abaixo, Humboldt não é impositivo no que tange o controle estatal da educação. Para Humboldt, a única explicação para a necessidade do controle estatal da educação reside na necessidade que o governo, sob seus pretextos, busca dar ao indivíduo uma “educação de caráter   cívico: “se a educação tiver por objetivo tão somente formar as faculdades do homem, sem a preocupação de investir os homens de qualquer caráter cívico específico, não há razão para a interferência do Estado”. Seria então justificável a interferência do governo na Educação Nacional quando o objetivo fosse a formação do cidadão? Humboldt não responde a esta questão e prefere mergulhar na investigação acerca  da liberdade de pensamento em contraponto à liberdade religiosa como veremos a seguir.

Religião, o governo deve interferir?

Embora boa parte do mundo a laicidade seja uma regra, exceção para países alguns do Oriente Médio, na prática não é  bem assim. Se por um lado o Estado não  interfere mais em assuntos religiosos como o fazia no passado (parafraseando Bastiat ― é  o que se vê) a verdade é que há  muito tempo que a religião é  desconstruída para que no seu lugar nasça uma “religião mundial” onde o deus dessa religião é o Estado (o que não se vê ― segundo Bastiat).

  O Estado não deve impor a educação religiosa ou tentar ser ordenador da vida espiritual da sociedade. Humboldt acredita que “tudo que diz respeito à religião existe para além da esfera de atividade do Estado e de que a escolha de predicadores, assim como tudo aquilo que se relacione com o culto religioso em geral, deve ser deixado livre do juízo da comunidade a que se referem, sem qualquer supervisão especial da parte do Estado”. 

Para o renomado linguista, assim como a educação, o indivíduo deve ser livre na escolha religiosa (embora percebe-se a sua tendência a direcionar suas reflexões para a religião cristã). Desta forma, não cabe ao Estado intromissão na vida religiosa do povo, embora, reconheça o autor, o quanto é tentador para o Estado querer fazê-lo. Isto porque através da religião o Estado pode impor as suas diretrizes ideológicas. Entretanto, não podendo ser uma teocracia ou algo semelhante, o Estado tenta desconstruir a religião, sobretudo a judaico-cristã. 

Embora Humboldt venha afirmar que entre religião e moralidade não haja relação de dependência (ele acredita que religiosidade verdadeira nasce na estrutura interna da sensibilidade humana e sendo assim ela é uma questão moral porém independente desta)  os inimigos da religião sabem que não podendo atacar a fé resta-lhe desconstruir a religião e seus dogmas a partir da inserção de elementos subversivos e revolucionários no seio da igreja a fim de reconstruí-la   numa nova religião, aquela chamado Estado. É  na moralidade da sociedade que o Estado pode ter acesso a desconstrução da religião conforme esclarece Humboldt: “Meu único objetivo foi o de mostrar que a moralidade humana, até mesmo a mais elevada e substancial, não é de modo algum dependente da religião“.

Conclusão 

Diante do que aqui foi exposto podemos  concluir que, Humboldt, assim como todos aqueles que pensaram o Estado como uma instituição necessária e pouco intervencionista compreendem a liberdade individual como a máxima  representação da felicidade do próprio indivíduo; postulam que a propriedade privada é  fruto do trabalho incansável daqueles que querem uma nação economicamente forte; argumentam que quando o indivíduo trabalha para si o faz para toda a coletividade e, portanto, não existindo coletividade sem indivíduos não há , por conseguinte, sociedade sem indivíduos. Muitos homens de saberes entenderam que o papel do Estado não é  ser um provedor de todas as necessidades do indivíduo, mas que cabe ao Estado criar as condições para o pleno crescimento  econômico baseado na justiça e na liberdade, o verdadeiro caminho para a felicidade dos justos. Logo, um governo justo taxará pouco e, quando o fizer, será pautada no respeito aos direitos dos cidadão, devolvendo para o povo cada  centavo arrecadado sob a forma de benefícios úteis, demonstrando assim um profundo respeito para com seus governados. 

Infelizmente não é  o que se vê atualmente. Destarte, os limites de Ação do Estado encontram-se,  antes, na consciência dos nossos políticos que tendo tudo para facilitar a vida do indivíduo, dificulta-a através do paternalismo, face obscura do poder político. Quando o povo se torna servil ao Estado em troca das suas migalhas o preço a pagar é alto demais pois, no final, é o indivíduo que perde ao se acostumar a depender do governo para tudo. Por fim, Humboldt conclui postulando o seguinte princípio o qual usamos para encerrar este pequeno texto: “No que diz respeito aos limites da sua atividade, o Estado deve se esforçar  por manter as condições  das coisa tão próximas daquelas prescritas pela verdade e pela teoria justa, e desde que não esteja em oposição as razões da verdadeira necessidade”.

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DOS DELITOS E DAS PENAS

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 1948, destaca a liberdade como um dos mais importantes valores da sociedade humana. Inspirada na Revolução Francesa (1789) e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da mesma época ela é um freio aos excessos cometidos contra os indivíduos diante das distorções das ideias de justiça. A Declaração Universal dos Direitos Humanos tem relação direta com as ideias que Cesare Beccaria (1738-1794) escreveu em sua importante obra Dos Delitos e das Penas. Em suas reflexões Beccaria desferiu duras críticas ao sistema penal da sua época e questionou a sua validade assim como a autoridade dos seus ordenadores.

Ao perguntar: “qual a origem das penas, e qual o fundamento do direito de punir? Quais serão as punições aplicáveis aos diferentes crimes?” Beccaria questiona por quais princípios o homem (entenda-se o Estado) atribui a si o poder de punir aos criminosos uma quantidade imensa de suplício com extrema crueldade, vez que, ao que lhe parece, a justiça é seletiva e serve em maior grau aos interesses de uma minoria poderosa ao passo que condena quem dela precisa a tratamentos desumanos. “Entre os homens reunidos, nota-se a tendência contínua de acumular no menor número os privilégios, o poder e a felicidade, para só deixar à maioria miséria e fraqueza”, afirma Beccaria.

Para Beccaria o suplício e a morte dos condenados não parece um opção útil e indispensável para segurança e ordem da sociedade. Ele não acredita que os tormentos e torturas são instrumentos justos e que estes conduzem aos fins que as leis se propõem. Ele critica veementemente a falta de amadurecimento das penas em função das transformações culturais pelos quais passam as sociedades.

O senso de justiça e humanismo que brotavam da pena de Beccaria clamavam por julgamentos imparciais e penas justas de acordo a gravidade do delito e independente da esfera social a que pertencia o criminoso. Ele criticava o sistema penal da sua época por achar demasiado desumano e burocrático. A burocracia só aumentava o sofrimento do presumido inocente. Beccaria propôs uma reflexão sobre as origens da pena e sob quais direitos pode o homem imputar a pena a outrem. Ele inferiu que o homem cede parte da sua liberdade para o Estado na condição de que este se sujeitará aos rigores legais imputados pelo Estado na garantia da ordem e da prosperidade. Assim, Beccaria ver neste princípio de liberdade o fundamento do direito de punir e argumenta: todo exercício do poder que se afasta dessa base é abuso e não justiça; é um poder de fato e não de direito…” do mesmo modo afirma que “as penas que ultrapassam a necessidade de conservar o depósito da salvação pública são injustas por sua natureza; e tanto mais justa serão quanto mais sagrada e inviolável for a segurança e maior a liberdade que o soberano conserva aos súditos”.

Ao refletir sobre a interpretação das leis, Beccaria defende que o texto da lei deve ser claro e de fácil compreensão, inclusive por aquele sobre o qual a lei se aplica. Para ele, a dificuldade de interpretação da lei é um corolário contributivo para o cometimento das mais atrozes arbitrariedades. Cabe aos doutores da lei tudo fazer para a simplificação dos textos da tão nobre doutrina. Beccaria diz que “o juiz deve fazer um silogismo perfeito..”, e completa “se o juiz for constrangido a fazer um raciocínio a mais, ou se o fizer por conta própria, tudo se torna incerto e obscuro”, a isto ele acrescenta “nada mais perigoso do que o axioma comum de que é preciso consultar o espírito das leis” donde ele conclui que “o espírito de uma lei seria, pois, o resultado da boa ou má lógica de um juiz, de uma digestão fácil ou penosa, da fraqueza do acusado, da violência das paixões do magistrado, de suas relações com ofendido; enfim, de todas as pequenas causas que mudam a aparência e desnaturam o objeto no espírito inconstante do homem”. Neste contexto Beccaria recomenda não confiar na visita ao espírito das leis, dado que ao fim e ao cabo são as imprecisões do caráter humano e possíveis visões distorcidas da realidade fortemente influenciadas por suas percepções é que vão dar o veredicto final.

Devido as suas criticas e ideias contidas em seu livro Dos Delitos e das Penas Beccaria ganhou relevo considerável como principal representante no iluminismo e deu muitas contribuições para a Escola Clássica do Direito Penal. Certo é que Beccaria, mediante seus pensamentos em pró de um sistema penal mais justo e humano, foi um grande humanista da sua época. Com efeito, Seu espírito humanista está enraizado de maneira incontestável nas linhas do seu Dos Delitos e das Penas.

Longe de um consenso entre os seus pares, Beccaria sofreu pesadas criticas a sua obra. Segundo o julgamento dos opositores de Beccaria, Dos Delitos e das Penas é uma obra demasiadamente condescendente com os criminosos, sendo esta um ataque claro e direto ao sistema penal e às instituições. Obviamente os ilustres homens do saber jurídico não compreenderam a revolucionária proposta sugerida por Beccaria para o sistema penal. Por conseguinte, de forma preconceituosa, tacharam Beccaria de louco e irresponsável e a sua obra de um punhado de ideias absurdas. Entretanto, Beccaria argumenta que os ataques desferidos à sua pessoal serão bravamente suportados pois ele busca a força necessária para enfrentar os seus oponentes na certeza de que: “se, ao sustentar os direitos do gênero humano e da verdade invencível, contribuí para salvar da morte atroz algumas das trêmulas vítimas da tirania, ou da ignorância igualmente funesta, as bênçãos e as lágrimas de um único inocente, reconduzido aos sentimentos da alegria e da felicidade, consolar-me-iam do desprezo do resto dos homens”.

Inimigo de qualquer forma de tortura, Beccaria defendia o banimento do vergonhoso expediente e desrespeito à dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da justiça. Para ele, independente do crime, a tortura era uma afronta a esta dignidade. Portanto pregava que a tortura fosse evitada pois quem poderia ser honesto diante da dor e sofrimentos atrozes? A tortura levava inocentes ao cadafalso em um espetáculo de horror e selvageria. Para Beccaria a tortura exponha o preso a tanto sofrimento que normalmente o infeliz, para ser ver livre do sofrimento, a tudo confessava. Para o inocente a tortura o pune duas vezes, vez que não sendo ele culpado já é uma injustiça o cerceamento da sua liberdade, do mesmo modo ele é punido pela segunda vez com o sofrimento físico e psicológico. Tamanha injustiça imputa a responsabilidade para os doutores da lei e sobre aqueles que julgam.

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A GRANDE FOME DE MAO

          O Livro Negro do Comunismo revela em detalhes a contabilidade do maior genocídio de toda a história da humanidade cujos dividendos foram a morte de mais de 100 milhões de pessoas. Uma parcela considerável destas mortes recai sobre os ombros do ditador Mao Tse Tung, consequência direta do Grande Salto Adiante, seu programa de desenvolvimento econômico que pretendia posicionar a China entre as maiores potências ocidentais da época. Estima-se que mais de 45 milhões de chineses morreram de fome entre 1958 e 1962, período em que durou o referido programa, sendo 30 milhões o mínimo de mortes considerado pela maioria dos estudiosos do assunto. Este terrível momento da história da humanidade está minuciosamente descrito no livro A Grande Fome de Mao, escrito pelo historiador holandês Frank Dikötter (1961).

           O livro A Grande Fome de Mao é a fotografia da capacidade que homens cegos pelo poder tem de levar o seu povo à desgraça. Em outras palavras, é a representação de como as ideologias podem conduzir a humanidade ao abismo. O totalitarismo sempre encontrará em seus anais a banalidade do mal como certa vez dissera Hannah Arendt. Para homens como Mao Tsé Tung qualquer meio é válido desde que os objetivos sejam alcançados. Em suas palavras, a fome era só um detalhe: “a revolução não é um banquete”. Destarte, o que são milhões de vidas humanas quando há o objetivo glorioso da revolução que levará todos ao paraíso? Para os comunistas, os fins justificarão os meios, sempre.

As consequências do Grande Salto Adiante

         Ignorando completamente o subdesenvolvimento e a pobreza em que vivia a imensa maioria do povo Chinês, bem como os escassos recursos naturais e a ausência de desenvolvimento tecnológico, Mao esperava superar economicamente, em pouco mais de uma década, a poderosa Grã Bretanha e com isso mostrar para o mundo a superioridade do sistema econômico comunista, provando assim que o comunismo era a única alternativa possível como forma de governo capaz de realizar o sonho comunista. Com efeito, a meta uma vez alcançada, seria um ataque frontal e devastador ao capitalismo. 

         Evidentemente, Mao não dispunha de recursos financeiros e tecnológicos suficientes para pôr em prática o Grande Salto Adiante. Não obstante,  para Mao este é um obstáculo facilmente transponível pois a mão de obra rude, analfabeta e “barata” estava disponível aos milhões. Por conseguinte, com uma área territorial vasta e climas diferenciados que propiciavam grandes o plantios de grãos somados aos sórdidos planos desinformação e promessas de tornar a China poderosa, Mao conduziu o povo chinês ao maior genocídio já registrado na história das civilizações.  

         No capítulo 3, Destruição de A Grande Fome de Mao, Frank Dikötter mostra os efeitos nefastos do Grande Salto Adiante. Como já fora aqui externado, o objetivo do grande plano era atingir números econômicos que colocassem a China de Mao à altura das grandes nações, sobretudo a Inglaterra. Deveras um esforço imenso que envolveria toda a força produtiva da China com consequências terríveis para o povo chinês. Desta maneira, o comércio, a indústria, a produção agrícola, assim como o inevitável dano causado à natureza atingiram números jamais imaginados, incluindo os custos de vidas humanas. 

         De fato, os milhões de mortes pela fome e o volume de assassinatos competiam com as milhares e milhares de toneladas de grãos produzidos. Há de se registrar que o número do desperdício nada deixa a desejar aos aqui apresentados, fruto da incompetência dos planejadores de Mao. Consequentemente, o gigantismo da produção agrícola e das obras de infraestrutura, assim como os milhões de chineses mortos foram a marca do Grande Salto Adiante.

Regimes totalitários não levam felicidades à milhões

         Regimes totalitários não levam felicidades para milhões e sim a destruição de milhões de vidas. Regimes totalitários levam ao inferno na terra, posto que o livro é  um relato inquestionável do que acontece quando o povo é  submetido a tirania de ideologia assassina justificada em função da paz e do bem-estar, sob a proteção de abstração utópica de igualdade e justiça social. 

         Na China de Mao, o preço além da morte de milhões, foi a própria degradação do ser humano, levando uma parte da população, motivada pela fome, a ato abomináveis como o canibalismo (capítulo 36), assim como a perda de milhões de paupérrima habitações que frequentemente eram demolidas sob ordem do governo para a extrair das suas construções materiais para a agricultura e indústria. Tudo isso regado com violência, com muita violência, como mostra o texto abaixo extraído do capítulo 34, Violência, do referido livro:

 O terror e a violência eram a base do regime. O terror, para ser eficaz, havia de ser arbitrário e impiedoso. Tinha que ser difundido o bastante para alcançar todo mundo, mas não precisava custar muitas vidas. Esse princípio era bem entendido. ‘Mate uma galinha para assustar o macaco’ era um dito tradicional. […] No entanto, durante o Grande Salto Adiante, algo de natureza completamente diferente aconteceu no campo. A violência tornou-se uma ferramenta rotineira de controle. Não era usada apenas ocasionalmente contra uns poucos para instilar medo em muitos, e sim dirigida, sistemática e habitualmente, contra quem parecesse vadiar, criar empecilhos ou protestar, sem falar em furtar ou roubar a maioria dos aldeões. Todo incentivo importante para o camponês trabalhar foi destruído: a terra pertencia ao Estado; o grão que ele produzia era adquirido a um preço que ficava com frequência abaixo do custo de produção; seu gado, ferramentas e utensílios não lhe pertenciam mais e, quase sempre, até sua casa era confiscada. O oficial local, por sua vez, enfrentava pressão sempre crescente para cumprir e tornar a cumprir em excesso o plano e chicoteava a força de trabalho em um impulso após o outro, sem descanso. 

         Mais que um relato jornalístico dos fatos, A Grande Fome de Mao é a constatação do mal que há por trás das ideologias socialistas quando em mãos de déspotas sanguinários disfarçados de cordeiros. O comunismo é um atestado cabal de onde o homem pode chegar quando se coloca no lugar de salvador da humanidade.

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FÉ E CETICISMO NA POLÍTICA

O que é a política da fé e a política do ceticismo

 Fé e ceticismo na política se encontram em lados opostos. Isto porque na política, a fé no sentido de governar, representa a crença de que o governo é capaz de realizar os sonhos dos indivíduos e conduzi-los à felicidade total. Desta maneira, o governo da fé acredita que é o salvador dos seus súditos e que tem o dever cósmico de cuidar e controlar cada passo da vida das pessoas. Por outro lado o governo do cético não tem a crença de que é possível resolver os problemas de todos. Este sabe o seu lugar e seus limites. Acredita que não é o salvador da pátria e que a felicidade do indivíduo é mais fruto dos seus méritos, diante da igualdade de oportunidades, que a ajuda das mãos generosas do governo. De fato, intervém menos e cria as condições para que as pessoas desenvolvam e busquem a sua felicidade. Diante disso, fé e ceticismo não são dois lados da mesma moeda – ou se tem a crença na responsabilidade de salvação da humanidade ou se aceita as imperfeições humanas e se  acredita que a vida é conduzida por uma série de fatos que não cabe ao governo se intrometer.

 A dicotomia que estas noções suscitam permeiam a vida em sociedade em todos os seus aspectos. Na teologia, na filosofia e até mesmo na ciência, fé e ceticismo estão lado a lado equacionando o mundo das ideias, vez que as ações humanas, sobretudo o pensar, se apoiam nesses princípios para buscar o equilíbrio social, econômico e político da sociedade. Pois bem, as ideias políticas se sustentam sobre tal dicotomia, até de maneira mais abrangente e profunda, porque são as ideias, principalmente aquelas de cunho políticos, que têm um tremendo poder de transformação da sociedade, embora algumas pessoas argumentem por aí que a sociedade é fruto das mudanças culturais.

 Michael Joseph Oakeshott (1901 — 1990), filósofo, teórico político inglês, escreveu sobre a filosofia da história, filosofia da religião, estética, filosofia da educação e filosofia do direito, era agnóstico e um defensor do conservadorismo, escreveu um brilhante ensaio sobre a dicotomia entre a fé e o ceticismo na política. Publicada provavelmente em 1952, A Política da Fé e A Política do Ceticismo traz um exame aprofundado sobre o tema. Suas premissas na construção das ideias sobre a política da fé e a política do Ceticismo sofre a influência do seu pensamento conservador. Ao examinar a política sob esta ótica, Oakeshott busca as respostas para questões como “qual é a criação e o caráter da prática de governar no mundo moderno? Como essa prática tem sido entendida? Qual é a criação e o caráter de nosso entendimento sobre o adequado exercício do governar?”. É sobre o papel do governo como uma função que Oakeshott faz a sua crítica, pois para ele o governo extrapola em muito os seus deveres quando ocupa os espaços da vida dos indivíduos como um provedor absoluto destes se auto atribuindo o dever de salvá-los contra todos “os males”.

 Para Oakeshott a política da sua época tinha uma visão excessiva sobre o futuro e um olhar escasso sobre o passado. Segundo o autor, era uma política permeada por ambiguidades e ambivalências trazendo sérias distorções para o significado da vida em sociedade. Isto era claramente observado nos discursos e nos escritos. Neste sentido, é sobre a política de esquerda que Oakeshott irá fazer as suas reflexões políticas mais contundentes. Assim, é a partir da sua visão conservadora, sob o pensamento analítico da política da fé e a política do Ceticismo, que Oakeshott examinará as transformações sociais impostas pelas correntes políticas dominantes que pretendem reconstruir o homem e o mundo, renegando o legado histórico que nos fez chegar até aqui.

A era da ambiguidade

 O livro é um trabalho de um homem preocupado em conservar o que de melhor foi construído para a humanidade, seus valores e tradições. Na presente obra, o autor mostra que a tentativa da esquerda, sob a justificativa de trazer o progresso para humanidade, de reconstruir homem e pô-lo numa nova sociedade perfeita, ignorando as experiências e conquistas passadas, subvertendo os valores morais, religião, família e a justiça conduzirá a humanidade ao fracasso. Por outro lado, Oakeshott expressa que o objetivo fim do conservadorismo não é se posicionar contra o progresso e nem pretende afirmar que o homem deve ficar preso no passado. Nas suas próprias palavras, conservar é aprender com as experiências, eliminando o que não serve e adicionando o novo com cautela. Assim, ele se opõe ao conceito progressista ao mostrar que o passado da humanidade não é uma série de erros. Oakeshott procura mostrar que o homem não nasceu para construir o seu próprio paraíso.

 De fato, as políticas que dominaram o Ocidente nos últimos dois séculos são ambivalentes a ponto de construir, sob a filosofia do relativismo, as mais absurdas distorções sociais no discurso e na prática. Destarte, Oakeshott observa que “a ambiguidade do nosso atual vocabulário político é, talvez, sua característica mais óbvia: é difícil encontrar uma única palavra que não possua dois significados ou uma só concepção que não possua duas interpretações.”

 Como se vê, Oakeshott preocupa-se com o discurso dúbio tão comum no pensamento da esquerda. Este é o tipo de discurso político que predomina na atualidade que quando diluído na manipulação e na desinformação coloca toda a sociedade à beira do princípio levando ao caos social. Oakeshott afirma ainda que “Os polos por entre os quais a atividade de governar oscila no mundo moderno, os extremos em que se movimenta, têm sido identificados como anarquia e coletivismo: a ausência de governo e a atividade de governar que não conhece limites adequados e profícuos naquilo que possa empreender. Poder de convencimento dessa análise reside em sua seleção de extremos genuínos e absolutos.”

Logo, o autor esclarece que:

desde o início, que nessas duas expressões política da fé e política do ceticismo suponho designar, de uma só vez, os polos de uma atividade e os polos da compreensão acerca de nossa atividade, os extremos que permitem compreender a ambivalência de nossa conduta no governo e a ambiguidade de nosso vocabulário político”.

 Destarte, está é uma obra fabulosa para quem quer compreender os tempos atuais. Com efeito, a análise de Oakeshott sobre as duas correntes políticas, capitalismo e socialismo que predominam do século XX até os nossos dias, localiza-se hoje no centro dos debates políticos em todas as sociedades. As esquerdas não recuaram frente o avanço dos conservadores. Mantém o seu projeto de mudar o homem e o mundo e fazer da terra um paraíso. Por conseguinte, nunca as correntes de pensamento de esquerda e de direita estiveram no centro do ringue como agora estão. Entretanto, a leitura de A Política da Fé e A Política do Ceticismo contém  argumentos convincentes ao propor reflexões sobre os caminhos que a direita conservadora precisa trilhar para frear o avanço desmedido da esquerda. Por fim, ressalto aqui a máxima de Oakeshott que, assim como Edmund Burke, mostra o quanto há de equívocos na compreensão dos princípios do conservadorismo e o quanto é importante compreendê-lo para defender os seus princípios: “Ser conservador é estar inclinado a pensar e agir de certas maneiras; significa preferir alguns tipos de condutas e algumas circunstâncias de condições humanas a outras; é ter uma tendência a fazer algum tipo de escolha”.


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Conservadorismo

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A ESSÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO

Para muitos autores de obras jurídicas, Ferdinand Lassalle (1825-1864) foi um dos mais importantes pensadores da Ciência do Direito. Contemporâneo de Karl Marx (1818-1883) e seu principal influenciador, suas notáveis ideias são até hoje fundamentos essenciais para a constituição das doutrinas jurídicas. A sua obra mais importante é um pequeno tratado intitulado A Essência da Constituição, fruto de uma conferência por ele proferida sobre o que é a Constituição. O opúsculo é uma tentativa de, à luz da sociedade da época, estabelecer critérios para compreender o que de fato é essencial para uma boa Constituição.

A obra está dividida em três capítulos: No primeiro Capítulo, “Sobre a Constituição”, Lassalle procura compreender do que é composto uma constituição, o seu real objetivo, onde localiza-se as suas distorções, bem como delineia os elementos para uma Constituição justa que alcance a todos os cidadãos e cidadãs.

Lassalle explica que muitos juristas da sua época eram capazes de definir a Constituição. Porém, fazia-o sem jamais explicar o que ela era verdadeiramente. Isto porque, segundo Lassalle, a Carta Constitucional, determinada e concreta, não se acomoda às exigências substantivas.

Inicialmente Lassalle define que “um conceito da Constituição é a fonte primitiva da qual nascem a arte e a sabedoria constitucional”. Desta ideia surge a sua crítica aos conceitos vigentes à época, pois conforme o considerou, esta carece de uma definição que expresse o seu significado ao representar os anseios do povo, através dos seus princípios sustentados pela justiça.

Lassalle argumenta que a Constituição é a única lei que ao ser alterada causa conflitos em todas as sociedades. Ele assevera que “todos esses fatos demonstram que, no espírito dos povos, uma constituição deve ser qualquer coisa de mais sagrado, demais firme e demais móvel que uma lei comum”, ´portanto, para Lassalle a constituição é uma lei fundamental da nação.

Lassalle sustenta que os fundamentos de uma constituição, sendo esta uma Lei Fundamental, deve repousar sobre três princípios basilares: Primeiro, que a Lei Fundamental seja uma lei básica. Segundo, que esta deve informar e engendrar as outras leis comuns originárias da mesma. Terceiro, que as leis dela decorrentes, fundamentadas em suas normas, sejam consistentes.

Esses princípios até hoje são observados quando os doutores das leis se debruçam na construção de leis fundamentais derivadas da Constituição. Lassalle dá tanta importância a questão da fundamentação que chega a afirmar: “a ideia de fundamento traz implicitamente a noção de uma necessidade ativa, de uma força eficaz e determinante que atua sobre tudo que nela se baseia, fazendo-a assim e não de outro modo”.

Portanto, quis dizer Lassalle que uma força ativa, por necessidade que o exija, espera que todas as outras leis e instituições jurídicas vigentes no país sejam o que realmente são e que, neste contexto, não permita a existência de leis contrária aos fundamentos da Constituição.

Destarte, ao se referir a força ativa, Lassalle define os fatores reais do poder que representam os poderes atuantes no seio da sociedade, do qual Lassalle expõe o papel da Carta Constitucional ao afirmar que “todas as leis e instituições jurídicas vigentes, determinando que não possam ser, em substância, a não ser tal como elas são”, conclui.

O formidável pensador acreditava que a monarquia, a aristocracia, a burguesia e os banqueiros são, de certa forma, instituições que pelas suas características intrínsecas, recebia da Constituição toda a proteção possível porque o soberano tinha os exércitos sobre o seu controle, podendo se valer desta condição quando bem entendesse para a satisfação dos seus interesses e consecução dos seus objetivos, pois tem as prerrogativas para impor a força se necessário.

As demais instituições dependentes do poder soberano encontram-se por esta condição sob as asas da Constituição. Neste sentido, Lassalle tentou mostrar que todas as instituições muito próximas do poder estatal é, também, parte da Constituição.

Entretanto, adverte Lassalle, no tocante aos privilégios das classes superiores, ainda que sob a proteção da Constituição, encontram as suas fronteiras entre as classes da pequena burguesia e a classe operária. Com efeito, qualquer tentativa de cercear a liberdade destes grupos desprivilegiados, que do poder encontra-se sob o regime de servidão, uma vez que se organize, levaria a revoluções, a exemplo do que ocorreu com a Revolução Francesa em 1789.

Um conceito interessante, ainda visto no referido capítulo, é o da folha de papel, este corolário para tudo que foi visto no presente capítulo, segundo o qual a força da Constituição não está na sua forma escrita, mas não seu espírito, na sua substância. Para Lassalle a constituição real e a constituição escrita diferem naquilo que concerne a aplicabilidade prática que muitas vezes estão inseridas na alma do Estado, expressado pelo senso comum. O autor evidencia este pensamento ao citar a frase de Frederico Guilherme IV “Julgo-me obrigado a fazer agora, solenemente, a declaração de que nem no presente nem no futuro permitirei que entre Deus do céu e o meu país se interponha uma folha de papel escrita como se fosse uma segunda Providência”, numa clara alusão ao poder absoluto do Estado.

No capítulo três, que versa sobre a Constituição escrita e a constituição real, embora seja uma continuidade aprofundada do capítulo anterior, sucintamente referido no presente texto, Lassalle inquire quando podemos dizer que uma constituição escrita é boa ou ruim. A interpretação de Lassalle no tocante a esta questão, mostra que há dois poderes: o organizado ou o poder estatal e, o do povo, desorganizado.

Deste exame, Lassalle extrai a afirmativa de que a Constituição é boa quando o Estado observa os preceitos e as normas contidas na Constituição a favor do povo desorganizado, dando-lhe um espírito ordeiro e fundamentada no bem-estar do povo. Portanto, só é uma carta Justa e boa quando seus princípios respeitam a soberania que é propriamente o povo quando deposita a sua fé na Constituição sob a guarda do Estado.

Assim, com esta obra Lassalle deixou uma poderosa contribuição para a posteridade.  O seu legado tem o seu espaço tanto nas academias quanto nas questões jurídicas da sociedade. Em tão pouco tempo de vida, ceifada pela ignorância da época, produziu um clássico para a literatura jurídica.

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CONTRA A PROPRIEDADE INTELECTUAL

 

O livro Contra a Propriedade Intelectual do advogado e escritor americano N. Stephan Kinsella (1965) versa sobre a investigação da propriedade intelectual à luz da visão libertária. Este é um tema bastante difícil e causador de muitas controvérsias, dado que até onde se sabe, os Tribunais de Justiça estão abarrotados de processos a respeito, cujo objeto remete aos direitos de propriedade conferidos àqueles que entendem que não pode o outro deste se apoderar sem a sua legal autorização. Neste esclarecedor opúsculo Kinsella busca esclarecer que PI (propriedade Intelectual) não deve seguir as mesmas premissas que os objetos tangíveis, onde se prevê os direitos autorais contra a usurpação através do plágio entre outros expedientes, uma vez que não são recursos escassos, pois intangíveis. Propõem assim uma reflexão jurídica conceitual para desdobramento lógico desta questão.

Segundo o portal jurídico JusBrasil, o advogado Carlos Eduardo Vanin esclarece no referido portal, ao tratar a conceituação da PI, que “a Propriedade Intelectual engloba o campo de Propriedade Industrial, os Direitos Autorais e outros Direitos sobre bens imateriais de vários gêneros, tais como os Direitos Conexos, e as Proteções Sui Generis”. Do ponto de vista libertário, conforme a abrangência explicitada por Vanin, a questão tende a se complicar, visto que os libertários raciocinam sobre elementos que impõem limites aos direitos da propriedade intelectual quanto aos direitos autorais da produção intelectual.

Com efeito, sob forte influência da Escola Austríaca de Economia, Kinsella defende que a PI na forma de patente não pode ser justificada. Na realidade, como um bom libertário, Kinsella acredita que não é possível qualquer tipo de restrição à produção intelectual. Ele acredita que “aqueles mais preocupados com a liberdade, com a verdade e com os direitos, não deveriam tomar como dado o uso institucionalizado da força para aplicar direitos sobre PI”. Neste sentido, Kinsella espera que haja outros meios não institucionais e não coercivos que permitam que a produção intelectual (textos, artigos, obras literárias, músicas, produções artísticas e, naturalmente, sobre o próprio corpo) esteja à disposição para quem interessar com o mínimo de restrição de acesso e publicidade.

Para Kinsella, o primado dos direitos individuais sobre os recursos escassos (ele coloca a PI como um recurso escasso) deve ser considerado e aplicados. Para chegar a esta conclusão, Kinsella examina a PI à luz do direito da propriedade sob os seguintes o aspecto da propriedade e escassez: os libertários acreditam em direito de propriedade sobre bens tangíveis e, portanto não invalida o critério de apropriação. Contudo, Kinsella explica que bens tangíveis (recursos) são escassos, pela sua natureza, está sujeito aos direitos de propriedade. Neste contexto, ele assegura que “a função dos direitos de propriedade é prevenir conflito interpessoal quanto aos recursos escassos, ao alocar posse exclusiva de recursos a indivíduos específicos (donos)”. Kinsella alerta que os objetos e ideias da PI, por não serem escassos como um objeto tangível, ele pode ser produzido infinitamente. Donde decorre a inadmissibilidade da propriedade intelectual de objetos e ideias, ou seja, do intangível.

Ora, com estes argumentos Kinsella assevera que a “ideia” é um produto que pode se enquadrar como algo que pode ser escasso? Neste sentido, Kinsella afirma que não, pois o que se deve considerar, conforme ele postula, é que não há conflito quanto ao seu uso. O que certamente ocorreria com objetos tangíveis. Ele argumenta que “se você copiar um livro que eu escrevi, eu ainda possuo o livro original”, isto porque segundo ele ainda se possui o padrão de palavras que constitui o livro. Ele enfatiza: “a propriedade intelectual não pode ser consumida”, portanto, sustenta que “apenas recursos escassos, tangíveis, são objetos passíveis de conflito interpessoal, então é apenas a eles que as regras de propriedade são aplicáveis”.

Entretanto, o problema não se resolve de maneira tão simples quanto parece. Existem produções que são intelectuais cuja posse da criação é dada ao primeiro que teve acesso, o criador. Esta afirmação conduz uma análise mais cuidadosa. Kinsella argumenta o seguinte sobre o reconhecimento dos direitos de propriedade da PI: “o problema é que se direitos de propriedade são reconhecidos sobre recursos não escassos, isso necessariamente significa que direitos de propriedade sobre recursos tangíveis são correspondentemente diminuídos”.  Isto porque, conforme esclarece Kinsella, “a única forma de reconhecer direitos ideais em nosso mundo real, escasso, é alocar direitos sobre bens tangíveis”. Desta maneira, Kinsella, afirma que os direitos de propriedade de todos os objetos tangíveis seriam seriamente afetados.

De certa forma Kinsella critica a forma de controle de propriedade como uma espécie de posse intelectual que o dono da ideia seria beneficiado por todos aqueles que dela fizesse uso por todas as gerações. Ao que parece, já é notório que nos direitos autorais da produção musical, esta questão encontra respaldo. 

Finalmente, o livro chama para uma reflexão sobre o problema de quem produz, exclusivamente, a partir do intelecto, cujo resultado é o intangível e que espera um reconhecimento compensatório pelo seu esforço, bem como a manutenção da posse de sua propriedade. Enfim, as questões aqui extraídas do livro Contra a Propriedade Intelectual longe de esgotar o debate, provoca-o.

 


 

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UMA BREVE HISTÓRIA DO CRISTIANISMO

Jesus, O Cristo do Reino de Deus para o reino dos homens

 

A história do cristianismo começa, mais ou menos, há dois mil anos na Galileia e se tornou a maior processo de conversão religiosa da história. Jesus Cristo disse: “Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura. Marcos (16:15)”. Neste sentido, Jesus Cristo teve êxito total. Entretanto, a história do cristianismo é tão misteriosa quanto os trinta anos iniciais da vida de Jesus. Também, é sabido que em nome do cristianismo, reis e nações conheceram a glória e a tragédia, pois, assim como a doutrina de Jesus Cristo foi o caminho para a salvação das almas, foi também o palco de muitos conflitos e disputas pelo poder. Em vista disso, muito se tem investigado e escrito a respeito. Neste contexto histórico, o professor Geoffrey Blainey escreveu em seu livro Uma Breve História do Cristianismo uma síntese da longa trajetória do cristianismo.

Decorre desta reflexão a seguinte questão: como foi possível que um grupo de seguidores, usando os próprios corpos como escudo e a Palavra como arma, foi capaz, contra todas as evidências, de fazer um movimento religioso local, em obediência a Jesus Cristo, levando a Palavra a locais longínquos e tornar o evento local, em dois mil anos, na maior religião do mundo? Considerando que os desafios foram imensos, muitas vezes beirando o impossível, pois tinha a oposição de Roma tanto quantos dos próprios judeus, além da intolerância de muitos povos bárbaros, muitas vezes somos inclinados a atribuir o feito ao campo do milagre. Assim sendo, o sucesso desse empreendimento teria sido fruto da Providência que interveio a favor? Infelizmente, existem muitas respostas, nenhuma detentora da verdade. 

Partindo destas premissas, Geoffrey Blainey reunirá elementos, frutos de uma extensa pesquisa, para conduzir o leitor pela história do cristianismo desde a formação das primeiras seitas, iniciando com o trabalho de evangelização dos Apóstolos e Paulo, passando pelas transformações nos mosteiros da Idade Média, bem como adentrando pelas reformas protestantes até os tempos atuais. As Palavras de Jesus Cristo foram o motor que impulsionou o cristianismo, que tanto encantavam e salvavam, quanto incomodavam. Blainey argumenta que “as palavras de Jesus surpreendiam ou encantavam. Ele parecia amar o mundo e o dia a dia da vida, mas ao mesmo tempo, decidia-se aos poucos a subverter aquele mundo”.

Apesar das diferenças entre Judeus e os primeiros cristãos, havia uma espécie de colaboração circunstancial entre eles, pois Roma poderia ser um inimigo muito maior. Blainey escreveu que “mesmo quando uma congregação cristã se afastou da Sinagoga, passando organizar as próprias reuniões, manteve a atmosfera das tradições judaica”. Isto porque Roma perseguiu os cristãos assim como os judeus, certamente, este menos que aquele. Decorre deste fato que as perseguições poderiam ter dado fim ao movimento cristão e a sua doutrina antes mesmo que o primeiro século findasse. Mas, o que aconteceu foi exatamente o contrário, conforme Blainey explica: “apesar das perseguições, o número de cristãos cresceu rapidamente. Eles acreditavam, sem sombra de dúvidas, que eram cuidados por Jesus. Sem essa crença, religião cristã não se disseminaria tanto”. 

A conquista através do sofrimento e compaixão

Fé e dor foram fatores importantes da ascensão religiosa dos cristãos. Em Cartago, no ano 203 d.C., o sofrimento de Perpétua aos 22 anos e de sua escrava Felicidade é um exemplo claro desta proposição. Entretanto, outros fatores também contribuíram para a expansão do cristianismo. Segundo Blainey, a favor do crescimento do cristianismo houve um motivo tão forte quanto a Fé em Cristo. Tratava-se das epidemias, muito comum na época. Blainey esclarece que “parte do apelo do cristianismo estava na maneira prática de ajudar os pobres e os famintos, os doentes e os órfãos. Isso dava segurança aos fiéis, em uma época de dificuldades inimagináveis”. Para Blainey, essa devoção em cuidar dos miseráveis encontrava nas epidemias a simpatia daqueles que agonizavam abandonados pelas autoridades locais. Nessas circunstâncias, o apoio que os cristãos proporcionavam era fundamental como forma de conquistar mais fiéis. “As epidemias poderiam ter sido fatores de expansão do cristianismo”, sustenta Blainey.

Analisando um pouco mais a questão das perseguições, o caso de Paulo ou Saulo de Tarso é curioso. De perseguidor de cristãos ao mais ferrenho defensor da doutrina de Cristo, Paulo foi talvez o mais importante dos seguidores de Jesus Cristo, pois após a sua conversão ele se incumbiu de expandir a Igreja primitiva ao mesmo tempo que, através de suas epístolas, coordenava, disciplinava, aconselhava e unia as ovelhas de Cristo. Ele foi responsável por manter a unidade entre as principais Igrejas cristãs, num período de forte intolerância ao cristianismo. Por qual motivo Jesus Cristo ressuscitado escolheu Paulo, um algoz dos cristãos, para tão delicada missão é um dos muitos mistérios que envolvem a história do cristianismo.

Os cristãos em crise de identidade

Embora se buscasse sempre a união a dissidência entre os cristãos passara a ser um problema. Blainey explica que nas fileiras do cristianismo havia numerosos dissidentes. Os seguidores do docetismo se destacavam entre eles com críticas à alguns dogmas da doutrina cristã, sobretudo as que se referiam a natureza humana e Divina de Jesus. “Nos anos 70, mais ou menos, os seguidores do docetismo sustentavam que Jesus não tinha morrido, não poderia, portanto, ressuscitar” esclarece, Blainey. Além dessas, outras seitas surgiram e cada uma tinha uma visão diferente, quase sempre conflitante. É também o caso dos maniqueístas e arianos. Blainey diz que “os maniqueístas sustentavam que o mundo tinha sido criado pelo demônio, e que os seguidores do verdadeiro Deus e o reino da Luz, tinham de estar alerta para evitar o desastre”, por sua vez Orígenes, como muitos cristãos, defendia que a razão e fé religiosa devem caminhar lado a lado. Ou seja, havia dissidência por toda a parte, ameaçando a ruir a Igreja primitiva.

Outra seita dissidente que ameaçava as bases ainda não solidificadas do cristianismo foi a de Ário ou arianismo. Ário (256 d.C.) foi um presbítero da cidade de Alexandria cuja doutrina sustentava que Jesus Cristo fora criado por Deus a partir do nada, por isso, ainda que filho de Deus, não existiu desde sempre, ou seja, não compartilhava da eternidade com Deus, portanto não poderia ser igual ao Pai. Dessa forma, para Ário, Jesus Cristo era uma criação especial de Deus, o que de certa forma se coloca contra a trindade (Pai, Filho, Espírito Santo), ou seja, opõe-se a consubstanciação que ensina que Pai, Filho e o Espírito Santos são uma só pessoa, doutrina basilar dos mistérios. Essa posição foi suficiente para que a Igreja fizesse dele um herege.

Como se vê, havia muitos problemas no caminho da Igreja. Naqueles tempos, as autoridades temiam ficar sob o domínio de Roma. A maioria dos imperadores como Diocleciano (243 d.C.) e Galério (305 d.C.) perseguia os cristãos, aprisionando-os, torturando-os e matando-os. Por sorte, Constantino em 306, autoproclama-se Imperador Romano. Neste ínterim, influenciado pela sua mãe, Helena, devota cristã fervorosa, Constantino se tornou responsável por uma era gloriosa para os cristãos.

Em 325, Constantino, agora imperador romano, convoca todos os bispos para o Concílio de Nicéia, fortalecendo a posição da Igreja e tornando o seu governo praticamente uma teocracia. Neste período, por muitas questões estratégicas militares, religiosas e comerciais, Constantino transferiu a sede do seu governo para Bizâncio (posteriormente, Constantinopla), uma cidade efetivamente cristã. Destarte, esta foi uma profunda transformação histórica do cristianismo, pois além de estabelecer a unidade dogmática e combater a heresia ariana entre outros, Constantino foi tão importante para a expansão do cristianismo como os Apóstolos, Paulo e os primeiros mártires. Com razão, pois é muito provável que os cristãos não tivessem êxito em sua missão.

Depois de Paulo talvez o teólogo Agostinho de Hipona, através das suas teses teológicas, foi o primeiro mais importante pensador cristão da primeira metade do primeiro milênio da era cristã. Agostinho, o Bispo de Hipona, como ficou historicamente conhecido, provavelmente foi um seguidor da doutrina do filósofo Manes ou Maniqueu, um persa nascido em 216, cuja crença cristã dividia o mundo entre o bom (espírito) e o mau (matéria) estabelecendo assim o dualismo cristão entre o bem e o mal. Santo Agostinho, como o chamam os católicos, escreveu grandes tratados sobre o pensamento cristão como “Os Sermões de Agostinho”, “Confissões”, “A Trindade”, sendo “A Cidade de Deus” a sua Magnum opus.

Passam-se cerca de mil anos para vir ao mundo aquele que ficaria conhecido como São Francisco de Assis (1226). Ele foi um dos mais belos exemplos de devoção a Cristo Jesus em palavras e atos. Ele viveu e ensinou as Palavras do seu Mestre Jesus em sua totalidade e fez disso uma filosofia de vida cristã. A máxima “fazer o bem sem olhar a quem” encontrou em São Francisco de Assis um defensor dessa virtude pela prática. Ele nos ensinou que devemos amar todas as criaturas, pois todas foram criadas por Deus. A pobreza era para ele um bem maior, uma forma de encurtar a distância entre o homem e Cristo. O Santo Padre tem um papel na sustentação da Fé dos mais humildes.

Depois de Santo Agostinho, outro reformulador das ideias cristãs, já próximo de uma grande divisão da igreja propagada (a reforma protestante), foi o filósofo e teólogo São Tomás de Aquino (1225–1274), o santo doutor do pensamento cristão. Ele foi o fundador do tomismo, doutrina filosófica escolástica que é uma tentativa de conciliação entre a filosofia do filósofo Aristóteles (385 d.C.–323 d.C.) com o cristianismo. Neste sentido, a filosofia de São Tomás de Aquino terá poderosa influência no pensamento político e moral da Europa da sua época que reverbera até a contemporaneidade.

A Guerra Santa, cristã

A necessidade de expansão e proteção e, ao mesmo tempo, uma crescente insatisfação em relação aos acontecimentos envolvendo as igrejas católicas do oriente que perdia espaço sob o domínio dos turcos seljúcidas, fizeram com que o papa Urbano III (1042–1099), através do concílio de Clermont, fomentasse os nobres franceses numa empreitada para libertar à Terra Santa que se encontrava sob domínio dos árabes. Desse fato, nasceu a Cruzada: força militar cristã, criada exclusivamente para retomar Jerusalém do controle dos árabes, mas que mais tarde, se agigantaria e se transformaria em uma máquina de guerra a serviços da Igreja Católica e dos reis.

Neste contexto, de 1096 até 1270, foram oito grandes cruzadas entre os europeus e os árabes. Vale destacar a terceira cruzada, cuja missão foi a retomada de Jerusalém dos muçulmanos, que envolveu dois inimigos mais que nutriam um profundo respeito entre eles como líderes militares: o sultão e rei do Egito Saladino (1138–1193) e o rei em Inglaterra Ricardo I (1157–1199), também conhecido como “Ricardo, coração de leão”. A grandeza do evento, como estratégia militar entre dois gigantes, marcou a histórias das guerras da Idade Média e foi de fundamental importância para o futuro da Europa, isto porque Saladino pretendia conquistar toda a Europa.

Lutero, Calvino e John Wesley

A reforma protestante (1517–1648) foi um evento que teve um grande impacto sobre as estruturas da Igreja Católica. Um homem, o monge Martinho Lutero (1483–1546), se rebelou contra a corrupção, o poder, a riqueza, e principalmente contra as indulgências — ou seja, a Igreja cobrava para isentar a pessoa de todos os seus pecados, muito atraente para quem tem muitas riquezas e precisa limpar a sua barra com Deus. Num ato de extrema coragem, num período que por bem menos o indivíduo iria parar na fogueira da inquisição, Martinho Lutero, pregou o seu manifesto com 95 teses acusatórias e que propunha uma reforma total, até então não imaginada pela cúria e pelo poder papal.

Esse importante evento, mais que causar profundas transformações religiosas dividindo a igreja em novas igrejas protestantes, a maior consequência recaiu sobre a economia e a cultura. No primeiro fato, a partir do momento que acumular riqueza com moderação não era mais pecado, pensamento que evoluiu com o passar do tempo nas Igrejas protestantes, desde que feita com moderação, a nova comunidade cristã soube separar prosperidade através do trabalho obstinado para acumulação de riqueza dos momentos reservados à Deus. Isto foi retratado muito bem por Max Weber em seu livro “A Ética protestante e o Espírito do Capitalismo”. Esta obra mostra bem a nova relação dos cristãos com o dinheiro. Por conseguinte, os seguidores das novas Igrejas protestantes prosperaram e produziram riquezas, assim como estimularam o conhecimento científico. Em contrapartida, os católicos, com a sua doutrina que pregava austeridade e pobreza, padeceram de um atraso econômico e cultural por séculos.

O segundo fato de crucial importância para a prosperidade da nova comunidade cristã, foi Lutero ter traduzido a Bíblia do Latim para o Alemão. Desta maneira, o que antes era exclusividade para os monges e padres católicos, agora estava ao alcance de todos, independente da classe social. Requisito para tal: saber ler. Disto, decorre um fenômeno curioso. O analfabetismo que até então era altíssimo, começar a declinar. A explicação para tal fenômeno é que agora os menos favorecidos, mas que podia aprender a ler, agora tinham um motivo para aprender a ler: ter acesso direto às Escrituras Sagradas. Este evento coincidiu com outro não menos importante acontecimento: a invenção da imprensa por Johann Gutenberg em 1430. Portanto, face à tamanhas transformações, a contrarreforma não obteve o êxito desejado e o resultado desta derrota vê-se hoje em todo o mundo representado pelo grande número de Igrejas Protestantes espalhadas pelo mundo e o sempre crescentes números de seguidores e fiéis, distribuídos pelos movimentos gospel.


 

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DOS PROTOAUSTRÍACOS A MENGER

O nascimento da Escola Austríaca de Economia

O livro Dos Protoaustriacos a Menger de autoria do professor brasileiro Ubiratan Jorge Iorio (1946) é uma primorosa investigação das origens do pensamento da escola austríaca de economia. Com riqueza de detalhes e cronologicamente bem compilado, Jorge Iorio apresenta uma coleção de personagens desde as escolas pré-escolásticas de economia na idade média até o fundador da escola austríaca, Carl Menger. Muito mais que história do pensamento da Escola Austríaca de Economia, Dos Protoaustriacos a Menger é uma coleção de ideias sobre liberdade econômica que séculos mais tarde serviu de arcabouço para o desenvolvimento das teorias econômicas da Escola Austríaca, um dos mais revolucionários sistemas teóricos econômicos. Em nota, a obra é realçada pelos inspiradores comentários do polímata Alex Catharino.

Quando se estuda a Escola Austríaca de Economia os primeiros nomes que vem à memória são: Ludwig von Mises (1881—1973) — o mais influente pensador da escola; Eugen von Böhm-Bawerk (1851—1914) — fez importantes contribuições teóricas para o desenvolvimento da escola; F. A. Hayek (1899—1992) – o que mais confrontou o keynesianismo, e Murray Rothbard (1926—1995) — aluno de Mises que mais tarde fundou a corrente de pensamento liberal denominada libertarianismo. Esses pensadores foram os sucessores e herdeiros do austríaco Carl Menger (1840—1921), fundador da Escola Austríaca de Economia. Antes de Carl Menger, outros expoentes do pensamento teórico de economia contribuíram bastante para consolidar, séculos depois, as ideias pautadas no livre mercado, na paz, na liberdade do indivíduo, na proteção da propriedade privada e na produção privada que deram origem a Escola Austríaca. 

O professor Jorge Iorio é autor de várias obras sobre o liberalismo econômico e suas vertentes. Dos Protoaustríacos a Menger é uma das suas mais interessantes obras sobre a história do liberalismo econômico. Nesse primoroso trabalho, Jorge Iorio parte das primeira escolas de economia do período pós-escolásticas (a partir do século XIV, segundo o autor) cujos economistas e suas ideias serviram de base para o liberalismo econômico da Escola Austríaca de Economia. Portanto, são quase três séculos de pensamentos econômicos que de alguma forma foram importantes nos fundamentos do pensamento da escola.

Sendo assim, Jorge Iorio chama de protoaustríacos todos os pensadores que surgiram a partir da Escola de Salamanca (renascimento do conhecimento). Os protoaustríacos, da Escola de Salamanca até Menger, são os precursores das ideias econômicas que dariam respaldo intelectual à  Escola Austríaca de Economia. Desta maneira, cada um dos economistas tratados nessa obra contribuiu, a seu modo, para a evolução do liberalismo econômico. Com isso, Jorge Iorio nos traz o legado da história das ideias da liberdade econômica.

Dos Protoaustríacos à Menger

Vamos conhecer com brevidade algumas exposições de Jorge Iorio sobre os precursores da Escola Austríaca de Economia. Antes, demonstro textualmente a descrição do quadro sinóptico elaborado por Jorge Iorio para melhor entendimento da evolução do pensamento econômico. Como já mencionado aqui, o pensamento econômico da Escola Austríaca de Economia nasceu na Escolástica Medieval e se ramificou para duas principais vertentes: a vertente  Mercantilista, evoluiu para o pensamento econômico científico-materialista marxista. A segunda vertente, Escola Clássica, junção dos pensamentos do Medieval Tardio e do Naturalismo, sob a influência do pensamento utilitarista, deu origem à Escola Austríaca. Por usa vez, o keynesianismo nasceu da interseção do pensamento utilitarista com o socialista. Nesse contexto, São Tomás de Aquino (1225—1274) foi, conforme explica Jorge Iorio, a origem de tudo.

Espero que tenha ficado claro que foi no ambiente da escolástica tardia que se produziram muitas importantes concepções do jusnaturalismo e da ideia de direito internacional, além dos tratados de economia que viriam a influenciar a escola marginalista e o liberalismo da escola Austríaca nos séculos XIX e XX.

Vamos conhecer alguns destes grandes economistas examinados por Jorge Iorio. Estes precursores de Carl Menger, na concepção de Jorge Iorio foram de grande importância na construção da ciência econômica austríaca. 

Sallustio Bandini (1677-1760) – é o primeiro protoaustríaco discutido por Jorge Iorio. A contribuição de Bandini reside nas reflexões e resoluções sobre a questão do desestímulo dos agricultores pela política do Estado de Sena que culminou no declínio da Maremma, que como se sabe, é uma grande região geográfica que inclui a Toscana e o Lázio, e com saída para o mar Tirreno e o Mar da Ligúria. Bandini sugeriu a liberdade do comércio como forma de resolver a questão. Estas ideias ficaram registradas em seu tratado “Discorso sulla Maremma di Siena (1737)”. Nesta obra ele criticou as regulamentações do Estado; sugeriu mais liberdade para a indústria e o comércio; da mesma forma que defendia a ideia de um imposto único entre outras ideias. Por tudo isso, argumenta Jorge Iorio, “podemos considerar, portanto, sem qualquer receio, que Bandini merece estar entre os grandes precursores da liberdade. E isso não é pouco, convenhamos”.

Richard Cantillon (168?-1734) – “Essai”, sua obra mais importante, contém suas ideias que coadunam com o pensamento da Escola Austríaca. Jorge Iorio demonstra que Cantillon pensou tão profundamente na liberdade econômica que ele antecipou séculos antes as teorias da Escola Austríaca de Economia. Destaque para a teoria dos ciclos econômicos, teoria monetária, custos de oportunidade entre outras. Jorge Iorio observa que o Essai é considerado o primeiro tratado completo sobre teoria Econômica, e Cantillon foi chamado de o pai da economia, anterior a Adam Smith, que ficou com os louros”.

Anne Robert Jacques Turgot (1727—1781) – Uma das mais famosas ideias de Hayek, “as ordens espontâneas”, segundo a qual as ordens sociais resultam da ação humana e não da intenção humana, foi, segundo os estudos de Jorge Iorio, antecedida por Turgot ao chamar a atenção para o caráter disperso da sociedade. Para Turgot era o indivíduo que melhor conhecia a realidade econômica e não os teóricos a serviço do Estado. Esta análise permitiu que Turgot constatasse que o indivíduo era o único que podia julgar com conhecimento sobre o uso mais vantajoso da sua terra e dos seus esforços.

As contribuições de Turgot para a formação das ideias do liberalismo econômico foram muitas. Segundo Jorge Iorio, Turgot teorizou sobre valor, troca, preços, produção e distribuição. Como também analisou sistemas como poupança, investimentos e taxas de juros, para citar alguns. Jorge Iorio conclui sobre Turgot: Tudo isso só serve para corroborar que Turgot foi, na teoria e na prática, um autêntico precursor e defensor das ideias austríacas que tomariam corpo a partir do final do século XIX.

Jean-Baptiste Say (1767—1832). Assim como Turgot, Say também antecipara importantes teorias econômicas. Jorge Iorio observa que Say conseguiu antever  que era “ a capacidade de satisfazer as necessidades dos consumidores que determina o valor, ou seja, que o valor depende da demanda. Desta forma, Jorge Iorio considera Say um legítimo precursor da Escola Austríaca de Economia.

Frédéric Bastiat (1801—1850)“A obra de Bastiat é uma ponte intelectual entre as ideias dos economistas protoaustríacos, como Cantillon, Turgot, Galiani, Say entre outros, e a tradição austríaca de Hermann Heinrich Gossen, Carl Menger e seus seguidores”. Para Jorge Iorio, Bastiat foi um modelo para Hayek, Mises e Rothbard e finaliza afirmando que Bastiat foi, ao seu ver, um dos maiores economistas de todos os tempos.

Apelo aos políticos do amanhã

Ideias como liberdade econômica, livre mercado, Estado mínimo e governo não-intervencionista tem seduzido um número cada vez maior de jovens, atraindo-os para mais perto dos princípios do pensamento liberal e conservador. No Brasil, essa nova corrente do conservadorismo-liberal pautada em mais atitude e menos teoria, mais política e menos fórmulas, mais militância e menos inércia  ganha relevo no grupo de jovens escritores liberais como Rodrigo Constantino, Hélio Beltrão, Alex Catharino, Bruno Garschagen, Flávio Gordon, Leandro Narloch, Fernando Ulrich entre outros. Todos esses jovens talentosos têm uma coisa em comum: tornar o Brasil uma nação forte, ordeira, democrática e justa, tendo como norteadores das suas aspirações princípios basilares como: lutar pela verdade e pela liberdade, defender os valores de nossas instituições e preservar as nossas tradições culturais e religiosas. 


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ARISTÓTELES EM NOVA PERSPECTIVA

A proposta de integração dos quatro discursos de Aristóteles

Aristóteles em Nova Perspectiva, obra do professor e filósofo Olavo de Carvalho, é um extraordinário estudo introdutório sobre os quatro discursos do filósofo grego Aristóteles (385 a.C.-323 a.C.), a saber: a poética, a retórica, a dialética e a lógica. Os estudos organizados neste pequeno tratado aristotélico pretende, segundo Olavo de Carvalho, responder às duas questões na perspectiva lógica de Aristóteles: primeiro, existe uma unidade na lógica dos discursos? Se existe, como esta pode contribuir para a construção de um saber interdisciplinar? Assim, diante destas questões, Olavo de Carvalho buscará o elo que entrelaça os quatro discursos. Ele acredita que a compreensão dos quatro discursos como uma unidade interdisciplinar é fundamental para a compreensão dos estudos da História da Filosofia, bem como, se fundamentar como meios para a concepção de uma cultura global e integrada, de uma educação global e integrada, nas quais se depositam hoje as melhores esperanças da humanidade. Olavo de Carvalho está convencido de que a filosofia de Aristóteles, quando analisadas nos horizontes dos quatro discursos, fundadas em princípios comuns, formam uma ciência única. 

Neste sentido, Olavo de Carvalho propõe a construção de uma Teoria dos Quatro Discursos que contenha as prerrogativas valorativas do discurso em si: O discurso humano é uma potência única, que se atualiza de quatro maneiras diversas: a poética, a retórica, a dialética e a lógica, declara Olavo de Carvalho. O objetivo é criar uma base de ideias a partir de semânticas ou significados que permitam interações entre as diversas disciplinas em discussões elegantes e altamente inteligentes. Olavo de Carvalho espera que, enfim, a investigação dos quatro discursos na busca pela unidade seja capaz de fornecer um poderoso instrumento de argumentação. Ele observa que: “as quatro ciências do discurso tratam de quatro maneiras pelas quais o homem pode, pela palavra, influenciar a mente de outro homem”.

A busca pelo elo perdido

Olavo de Carvalho sustenta que, para que haja alguma aceitabilidade o discurso precisa de um mínimo de credibilidade. Olavo explica que existem níveis de credibilidades para cada um dos discursos. Por exemplo: de acordo as reflexões do professor, o discurso retórico procura estabelecer a crença no verdadeiro e que transmita credibilidade. Ele argumenta que: “o discurso retórico tem por objetivo o verossímil e por meta a produção de uma crença firme que supõe, para além da presunção imaginativa, a anuência da vontade.

Para Olavo de Carvalho, os quatro discursos apoiam-se sobre quatro conceitos-chave. Para ele as reflexões sobre estes conceitos conduzem a conclusões óbvias de que eles são inseparáveis na arte do diálogo, portanto, tornam-se necessários como instrumentos para a interação humana no falar e no ouvir. Ele sustenta que: “o homem discursa para abrir a imaginação à imensidade do possível, para tomar alguma resolução prática, para examinar criticamente a base das crenças que fundamentam suas resoluções, ou para explorar as consequências e prolongamentos de juízo já admitidos como absolutamente verdadeiros, construindo com eles o edifício do saber científico”.

No capítulo “A Tipologia Universal dos Discursos” o professor Olavo de Carvalho ensina breve lições sobre a estrutura do discurso. Este seria algo como a aplicação prática da teoria dos quatro discursos. Ele explica que: Todo discurso é movimento, é transcurso uma proposição a outra. Tem termo inicial e um termo final: premissas e conclusão, com o desenvolvimento no meio. À unidade formal de discurso depende da sua unidade de propósito, isto é, da disposição das várias partes em vista da conclusão desejada.

Em síntese, a busca do professor Olavo de Carvalho por uma teoria sobre os quatro discursos revela que estes se conectam e se complementam na arte do pensar e falar. Não há, por assim dizer, diálogos criativos que não contenham os ingredientes que os deem forma e sabor como: imaginação e emoção, razão e realidade, o verossímil e a sofisma, articulando tudo num todo ao serviço da inteligência na construção do conhecimento para a evolução do homo sapiens. A ausência de exploração destes ingredientes na comunicação moderna, deixa a arte do falar muito pobre, por conseguinte, redunda em pobreza de conhecimento substancial, bem como, é um corolário indicativo de fraqueza de espírito do logo.

Hoje, seja no ensino médio ou superior, praticamente, as disciplinas do bem falar como retórica foram abolidas das grades curriculares. A consequência desta decisão irresponsável reflete diretamente na capacidade comunicativa, sobretudo dos mais jovens. A dificuldade de interpretação textual da maioria das pessoas, qualquer que seja a camada social a que elas pertencem, de fazer fluir o pensamento através da linguagem oral, denota a incrível ausência de estudo e compreensão daquilo que os gregos da antiguidade, tanto prezava: a arte de discursar, ou a arte do bem falar. Para que os cidadãos e cidadãs tenham capacidade de interagir na costura do tecido social é necessário que a capacidade imaginativa esteja plenamente associada às habilidades linguísticas que derivam de um largo estudo dos discursos. Neste sentido o conteúdo didático presente no ensino médio e universitário deixam a desejar. 


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O LIVRO NEGRO DO COMUNISMO

 

Não houve em toda a história da humanidade nenhum período que tenha sido tão marcado pela crueldade, pelo ódio, pela soberba e pela vaidade quanto o século XX. Este foi a era da morte planejada. Foi o século do genocídio marcado pela tragédia humana. Parecia que a humanidade estava diante do Juízo Final. Nada, absolutamente nada, se compara ao que homens, apoiados sobre a ideologia comunista, foram capazes de fazer. A terrível contabilidade da bestialidade exibe os seus números macabros: a ideologia comunista foi responsável pela morte de mais de 100 milhões de pessoas. Elas foram assassinadas por loucos, déspotas, tiranos que encontraram no comunismo a inspiração para tamanho morticínio. O comunismo foi o armagedon, a hecatombe que fez do século XX o pior período da história do homem. Isto é o que revela “O Livro Negro do Comunismo”. Após ler as mais de 900 páginas do livro, não é possível que o leitor não se pergunte como, ainda hoje, milhões de pessoas (muitas esclarecidas e influentes) se deixam seduzir por um sistema tão perverso, por uma ideologia que ao fim e ao cabo só deixou um rastro de sofrimento, sangue e morte por mais de 60 anos. O historiador marxista Eric Hobsbawm chamou o século XX de “Era dos Extremos”. Muito adequado.

Os autores (alguns ex-simpatizante do comunismo) desta impressionante obra revelam o comunismo como o responsável pelas dores e mortes de milhões de homens, mulheres e crianças. Mortes legitimadas e em nome dos ideais de igualdade, fraternidade e liberdade, orquestradas por mentes diabólicas e doentes como as de Vladmir Lenin, Josef Stalin, Mao Tsé-Tung, Ho Chi Minh, Pol Pot, Fidel Castro, Nicolae Ceauscesco e tantos outros assassinos que utilizaram o aparelhamento do estado para matar de forma sistemática todos aqueles que representassem uma ameaça real ou imaginária ao poder dos seus líderes. Nas duas grandes guerras do século XX a morte ocorria nos campos de batalha ou nos territórios tomados por inimigos e aliado, no comunismo o inimigo e a morte estava ao lado. Para os amigos do comunismo quando um homem mata milhões ele é um idealista.

Nesta obra, seus autores revelam a história de crimes e repressão que os governos comunistas executaram pelo mundo. As estatísticas do terror em números de mortos pelos ideais do socialismo são assustadoras. Os regimes comunistas mataram mais que as duas grandes guerras mundiais. Convém destacar neste pequeno manifesto a contabilidade da morte computada pelos filhos do demônio, já elencados no presente. Eis aqui o resultado real do sistema comunista de 1917 a 1989: morte! morte! morte! revela O Livro Negro do Comunismo:

20 milhões na União Soviética; 65 milhões na República Popular da China; 1 milhão no Vietname; 2 milhões na Coreia do Norte; 2 milhões no Camboja; 1 milhão nos Estados Comunistas do Leste Europeu; 150 mil na América Latina; 1,7 milhões na África; 1,5 milhões no Afeganistão.

Todas essas mortes não foram resultantes de guerras ou pandemias mas, resultado de um tratado do mal cujos executores tinham profundo ódio pelo indivíduo, mas que muita amava a humanidade. Suas vítimas: os dissidentes, mas na sua grande maioria, pessoas inocentes.

No O Livro Negro do Comunismo, a cada capítulo lido, assusta o que ainda pode acontecer com este mundo quando psicopatas sustentados por ideologias destruidoras se vestem de mantos salvadores da humanidade e planeja o extermínio de pessoas. Foi assim que, imbuídos de boas intenções (e o inferno está cheio de gente assim), psicopatas como Lenin e Stalin planejaram enganar o mundo e eliminar todos aqueles que eles consideravam inimigos da causa proletária (inclusive os simpatizantes e “camaradas” que eles consideravam uma ameaça – Trotski que o diga). Com o fim do socialismo a “la sovietes” parecia que o comunismo tinha ido parar nas profundezas do inferno tal qual fará Jesus Cristos com Satanás no dia do Juízo Final. Na verdade, o monstro não estava nem mesmo hibernando, quanto mais morto ou habitando as profundezas. O comunismo ainda vive e se metamorfoseou em uma hidra mais poderosa. Seus tentáculos se espalharam mais rapidamente por todos os lugares a tal ponto de podermos afirmar que não há uma só nação que não seja terreno fértil para a germinação do comunismo. Agora a luta não é mais armada e o manifesto não fala da ditadura do proletariado. Embora este seja ainda o “glorioso” objetivo, as armas agora são a ideologia de gênero, os direitos supremos das minorias entre outras. O exército é formado pelo povo como sonhara Marx e Engels: frente feminista; Black Lives Matter; Black Bloc; MST e tantos mais caibam na ordem comunista. 

Porém, é tudo massa de manobra, pois o grande objetivo, será alcançado sob outras vertentes. A estratégia dos donos do poder para a edificação do Estado mundial único e soberano avança a passos largos sob o controle oculto da ONU, OCDE, UE e dos 5% mais ricos e poderosos do mundo com suas fundações filantrópicas bilionárias. O comunismo precisou trocar de pele. A nova pele chama-se globalismo. Todos trabalhando pela Nova ordem Mundial. 

Todavia, os conservadores têm se manifestado, ainda que de forma lenta e delicada. Estejamos atentos, pois o inimigo é poderoso e está muito bem aparelhado. Vale concluir este texto com uma paráfrase daquele que foi o fomentador do pensamento conservador, Edmund Burke: “Para que o mal triunfe, basta que os bons fiquem de braços cruzados”


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MARIA MADALENA, A NOIVA NO EXÍLIO

 

Os quatro Evangelhos dão testemunho de uma mulher da comunidade chamada por Maria Madalena, que acompanhava Jesus Cristo e que tinha acesso direto a Ele. Mulher generosa, que fora possuída por demônios e que após curada por Jesus Cristo decidiu segui-lo, doando parte das suas posses. Ela foi a escolhida por Cristo para revelar o mistério da ressurreição. Ela foi a primeira pessoa que viu o Cristo ressurreto. Imagina-se o impacto causado aos apóstolos quando ela lhes revelou que Jesus Cristo ressuscitara. Por que ela e não eles foi a primeira a saber?  Por que a mulher do alabastro era a mais amada por Jesus Cristo que, talvez, a Virgem Maria, sua mãe carnal? É sobre esta mulher misteriosa, algumas vezes estigmatizada, que a escritora Margaret Starbird (1942) revela em seu livro “Maria Madalena, a Noiva no Exílio”. Starbird que já defendeu em outras obras a existência da relação mais que religiosa entre Maria Madalena e Jesus, agora direciona o olhar para aquela que na visão da autora é “a noiva de Jesus” e símbolo do arquétipo feminino.

A rica tradição da influência e do significado de Maria Madalena precisam ser examinadas em níveis que ultrapassem o prosaico e o histórico; do mesmo modo, é preciso ser encontrada nos planos alegóricos/simbólicos e mitológicos”, argumenta Starbird. Para Margaret Starbird a história de Maria Madalena é a grande história que nunca foi contada. Ela demonstra que a identidade de Maria Madalena foi roubada e que a Bíblia não lhe fez jus a “verdade”. A vida de Maria Madalena era um mistério, sustenta Starbird. Sua trajetória como mulher foi arrancada das páginas das Sagradas Escrituras. Por que? Starbird construirá argumentos com base em fatos históricos e pesquisas minuciosas revelar a verdadeira Maria Madalena, que segundo a autora, foi a “Noiva de Jesus” e colocada no exílio pelas Igrejas cristãs.

“Quem era essa mulher que os quatro evangelistas chamaram de Madalena. Por mais de mil e quatrocentos anos, a tradição cristã intitulo-a a prostituta arrependida, um epíteto sem base e ofensivo revogado pela Magisterium da Igreja Católica Romana em 1969, quando afinal, e oficialmente, reconheceu e confessou publicamente que havia nenhuma evidência nas escrituras que apoiasse essa tradição espúria.”  continuando, Starbird julga que:

“A história dela foi distorcida e a sua voz roubada pelos padres da igreja que a rotularam de prostituta, o que contribuiu tragicamente para dissociação do Cristianismo do feminino e desse modo causando involuntariamente um sofrimento assombroso na família humana por um período de aproximadamente dois milênios.” Como pode-se notar, a autora aponta a Igreja Católica como a maior responsável pelo declínio da cristandade, ou seja, da contínua falência da comunidade cristã, trazendo sérios prejuízos para as mulheres, ainda que tenha sido de forma involuntária. Starbird observa que o que sabemos sobre Maria Madalena precisa ser extraído dos quatro evangelistas ou dos evangelhos gnósticos como o “Evangelho de Maria Madalena”.

Para Starbird Maria Madalena representa as nossas experiências coletivas humanas. Ela esclarece que “por que Maria Madalena representa um importante arquétipo que significa um grande aspecto da nossa experiência coletiva humana, a sua história ressoa nas pessoas em muitos planos, incentivando-nos a reabilitá-la agora, a trazê-la do exílio, a lhe dar as boas-vindas de volta ao lar”.

Entendo que a autora toca nos diversos aspectos discutidos há milênio sobre a natureza humana de Jesus Cristo. Maria Madalena vem somar aos mistérios da vida de Jesus Cristo. Adentrar nesta questão é buscar a revelação que talvez Deus não queira. Maria Madalena simboliza a Mulher no Reino de Deus. Ao servir ao Cristo em sua missão, ela era uma evangelista devota e de muita Fé. 

Jesus Cristo nunca estigmatizou a mulher, pelo contrário, a sua relação com elas têm um profundo sentimento de amor ao próximo pois representa exatamente que somos Filhos de Deus equilibrando-se de forma na equidade frágil da vida. Maria Madalena, se foi prostituta, isto só a engrandece, pois, não disse Jesus Cristo que as portas do Reino de Deus estão abertas primeiro para as prostitutas e gentios pecadores. Neste sentido, Maria é a revelação da Verdade. 


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O QUE É FASCISMO

Questões sobre o fascismo

O fascismo é uma ideologia que professa que na sociedade o Estado é o deus e o indivíduo a sua criação. O propósito maior do fascismo é o domínio total e irrestrito da vida do indivíduo e o controle das instituições públicas e privadas. Por conseguinte, tem como corolário da sua ideologia a planificação da economia, a socialização de todos os meios de produção, bem como total controle sobre o indivíduo. Portanto, todo governo fascista é por definição um sistema totalitário. Neste contexto, o fascismo é muito semelhante ao comunismo e ao nazismo, dado que todos os três sistemas políticos defendem uma máquina estatal grande e burocrática com intervenção sobre as instituições civis e privadas. O fascismo escraviza o indivíduo mostrando-lhe a liberdade como uma utopia. Assim, faz todo o sentido dizer que o fascismo, pela sua origem, é uma ideologia predominantemente de esquerda. 

Lamentavelmente, o termo fascismo é utilizado indiscriminadamente para agredir toda pessoa cujo pensamento é uma opinião em contrário. Com efeito, fascismo é utilizado em tom difamatório para rotular qualquer um que tenha opinião diferente do outro. O curioso é que a maioria que a pronúncia não faz a menor ideia do seu significado histórico e teórico. Na realidade não precisaria chegar a tanto se, pelo menos, soubesse soletrá-la corretamente (maioria escreve “facismo”). Nas mãos do establishment o termo é explorado para subverter o senso comum. De outra maneira, o fascismo é utilizado para distorcer os fatos, confundindo a opinião pública. Infelizmente a indolência mental, tão comum ao nosso povo, contribui para o alastramento da desinformação que, graças à internet, cresceu muito com o advento das fakes news. 

Em tese, a confusão se vê até entre os intelectuais em suas visões conflitantes que mais confunde que esclarece. Quando a coisa se encontra sob interesses políticos tende a se complicar bastante. Por isso que nunca é pouco observar que para não cair no ridículo deve-se seguir um requisito mínimo e necessário quando se critica ou se defende uma crença, sobretudo, aquela que busca uma forte oposição a crença contrária. Quem não observar esses cuidados corre o risco de exposição ao ridículo e, consequentemente, cairá em descrédito perante a sociedade. 

A literatura sobre a história e teorias do fascismo é vasta. Tanto é verdade que ainda hoje autores de esquerda e de direita rivalizam-se. O escritor George Orwell(1903–1950) foi um dos pensadores que criticaram a ideologia fascista. Na década de 1940 George Orwell escreveu vários artigos para diversos jornais. Orwell observou que os partidos, incluindo todos os seguimentos da sociedade e todas as ideologias, faziam uso da palavra fascismo para atingir ferozmente o lado oposto. Assim como hoje, não havia uma definição clara do significado da palavra fascismo. A confusão era notória e a acepção da palavra adquiriu diversas conotações. 

A visão orwelliana

Os artigos escritos por George Orwell sobre o fascismo na década de 1940 estão no livro O que é Fascismo? E outros Escritos, publicado em 2019, pela Companhia das Letras, com a organização e prefácio de Sérgio Augusto e tradução de Paulo Geiger. Vamos aprender um pouco sobre estes artigos que mostram, nos turbulentos anos de 1940, a opinião de Orwell.

No artigo Profecia do Fascismo, publicado em 1940 no Tribune, Orwell faz uma interessante reflexão sobre o livro Tacão de Ferro, uma utopia socialista de Jack London (1876–1916), que segundo Orwell foi um livro muito procurado por quem queria compreender o fascismo. Entretanto, Tacão de Ferro não é uma crítica ou apologia aos regimes fascistas. Orwell na verdade tenta, a partir da sua análise, mostrar que a visão tosca que Jack London tinha do resultado da luta de classes estava muito aquém de outro utopista, H. G. Wells (1866–1946) e o seu livro “Adormecido Despertar”. Jack London em sua obra foi capaz de fazer previsões sobre a ascensão de Adolf Hitler (1889–1945) ao poder, coisa que para Orwell, apesar de H. G. Wells ter nítida superioridade intelectual em relação a Jack London, não foi capaz de antever. 

Entretanto, sustenta Orwell, Jack London foi quem apontou o real perigo que Hitler representava para a Europa. Segundo Orwell, devido ao seu espírito um tanto selvagem, por isso inclinado ao fascismo. Jack London percebeu, que as classes não se calariam diante de qualquer ameaça. Orwell mostra que, provavelmente, Jack London não teria cometido o erro dos marxistas ao defender que Hitler não representava ameaça séria e que o “fascismo social”, ou seja a democracia, é  que era o real inimigo. 

O fascismo daquela época nutria a crença que tinha na sua doutrina os meios para o governo do povo para o povo e que assim era através do poder do Estado que a luta de classe alcançaria o sucesso. Hoje a ideia de ter o fascismo e a democracia lado a lado na direção dos mesmos objetivos é veementemente rejeitada, até porque esta é uma ideia absurda, um contrassenso. Para os comunistas, o fascismo se opunha ao comunismo não como uma ideologia, visto que eram semelhantes, mas no desejo de implantar um governo poderoso e único sob a justificativa de libertar o povo do imperialismo. Assim, o marxismo via na democracia uma ameaça a revolução proletária sob as investidas dos fascistas. Isto na realidade não era novidade, pois os marxistas repeliam qualquer ideologia opositora ou concorrente. Qualquer pensamento que pretendesse substituir ou até alinhar-se ao comunismo, era furiosamente rechaçado. A conclusão lógica, a partir do artigo publicado por Orwell, é que o fascismo tinha a democracia como objetivo de libertação contra as ameaças capitalistas e imperialistas e, ao mesmo tempo, era uma oposição ao stalinismo.

Já no artigo O que é o Fascismo? publicado em 1944 no Tribune, Orwell procurou mostrar o quanto ambíguo era o uso do termo fascista. Ele afirma que de todas as perguntas não respondidas sobre nossa época, talvez a mais importante seja: o que é fascismo? Olha aqui o mesmo problema que temos hoje, sobretudo no Brasil. Escreveu Orwell no referido artigo: 

Uma das organizações americana de pesquisa social fez recentemente essa pergunta a 100 pessoas diferentes e obteve resposta que foram desde ‘democracia pura’ até ‘demonismo puro’. Nesse país, se se pedir uma pessoa medianamente esclarecida que defina o fascismo, ela em geral responderá apontando os regimes alemão e italiano. Mas isso é muito insatisfatório, porque mesmo os grandes estados fascistas referem, em boa medida, um do outro em estrutura e ideologia. Foi na política interna que essa palavra perdeu o último vestígio de um significado. Porque, examine a imprensa, você verá que não existe quase nenhum grupo de pessoas que não tenha sido denunciado como fascista durante os últimos dez anos.

Destarte, Orwell mostrou que todos eram na concepção do comunismo ‘simpatizante do fascismo’ ou de ‘tendência fascista’ ou simplesmente ‘fascista’. Naquela época, todo conservador era tido como pró-fascista; todo socialista, cuja ideia divergisse do marxismo, sustentava que o socialismo e o fascismo eram as mesmas coisas; trotskistas eram acusados de criptofascistas; a igreja católica era considerada pró-fascista; do mesmo modo, os que resistiam a guerra tanto quantos que a apoiavam eram considerados fascistas; o mesmo valia para os nacionalistas que sempre eram considerados inerentemente fascistas. Assim, as reflexões de Orwell abaixo deixam uma certeza: a de que o termo fascista vem sendo utilizado para diversos propósitos e cada vez mais escusos e ambíguo.

Mas debaixo de toda essa confusão subjaz uma espécie de significado oculto. Para começar, é óbvio que não há diferenças muito grandes, algumas delas são fáceis de apontar, mas não são fáceis de  explicar, entre os regimes chamados fascistas e aqueles chamados democráticos. Segundo, se fascista significa ter simpatia por Hitler, muitas das acusações que listei são mais justificadas do que outras. Terceiro, todo aquele que indiscriminadamente lança a palavra fascista em todas as direções está agregando a ela alguma medida de significado emocional. Por fascismo eles estão se referindo, de maneira grosseira, a algo cruel, inescrupuloso, arrogante, obscurantista, antiliberal e anticlasse trabalhadora. Com exceção de um número relativamente pequeno de simpatizante do fascismo, quase todo inglês, vai aceitar troglodita como sinônimo de fascista. É a coisa mais próxima de uma definição a que chegou essa tão abusada palavra.

Afinal de contas o que é o fascismo?

Historicamente, o fascismo nasceu no contexto em que se encontravam o socialismo e o nazismo como oposição ao imperialismo. Na década de 1930 o partido fascista italiano, ainda incipiente, não passava de um grupo de idealistas com forte viés anarquista. Este fazia ferrenha oposição ao governo monarquista de Vítor Emanuel III (1869–1947), soberano em Itália. Está registrado na história que o monarca, preocupado com a ameaça que o movimento fascista representava, colocou  Benito Mussolini (1883͢–1945) como seu ministro e deu a ele a missão de monitorar e reprimir qualquer movimento fascista. O que aconteceu foi exatamente o contrário. Mussolini não só derrubou o monarca como também se autoproclamou chefe da nação e instituiu o fascismo como o legítimo sistema de governo em Itália. Para Mussolini, o Estado era tudo e ele próprio era o Estado. O seu famoso aforismo “tudo no Estado, nada contra o Estado, e nada fora do Estado” imprime em seu governo a marca do totalitarismo. Esta é toda a filosofia de pensamento fascista sob a ótica de Mussolini.

O escritor brasileiro Bolívar Lamounier em seu livro Liberais e Antiliberais lembra que “o liberalismo situa-se na antípoda do fascismo e do marxismo.” Neste contexto o fascismo pode se identificar com alguma noção do liberalismo e com o comunismo, flertando com ambos de acordo a sua conveniência. Já Francis Fukuyama em seu livro O Fim da História e o último Homem esclarece que depois da derrota de Hitler o que restou para a direita como alternativa à democracia liberal foi “Um grupo de persistentes, mas afinal não sistemáticas, ditaduras militares”

O fascismo, de acordo a análise de Fukuyama, sofria de uma contradição interna. “A sua ênfase no militarismo e na guerra levou inevitavelmente a um conflito autodestrutivo com o sistema internacional. Portanto, não  seria um competidor ideológico da democracia liberal que valesse a atenção. Entretanto, Fukuyama argumenta que “neste século, a tentativa sistemática mais importante para estabelecer um princípio de legitimidade coerente, de direita, não democrático, foi o fascismo” e afirma que “o fascismo não era uma doutrina universal, como liberalismo o comunismo, uma vez que negava a existência de humanidade comum ou a igualdade dos direitos humanos”. Para Fukuyama “o ultranacionalismo fascista considerava como fonte essencial da legitimidade a raça ou a nação, especificamente o direito de ‘raças superiores’ como os alemães de dominar outros povos.

O professor e filósofo Olavo de Carvalho em entrevista ao Brasil Paralelo publicado no Youtube em 17/04/2020 deu o seguinte depoimento sobre o fascismo: “enquanto discurso ideológico, o fascismo aparece numa corrente que podemos dizer que é anti-iluminista, uma corrente um pouco romancista e anti-iluminista. Isto remonta ao começo do século XIX, prezando então as identidades nacionais, as tradições nacionais, as línguas nacionais”. O professor afirma que isto nada tem a ver com o regime fascista. Pois, “o regime fascista não surge desta fonte ideológica, ele surge dentro de uma cisão do movimento revolucionário, onde vários teóricos fascistas levantaram o problema de se a classe proletária poderia ser o agente da revolução mundial e chegaram a conclusão de que ela não podia, porque não existe proletariado mundial, só existe proletariado nacional. Ou seja, a condição proletária é definida pela condição nacional”, explica o professor Olavo Carvalho. Portanto a luta não é entre proletários e burgueses, mas entre nações proletárias e burguesa, finaliza o professor.

Ainda na mesma entrevista no Brasil Paralelo, o escritor e analista político Flavio Morgenstern esclarece que “toda a ideia do fascismo, do nacional-socialismo, das falanges, todo esse movimento fascista era a ideia da classe trabalhadora se unir nacionalmente e criar um estado extremamente eficiente, nacionalizar propriedades, nacionalizar indústrias, nacionalizar um plano de educação. A educação como libertadora porque que ela que vai fazer a classe trabalhadora se libertar daquela alienação marxista, da ideologia da propriedade”, explica Morgenstern. “Porque, através da educação você vai ter uma organização de trabalhadores, uma organização política, através da educação, contra a economia”, finaliza.

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